Mudança na Caixa ameaça sua função social e é passo para privatização

A Caixa está sob ataque e toda a sociedade brasileira perde com isso. Quem faz o alerta é o presidente da Federação Nacional das Associações de Pessoa da Caixa (Fenae), Jair Pedro Ferreira. Para ele, a sinalização do governo de que pretende transformar a instituição pública em Sociedade Anônima (S.A.) põe em risco a função social do banco e é um primeiro passo rumo à privatização.

Jair Pedro e Altamiro Borges

Em entrevista coletiva concedida em São Paulo, no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, nesta terça-feira (7), Ferreira destacou o papel que a Caixa cumpre no desenvolvimento do país, na execução de políticas públicas e no equilíbrio do próprio sistema financeiro.

Entre outras coisas, o banco público hoje é responsável por 70% do financiamento habitacional do país, por gerenciar o FGTS e administrar programas como Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida e Fies.

“Independentemente das questões coorporativas, a Caixa é uma empresa muito importante para a sociedade brasileira. Completou 156 anos. Ele hoje é 100% do Estado, ou seja, está livre da influência de acionistas. Mas há a intenção do governo de transformar ela em uma S.A. Para nós, é a primeira ameaça de privatizar. A gente viveu os anos 90, então sabemos que esse é um primeiro passo”, disse.

No final de outubro, a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, confirmou que a gestão Michel Temer estuda transformar o banco público em uma S.A., para, em seguida, colocar suas ações no mercado – parte do desmonte do Estado promovido pelo governo atual. Hoje a Caixa pertence exclusivamente à União.

“A sociedade não pode abrir mão de uma empresa como essa, que se relaciona com a vida das pessoas. Boa parte da população brasileira só mora e uma casa ou apartamento porque foi financiado pela Caixa. Ao vender isso ou permitir que mude essa condição [100% estatal], o Estado perde um instrumento importante para o desenvolvimento, para fazer política pública, em especial naquelas regiões do país onde bancos privados não vão”, afirmou o presidente da Fenae.

De acordo com ele, lançar as ações da Caixa no mercado significará ter que atender aos interesses dos acionistas. Isso comprometeria a atuação social do banco, que passaria a ser guiado pela busca de lucro apenas.

“Estamos sucateando e entregando para grupos financeiros bens que são de todos nós. O mercado da rentabilidade atende a quem tem dinheiro. Quem não tem, ele não atende, porque não dá lucro, é a regra (…) Eu não posso olhar política pública com esse viés, senão, qual sociedade vamos criar para as futuras gerações? ”, questionou.

Funcionário da Caixa há 28 anos, Ferreira disse que está em curso um processo para esvaziar o banco. “Eles querem que a Caixa deixe de fazer esse papel, de fazer empréstimos a longo prazo, com juros mais baratos para a sociedade e passe a entrar na regra do sistema financeiro privado”, criticou.

Desse processo de desmonte, fazem parte, por exemplo, a redução do quadro de funcionários e uma possível redução de agências. Um Plano de Demissão Voluntária anunciado pela gestão já resultou na saída de 6,7 mil funcionários, que não foram substituídos.

O próprio presidente da Caixa, Gilberto Occhi, afirmou que mais de 100 agências poderão ser fechadas. Mas, para Ferreira, a pressão popular tem impedido que o plano seja levado adiante.

Ele indica, contudo, que as operações realizadas pela Caixa têm diminuído. “Quem faz financiamento habitacional, por exemplo, estão exigindo que deem 50% de entrada, enfim, estão dificultando. O governo precisa fazer aporte, porque isso é uma política de Estado”, citou.

O presidente da Fenae destacou a atuação da Caixa na execução dos programas sociais. “Quando foi criado o cartão Bolsa Família praticamente a gente eliminou aqueles guetos que as prefeituras ou que as lideranças regionais faziam para trabalhar com a baixa renda. Com o programa Minha Casa, Minha Vida, já foram entregues 2,630 milhões casas. A Caixa executa uma política desse tamanho. De 1964 até hoje, já financiou 17 bilhões de casas", enumerou.

Ferreira mencionou ainda que há regiões do país em que já não existe financiamento privado para famílias de baixa renda e outras em que todo o crédito praticamente vem dos bancos públicos. “Em alagoas, 96% dos empréstimos feitos são por bancos públicos. Fica evidente que, se tirar os bancos públicos, isso vai empobrecer mais ainda essas regiões. Quem vai fazer um financiamento de 30 anos para uma comunidade carente? O privado não faz, porque não tem rentabilidade”, completou.

O funcionário da Caixa usou o mesmo raciocínio para falar do financiamento estudantil. “O Fies é uma grande política pública, mas que precisa de fôlego. Precisa dar ao menino e à menina tempo para que possam se formar, arrumar um emprego. A regra financista quer um retorno em cinco anos. Mas e se a pessoa não arrumou o emprego? Só empresas públicas vão financiar isso”.

Segundo ele, o governo alega que transformar a Caixa em uma S.A. tem como objetivo ampliar regras de governança. “Acreditamos que isso é uma falácia, porque a Caixa já segue tudo que é regra de governança: tem conselho fiscal, de administração, comitê de auditoria, tudo. E, além disso, estamos cansados de ver empresas que estão no mercado, que são Sociedades Anônimas, que são privadas, têm mil órgãos de controle, mas, mesmo assim, se cometem erros. Para nós, usar esse argumento é apenas disfarçar o real interesse que está por trás”, opinou, referindo-se ao desmonte do Estado, quem abre espaço para o setor privado.

Ferreira destacou ainda a importância dos bancos públicos como indutores da atividade econômica e pelo seu papel na implementação de políticas anticíclicas. Ele citou que os países que possuíam bancos públicos fortes conseguiram, por exemplo, enfrentar a crise de 2008 de forma mais eficaz.

A entrevista desta terça faz parte de uma campanha de conscientização e em defesa da Caixa, levada adiante por entidades sindicais, movimentos sociais e parlamentares. Para o presidente da Fenae, só com o envolvimento da sociedade será possível barrar os intentos do governo. Nesse sentido, ele ressaltou a importância de alertar a população em geral para os efeitos de uma eventual privatização do banco público.