Reflexões sobre a conjuntura nacional e esperanças de superação

Por Natália Meira*

Lula Luciana Manuela - Foto: Richard Silva/PCdoB na Câmara

A democracia representativa apresenta potencialidades na luta por justiça social, como apresenta Boaventura de Sousa Santos, uma vez que as vitórias democráticas das “forças socialistas” permitem a luta pela maior “redistribuição social e pela inclusão intercultural”.

Contudo, ao intensificar sua tensão com o capitalismo, a democracia deixa de ser viável ao mercado rentista/financeiro que, através de processos antidemocráticos, busca desestabilizar o campo político, seja pelo controle da mídia, pela desinformação, pela corrupção, através de escutas telefônicas, ameaças e manipulação da população através do fascismo social.

O conceito de fascismo social, apresentado por Boaventura, refere-se às “relações sociais de poder de tal modo desiguais que, no contexto social e político em que ocorrem, a parte (grupo ou indivíduos) mais poderosa exerce um direito de veto sobre aspectos essenciais da vida da parte menos poderosa”

Estas relações sociais de poder alastram seu domínio em aspectos fundamentais da vida humana, sobretudo da classe trabalhadora. Estabelece suas desigualdades nas relações de trabalho, se manifesta na violência doméstica, no apartheid social aportada ao racismo, pela privatização de bens essenciais, no massacre das comunidades rurais e indígenas e no desenvolvimento desenfreado do capital financeiro pelo lucro especulativo.

No Brasil, diversos setores da sociedade tardaram ou se recusaram reconhecer este movimento, consolidado pelo golpe de Estado em 2016. Boaventura, a fonte da qual bebo para ilustrar alguns conceitos aqui, revela que esta dificuldade para identificar se dá porque o golpe não visa superar a democracia, apenas desestabilizar o campo político suficientemente para dispor a “democracia” a favor do capital.

Desta forma, se configuraram as forças antidemocráticas via poderes executivo (consolidado pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff), legislativo (pela aprovação de leis e emendas constitucionais com objetivo de retroceder os avanços sociais e direitos conquistados) e judiciário (através da perseguição de figuras públicas progressistas, com destaque ao ex-presidente Lula, e líderes de movimentos sociais).

A gravidade se estendeu ao projeto de país associado às contrarreformas. A aprovação da PEC 55, agora Emenda Constitucional 95, que instituiu o novo regime fiscal, congelou os gastos públicos por vinte anos e legitimou o pagamento dos juros e amortizações da fraudulenta dívida pública.

Esta dívida, por sua vez, segundo estudos do grupo Auditoria Cidadã da Dívida, consumiu 42,43% do orçamento público em 2015. Neste mesmo ano, o valor da dívida consumiu 962 bilhões de reais, cerca de 2,63 bilhões por dia. Esta dívida brasileira, assim como em outros países do Terceiro Mundo, se configura em diversas fraudes financeiras e fiscais, muitas inconstitucionais, como apontam os relatórios da Auditoria Cidadã. No Ato da Disposições Constitucionais Transitórias, artigo 26 da Constituição Federal de 1988, a auditoria da dívida pública é prevista, porém, nunca foi realizada mesmo sendo a maior consumidora dos recursos públicos.

Igualmente, a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467) retrocede nos direitos trabalhistas conquistados, embora a consulta pública demonstre que mais 91% da população brasileira foi contra sua aprovação. Ainda, em tramitação, a Reforma da Previdência, PEC 287/2016, tem por objetivo restringir os direitos da Seguridade Social (Saúde, Previdência e Assistência Social), como também visa a apropriação indevida desses recursos via DRU (Desvinculação das Receitas da União).

Enquanto o número de desempregados está em torno de 13 milhões de brasileiros, e o número de inadimplentes em 61 milhões, os bancos continuam lucrando e a dívida pública brasileira, impagável, só cresce.

O fascismo social, o domínio capitalista e o controle do Estado também se dá no campo ideológico. A educação, direito fundamental garantido pela Constituição Federal, também tem sido alvo dos retrocessos desta conjuntura política via Reforma do Ensino Médio (MP 746/2016, aprovada) e “Programa Escola sem Partido” (PL 193/1996).

Assim, o momento político que enfrentamos requer a criação de vastas alianças dos campos políticos progressistas e das frentes populares. Restabelecer a democracia com um projeto de país capaz de lutar contra a hegemonia capitalista, revogar a EC 95, executar a auditoria da dívida e acabar com o monopólio midiático. Um projeto que não negligencie a prestação de contas e o controle social, a fim de minimizar as consequências com a vulnerabilidade à corrupção. Um projeto que defenda o desenvolvimento pela indústria nacional, e não entregue nossas benesses a “preço de banana” via privatização. Que para além de eleições em 2018, desenvolva até lá a mobilização necessária para concretizar o novo sonho de um projeto de nação justa e democrática.