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A revolução estética de outubro

"Pela primeira vez não foi da França e sim da Rússia que chegou uma nova palavra da arte: construtivismo", com esta frase dita em 1922, Maiakovski dá o tom da profundidade da revolução russa, que partiu de novos alicerces em todas as esferas para construir uma sociedade disposta a abandonar completamente a Rússia dominada pela burguesia.

Por Mariana Serafini

Ilustração 1917 - Tainan Rocha - Tainan Rocha

Além dos avanços sociais conquistados através da revolução que colocou abaixo uma sociedade extremamente atrasada para os padrões do começo do século 20 na Europa, havia também a preocupação em comunicar estas conquistas à população. Os artistas revolucionários não pouparam esforços e transformaram a comunicação e as artes de tal forma que em pouquíssimo tempo se tornaram referência na sociedade ocidental.

Entre os muitos movimentos artísticos que nasceram nos escombros deixados pela Primeira Guerra e pela revolução, o construtivismo se destacou no período imediatamente pós-revolucionários, nos primeiros anos do governo ocupado pelos bolcheviques.

Os construtivistas russos, profundamente inspirados pelo cubo-futurismo, trouxeram tendências pictóricas de vanguarda. Comprometidos com a revolução, o objetivo era simplificar a arte para se comunicar com os trabalhadores. Linhas simples, cores primárias, conteúdo e forma intrinsecamente ligados são características deste movimento.

Através de um documento publicado por Maiakovski imediatamente após a revolução, em 1918, é possível notar que os artistas viam esta nova sociedade como uma tela em branco, pronta para receber um conteúdo voltado ao povo, não mais à burguesia. Na Carta Aberta aos Operários, o poeta diz: "o duplo incêndio da guerra e da revolução esvaziou nossas almas e nossas cidades. Os palácios do luxo de ontem estão aí qual esqueletos calcinados. O turbilhão revolucionário arrancou dos espíritos as raízes nodosas da escravidão. A alma do povo aguarda uma semeadura grandiosa".

O centro destas ideias revolucionárias era a revista Lef, fundada por Maiakovski e os artistas que o cercavam, entre eles Vladimir Tátlin e Alexander Rodchenko. Para os construtivistas, a revolução do conteúdo era inconcebível sem a revolução da forma. Assim, eles trabalharam para transformar a poesia, o teatro, o cinema, a publicidade e a fotografia. A explosão estética completamente nova balançou os alicerces da cultura da época e influencia artistas em todo o mundo até hoje. "Fomos nós que inauguramos a primeira página da novíssima história das artes", disse Maiakovski na mesma carta aberta.

Inspirados pela revolução industrial e pelo crescimento das grandes cidades, os construtivistas buscaram tornar a arte utilitária, como foi a ciência e o trabalho, disse Angelo Maria Ripellino em artigo publicado em 1959.

De acordo com Haroldo de Campos, no artigo Maikovski e o Construtivismo, "os construtivistas, reunidos em torno de Tátlin, procuraram engajar sua revolução formal, dando-lhe um sentido positivo e colocando-a a serviço da revolução social".


Este cartaz é resultado do trabalho de Lilla Brik (poeta fotografada), Alexander Rodchenko (fotógrafo) e Maiakovski (desing)
 

Desde antes da ascensão dos bolcheviques ao poder, Maikovski já alertava sobre a importância da publicidade na comunicação revolucionária. Para ele, a estética, a clareza e a forma simples eram fundamentais para chamar a atenção dos trabalhadores da cidade e do campo. Os revolucionários deveriam se apropriar da publicidade, deixando de lado a ideia de que esta é uma forma burguesa de se comunicar, para ampliar a difusão das ideias revolucionárias.

Estes artistas atuaram diretamente na revolução, e integraram o setor de comunicação do Partido Comunista. Defenderam a ampliação de investimento de recursos em materiais como jornais, revistas e cartazes para disseminar as ações do partido e da revolução.

Estes ensinamentos servem ainda à esquerda que tem hoje o desafio de ampliar sua forma de se comunicar com as bases e se fazer entender entre os trabalhadores, no momento que a direita ocupa estes espaços com um discurso reacionário.

O legado estético da revolução de outubro de 17 permanece atual cem anos depois. A comunicação da esquerda deve ir além da internet. Não basta se apegar a esta plataforma. O conteúdo e a forma devem ser claros, simples e objetivos, para ultrapassar a fronteira da intelectualidade e chegar onde o povo está.