Força Sindical: Reforma aprovada privilegia patronato

O Especial Portal Vermelho sobre a Reforma Trabalhista publica mais um artigo sobre os impactos da  reforma sobre as relações de trabalho no Brasil. Nesta quinta-feira (9), o texto é do secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna. Todas as centrais reconhecidas pelo Ministério do Trabalho enviaram artigos a pedido do Portal. Os textos estão sendo publicados todos os dias até sábado (11), quando entra em vigor a reforma trabalhista.

João Carlos Gonçalves, o Juruna - Reprodução

Confira o artigo do dirigente da Força Sindical:

Fortalecer a negociação

Por João Carlos Gonçalves, o Juruna

Desde 1973, quando recebi a carteira de associado do Sindicato dos Petroleiros de Cubatão (trabalhava na Refinaria Presidente Bernardes (RPBC)), a estrutura sindical já estava em debate. Diversas correntes sindicais, a partir de experiências internacionais e nacionais faziam suas propostas.

O governo de Michel Temer, ao colocar em debate a reforma da legislação trabalhista, mexeu esta estrutura sindical.

Mas vale lembrar que o processo de reforma se iniciou no governo Lula, quando trabalhadores, empresários e governo, de forma tripartite, como recomenda a OIT, discutiram mudanças na legislação trabalhista. Daquele debate resultou a legalização das centrais sindicais, com seus parâmetros aprovados em lei.

Na proposta de Temer várias questões são colocadas em xeque: o papel da justiça do trabalho, o negociado sobre o legislado, o comitê de empresa desvinculado do sindicato, o fim da contribuição sindical obrigatória, além de itens mais perversos como acordos individualizados, sem participação sindical, e o trabalho da gestante ou lactante em locais insalubres.

Provocado por estas questões, tenho me perguntado: a quem serve este modelo de Justiça do Trabalho? Ela é emperrada, demora nas decisões, propõe acordos por menos de 40% do valor a que o trabalhador tem direito e sabemos que a maioria dos processos não passa pelos sindicatos.
Quantos trabalhadores registrados abrem processo contra o não comprimento da lei quando ainda estão empregados? Ficaríamos abismados com as respostas, pois a maioria dos processos se dá depois que o trabalhador sai da empresa. Isso significa que a Justiça do Trabalho é para depois, não para o prejuízo em si, das condições de trabalho, da hora extra não paga, do não registro em carteira da profissão, etc.

E qual tem sido o papel da Justiça do Trabalho nas lutas sociais? Quantas greves foram declaradas ilegais? Quantas reinvindicações eram justas, mas “não estavam dentro da lei”? E tem gente bem intencionada que diz “nem a ditadura mexeu com isso”, como se isso fosse uma legitimação do seu papel.

Mas, na verdade, o que ocorre é o contrário. Ao debater apenas ações individuais e ao decretar a ilegalidade dos movimentos a Justiça do Trabalho amorteceu o movimento, contribuiu para que muitos fossem demitidos “por justa causa” e para que diretorias de sindicatos atuantes fossem cassadas. Quem já se esqueceu dos ovos nos juízes em 1985 no julgamento da greve da Rheem Metalúrgica?

Hoje a justiça do trabalho quer manter a tutela sobre os trabalhadores, como queria na ditadura do Estado Novo. Este modelo de Justiça do Trabalho pode ter tido um papel no passado, quando a classe trabalhadora tinha consciência limitada, a arrogância patronal era socialmente sancionada, e –por assim dizer – os trabalhadores viviam ainda numa espécie de menoridade cidadã.

Hoje, depois de décadas de luta, os trabalhadores amadureceram, não aceitam mais imposições descabidas, e vivem uma crescente consciência de sua cidadania, que se rfeflete também nas relações no mundo do trabalho.

Portanto, chega dessa tutela! Os trabalhadores têm o direito de dizer o que querem e como querem. Se quiserem permanecer no emprego, evitar a demissão, mesmo que para isso possa reduziro salário. Por que nós trabalhadores não podemos tomar essas decisões em assembleia conduzidas pelo sindicato?

O negociado pelo legislado já é uma prática sindical. Mas os que querem tutelar não querem reconhecer esses acordos, mesmo decididos em assembleia. Chega! Como disse o poeta “Você não precisa de um meteorologista para saber de que lado sopra o vento”.

A organização no local de trabalho, ou comitê sindical na empresa, algo normal em qualquer democracia, no Brasil se assemelha a um feudo, onde o sindicato não entra. Ao propor o comitê de empresa, a lei aprovada piorou ainda mais esta situação, privilegiando o patronato que poderá controlar a eleição e até indicar diretores ou mexer no estatuto. Para o bem do sindicalismo, da negociação e da democracia precisamos corrigir isso. Outra limitação que deforma as relações do trabalho e favorece aos patrões é a proibição dos trabalhadores em contribuir com sua entidade. Mal comparando é como amarrar os pés e mãos de um lutador e botá-lo no ringue para lutar.

Qualquer instituição para representar bem os seus, precisa de estrutura. Se a instituição beneficia a todos, todos devem ter interesse em contribuir para sua sustentação. Reconhecer isso seria, isto sim, uma contribuição importante do governo Federal e Congresso Nacional. Esta contribuição pode ser definida em assembleia da categoria no momento em que decide sua pauta de negociação na data base, o seu valor e formas de pagamento.

O debate sobre a estrutura sindical, com seus sindicatos por município, deverá ser feito pelos trabalhadores, no próprio movimento sindical e rápido. Devemos debater o papel da Federação e da Confederação como negociadoras, e não só para os locais sem sindicalização. As centrais sindicais, como tendência teriam suas organizações de ramo ou setores, fortalecendo as negociações em uma só estrutura nacional de ramos, com responsabilidades aos sindicatos, federações e confederações definidos para a negociação coletiva.

Só assim poderemos acreditar no nosso papel como dirigentes sindicais responsáveis pela negociação, condução das mobilizações e greves necessárias para a conquista de todos.
Neste contexto de mudanças, seria produtivo a Justiça do Trabalho se transformar em um instrumento moderador atuando, quando convocada, pelas partes em litígio e reconhecendo, como contratos – portanto com força de lei – o resultado das negociações. Como é hoje não dá mais. Os trabalhadores não podem mais ficar à mercê de seu julgamento e tutela.

Não tenho dúvida que essa experiência de negociação, de responsabilidades e compromissos entre as classes sociais a partir dessas negociações poderá contribuir para o crescimento econômico, a promoção da justiça social e o fortalecimento da democracia em nosso país.

*João Carlos Gonçalves, Juruna, é metalúrgico e secretário-geral da Força Sindical.