Otan, o passado que está por trás da escravidão na Líbia 

Na última semana, veio a público notícias sobre o escândalo da venda de escravos “em pleno século 21”, com referências à crise migratória e humanitária, a “calamidade pública” existente na Líbia; tudo, porém, sem alusões ao que motiva essa crise, que provém da destruição do país norte-africano pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

venda de escravos na Líbia - Repubblica

O Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) aprovou na terça-feira (21), por unanimidade, uma resolução sobre o tráfico de seres humanos em “países em conflito”, na qual se prevê uma maior partilha no acesso a informações entre os países-membros, de modo a desenvolverem bancos de dados na luta contra esse crime.

O texto considera particularmente importante a denúncia de grupos terroristas, que fomentam o tráfico de seres humanos “aproveitando-se da fraqueza de estados debilitados por conflitos”. É o caso da Líbia, um país mais do que “debilitado” após a intervenção da Otan, em 2011, e onde o tráfico humano tem sido registrado e denunciado.

Recentemente, um órgão de comunicação social norte-americano, que em 2011 fez parte da máquina que alimentou a campanha de mentiras que viriam a “sustentar” a intervenção externa na Líbia, divulgou uma reportagem em que se veem migrantes a serem leiloados em plena rua, para depois serem utilizados como escravos na agricultura ou na construção.

De acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), “os refugiados e migrantes – subsaarianos na sua maioria – que conseguem sobreviver ao chegar na Líbia são colocados em centros de detenção, casas e garagens, em condições deploráveis, onde são submetidos a torturas e violações constantes, para depois serem vendidos como escravos”, indica a TeleSur.

Esta agência das Nações Unidas conseguiu reunir testemunhos de migrantes que são obrigados a manter contato telefônico com seus familiares para pedir um resgate, “enquanto são ameaçados e espancados”.

A aprovação da resolução no CSNU foi seguida de apelos lançados pelo secretário-geral da organização, Antônio Guterres, para uma maior cooperação na empreitada. Guterres, que disse se sentir “horrorizado” com a venda de migrantes africanos como escravos na Líbia, exigiu que os fatos sejam investigados com urgência, para que “os responsáveis sejam levados à justiça”.

“Devemos agir imediatamente para proteger os direitos e a dignidade das populações migrantes”, disse o secretário-geral da ONU, salientando a necessidade de “atacar as causas profundas da migração”.

A escravidão em um estado destruído pela Otan

Num texto recentemente publicado na Rede Voltaire, “Memorandum sobre a Líbia – Mentiras contra o Estado, o Guia e o exército”, Saif al-Islam Khadafi, filho de Muammar Khadafi, libertado este ano, expõe a campanha de mentiras que justificaram a intervenção da Otan, em 2011, com o apoio de países árabes, e que conduziram à destruição e fragmentação do Estado líbio.

No texto, Saif al-Islam Khadafi denuncia os “dois pesos e duas medidas” do Tribunal Penal Internacional, “envolvendo personalidades líbias em crimes inventados, enquanto ignorava e não condenava o bárbaro linchamento perpetrado contra Muammar Khadafi e contra o seu filho Moatassem pelas milícias apoiadas pela Otan”.

O documento sublinha como as milícias que a Otan apoiou prejudicaram o país, destruindo cidades e infraestruturas vitais nos últimos seis anos, e detalha os crimes contra humanidade, variados e horrendos, por elas cometidos. Saif al-Islam Khadafi acusa as instâncias internacionais de terem fechado os olhos e decidido ignorar esses crimes.

Em 2010, a Líbia era o país com maior Índice de Desenvolvimento Humano no continente africano, de acordo com dados das Nações Unidas. Hoje, com os seus imensos recursos aquíferos, petrolíferos e de gás, a população das cidades líbias sofre escassez de água, cortes de luz e falta de instalações médicas.

Além disso, as principais ligações rodoviárias estão cortadas, em virtude das operações militares e da proliferação de milícias. Os sequestros, o tráfico de armas e de pessoas são frequentes.

Foi neste país do Norte de África que se redescobriu a “calamidade pública” da escravidão. E, com horror, a existência de “redes de tráfico” que maltratam os “migrantes”, afligidos por “cenários de guerra”.