Marcelino da Rocha: Caminhos para o movimento sindical ir em frente

Diante da crise do Brasil sob o governo Temer e da iminência da reforma trabalhista, o sindicalismo tem o desafio de “ser ratificado como o principal defensor dos trabalhadores”. A opinião é de Marcelino da Rocha, presidente da FITMETAL (Federação Interestadual de Metalúrgicos e Metalúrgicas do Brasil).

Marcelino da Rocha, presidente da Fitmetal - André Cintra

Em entrevista ao jornalista Claudio Gonzalez, da revista “Princípios”, Marcelino avaliou os desafios atuais do movimento sindical e apontou caminhos para enfrentar as novas adversidades. Segundo o dirigente, “é necessário intensificar a organização no local do trabalho, dialogar de modo mais direto e frequente com as bases, investir em campanhas de sindicalização e, acima de tudo, propor saídas consequentes à crise, que levem em conta os interesses dos trabalhadores”.

Outra área que ganha força, na opinião de Marcelino, é a política de comunicação das entidades. “Na Roma Antiga, dizia-se que a mulher de César, mais do que ser honesta, deveria parecer honesta. As entidades sindicais, da mesma maneira, não poderão ser apenas combativas e respeitados. Será preciso qualificar a comunicação sindical, prestar contas à categoria e convencer um número cada vez maior de trabalhadores.”

Confira abaixo a entrevista.

Princípios: Como está sendo mobilizar os trabalhadores contra perdas de direitos diante deste cenário de desalento da população com a situação do Brasil?

Marcelino da Rocha: A crise política e econômica vivida pelo Brasil é um “teste de fogo” não apenas para o movimento sindical – mas também para todos os setores organizados da sociedade. Com sua legitimidade e credibilidade em xeque, diversas instituições têm sofrido para atravessar este período tão prolongado de incertezas e desconfiança generalizada. Mas a mobilização avança à medida que os trabalhadores se conscientizam.

Embora determinados problemas e impasses já existissem no governo Dilma, o fator que mais acentuou a crise foi o golpe de 2016 contra a presidenta e a democracia. Num primeiro momento, as mobilizações populares perderam força – parte da população se deixou contaminar por falsas expectativas e promessas. Os setores conservadores, base do governo ilegítimo de Michel Temer (PMDB), pareciam em ampla vantagem.

Mas o que os golpistas entregaram ao povo brasileiro e à classe trabalhadora? Recessão econômica e desemprego, sobretudo entre os mais jovens. Corte de verbas e programas sociais. Ataques às mulheres, aos negros e às minorias. Retirada de direitos sociais e trabalhistas. Compra aberta de votos para enterrar denúncias e proteger os corruptos.

Graças à luta do sindicalismo, dos movimentos sociais, dos partidos de esquerda e das lideranças progressistas, conseguimos desmascarar o governo e sua política neoliberal. Segundo o Ibope, a rejeição a Temer dobrou em um ano, passando de 39% em setembro de 2016 para 77% em setembro passado. É a maior taxa de reprovação a um presidente, mesmo com o apoio da grande mídia e do Congresso às medidas conservadoras.

Para ter mais êxito na mobilização, o movimento sindical precisa ser ratificado como o principal defensor dos trabalhadores. Temos de responder à altura aos ataques contra o sindicalismo. Como os efeitos da crise persistem e podem até piorar, é necessário intensificar a organização no local do trabalho, dialogar de modo mais direto e frequente com as bases, investir em campanhas de sindicalização e, acima de tudo, propor saídas consequentes à crise, que levem em conta os interesses dos trabalhadores.

Princípios: O processo de debate da reforma trabalhista acentuou a campanha de setores da direita e até da mídia contra a atividade sindical. O discurso de demonização e de desprezo pelos sindicatos foi disseminado sobretudo nas redes sociais. Como isso tem refletido na ação da entidade sindical na qual você atua?

MR: Apesar da campanha recente contra os sindicatos e da aprovação da reforma trabalhista, não houve danos concretos à imagem do movimento sindical, das entidades e de suas lideranças. Curiosamente, o que ocorreu, após o golpe, foi o contrário – um reconhecimento maior do papel dos sindicatos.

No caso da FITMETAL, 2017 é um de nossos anos mais ativos, com muita demanda, mobilização e luta. Nossa política foi testada em eleições sindicais importantes, das quais saímos vitoriosos, como em Betim (MG) e Caxias do Sul (RS). No mês de maio, em nosso 2º Congresso, aprovamos a criação de uma confederação nacional metalúrgica de orientação classista – um passo audacioso, que tem como ponto de partida a atuação mais ampla e vinculada às bases. Lançamos a campanha “Brasil Metalúrgico” e um ciclo nacional de debates sobre “Indústria e Desenvolvimento”.

Outro dado que atesta o avanço do prestígio sindical é o Índice de Confiança Social (ICS) do Ibope – levantamento anual que mede a confiança popular em 20 instituições. Nos últimos anos, com o agravamento da crise e o avanço das ideias conservadoras no Brasil, o ICS dos sindicatos vinha caindo – de 43 em 2014 para 41 em 2015 e, enfim, 40 em 2016. Mas na última pesquisa, referente a 2017, o índice de confiança nas entidades sindicais saltou para 44. Vale acrescentar que as entrevistas deste ano foram feitas entre 13 e 19 de julho, logo após a aprovação da reforma trabalhista, quando o discurso antissindical do governo e de seus aliados estava em evidência.

Podemos citar mais uma pesquisa. Com base em dados de 2015, um levantamento mostrou que 19,5% dos trabalhadores são sindicalizados no Brasil. De cada cinco trabalhadores, apenas um se associa ao sindicato de sua categoria. E por que, afinal, os demais ficam de fora? Resistência ao movimento? Rejeição às entidades? Nada disso. Conforme o levantamento, 26,4% dos não sindicalizados disseram não saber qual era sua entidade representativa. É verdade que as taxas de sindicalização variam muito – de categoria a categoria, de região a região, de entidade a entidade. Mas também é fato que como mostram os números, a voz do sindicalismo ainda não chega à totalidade dos trabalhadores. Parte das dificuldades na relação entre sindicatos e trabalhadores é nossa – deve ser debitada na conta do próprio movimento sindical.

Princípios: Como você avalia o grau de unidade entre as entidades sindicais neste momento de ataques generalizados do capital sobre o trabalho? Está havendo unidade suficiente para enfrentar esta ofensiva ou as disputas entre forças políticas continua dificultando a construção de uma agenda unitária do movimento?

MR: Em princípio, a unidade do movimento não é apenas uma bandeira do sindicalismo classista, representado pela CTB, pela FITMETAL e por suas entidades de base. É também um objetivo declarado das centrais sindicais – um caminho a ser perseguido, à luz de uma pauta comum em defesa dos trabalhadores. Mas, nos dias atuais, há divergências entre as centrais em pontos importantes, em especial a definição da melhor tática para enfrentar a crise econômica, o desemprego ou a reforma trabalhista.

Ao menos da parte da CTB, não faltam esforços para equacionar essas diferenças e viabilizar a unidade possível. Temos de nos mirar, ainda, nas boas lições da história. Seja na bonança, seja na desgraça, exemplos bem-sucedidos nesse sentido existem. No segundo governo Lula (2007-2010), o Fórum das Centrais, marco máximo da unidade, realizou marchas vitoriosas a Brasília e alcançou conquistas históricas – caso da política de valorização do salário mínimo. Neste ano, a já memorável Greve Geral, em 28 de abril, uniu todas as centrais e impulsionou a luta contra a reforma da Previdência, retardando sua tramitação no Congresso Nacional.

Para reforçar nossa convicção, temos o êxito do movimento “Brasil Metalúrgico”, constituído em julho, com entidades ligadas a nove centrais sindicais. Lançamos em agosto um boletim unificado, com 300 mil exemplares, para distribuir às nossas bases. Em 14 de setembro, Dia Nacional de Lutas, promovemos manifestações, piquetes, assembleias e paralisações, dialogando diretamente com milhares de operários em dez estados. Já em 29 de setembro, realizamos em São Paulo a histórica Plenária Nacional dos Trabalhadores da Indústria, em que mais de 1.500 dirigentes e lideranças sindicais aprovaram, por unanimidade, uma plataforma unitária de lutas.

Princípios: Quais são os prejuízos mais imediatos e visíveis que poderão ocorrer com a categoria que vocês representam a partir da entrada em vigor da reforma trabalhista?

MR: A reforma trabalhista entra em vigor em 11 de novembro, mas os sindicatos já sofrem seus efeitos no dia a dia. Em tese, categorias com data-base em setembro, outubro ou novembro estariam imunes às perversidades dessa legislação. Mas muitas entidades patronais têm postergado as convenções coletivas, à espera da vigência das novas regras, que lhes são favoráveis. As campanhas salariais tendem a ser, portanto, mais duras e adversas.

De modo geral, crescem também as ameaças de terceirização e precarização no chão da fábrica. A reestruturação produtiva era um dos meios aos quais a indústria recorria para reduzir postos de trabalho e aumentar a margem de lucro. Agora, com a reforma, os patrões terão mais margem legal para cortar empregos, direitos e benefícios.

Princípios: Como você enxerga o futuro do sindicalismo diante de um cenário no qual as formas de financiamento da atividade sindical estão em xeque? Qual solução sua entidade daria para manter e estruturar a Federação na hipótese de não poder mais contar com a contribuição sindical?

MR: Ao longo da História do Brasil, todos os governos golpistas procuraram sufocar ou cooptar o sindicalismo. Sob o Estado Novo, Getúlio Vargas criou a CTL (Consolidação das Leis do Trabalho), mas impôs um rigoroso controle estatal sobre os sindicatos e as cooperativas – que praticamente não tinham poder de negociação. O regime militar não baniu oficialmente a atividade sindical, mas massacrou o movimento com uma série de medidas autoritárias: proibição de greves, intervenções nas entidades, destruição de equipamentos e arquivos, além da perseguição a lideranças (com cassação de mandatos, prisões e torturas). Como sabemos, as ditaduras morreram, não o sindicalismo.

A ofensiva do governo Temer tem três objetivos: limitar as atribuições das entidades, inviabilizar sua sustentação administrativo-financeira e enfraquecer sua representação formal. Com o fim do imposto, o movimento passará por uma fase de transição e ajustes. Sindicatos menos organizados, “de fachada”, podem até sucumbir. Só que as entidades tradicionais, respaldadas por suas bases, terão força e legitimidade, se adaptarão em curto ou médio prazo e continuarão a lutar com o mesmo padrão de qualidade.

As contribuições assistencial e negocial terão um peso maior, assim como os convênios e as parcerias. Deverá haver mais profissionalismo na gestão administrativa e financeira das entidades. Se os sindicatos quiserem elevar as taxas de associação e incrementar sua receita mensal, a organização no local de trabalho, no chão da fábrica, será fundamental. Na Roma Antiga, dizia-se que a mulher de César, mais do que ser honesta, deveria parecer honesta. As entidades sindicais, da mesma maneira, não poderão ser apenas combativas e respeitados. Será preciso qualificar a comunicação sindical, prestar contas à categoria e convencer um número cada vez maior de trabalhadores.

Temos a convicção de que o movimento sindical irá em frente. As centrais só foram legalizadas e passaram a receber imposto sindical na década passada. A FITMETAL foi fundada em 2010, mas teve direito à contribuição sindical apenas em 2016, quando foi reconhecida junto ao Ministério do Trabalho. Adequar-se é parte do jogo. Somos favoráveis à contribuição sindical e sabemos que sua extinção é uma tentativa de asfixiar a luta do movimento. A reforma dá fim a um imposto que arrecada R$ 3,5 bilhões por ano, em benefício dos trabalhadores e sem nenhum prejuízo aos cofres públicos. Mas Temer não mexe no “Sistema S”, que transfere nada menos que R$ 15,9 bilhões anuais para es entidades patronais. Hipocrisias do governo à parte, convém não subestimar a capacidade de resistência e adaptação do sindicalismo brasileiro.