Maiakovsky, o coração exposto da Revolução

Por Fernando Horta

“Nas calçadas pisadas de minha alma, passadas de loucos estalam (…)

Maiakowsky

Assim começa o poema “Eu”, composto em 1913 por um certo Vladimir Maiakovsky (1893-1930). Maiakovsky, então com 20 anos, viria a ser chamado de “o poeta da Revolução”.Mas, como todo poeta é, antes de tudo, um leitor profundo de si, Volodja[2] não seria exceção. Nascido na Georgia, Maiakovsky vinha de uma família de fidalgos, em que o salário do pai (como militar) permitia uma vida sem apertos financeiros. A situação mudou drasticamente em 1906 com a morte de seu progenitor.

“Professor,
……….jogue fora
……………..as lentes-bicicleta!
A mim cabe falar
…………….de mim
…………………..de minha era.”
(A Plenos Pulmões, Maiakovsky 1928-1930)

A partir deste momento, Maiakovsky buscou em Moscou a educação que sua região não poderia proporcionar e, ao mesmo tempo, começou a participar ativamente de discussões políticas, sendo preso algumas vezes, chegando a passar seis meses inteiros na cadeia. Maiakovsky fazia aflorar seu talento para a retórica, poesia e artes, ao mesmo tempo que conseguia sobrevivência nos bares e clubes da cidade, através de jogos de cartas ou bilhar.

Entre 1912 e 1916 sua atenção foi voltada para o movimento Futurista na Rússia. Maiakovsky junto com Burlyuk e Kruchonykh formaram a vanguarda do movimento de “estética escrita” na Rússia, que tinha como objetivos declarados a “experimentação dos sons, das palavras e dos símbolos quase como se fôssemos operários da língua”. O Futurismo russo viria rapidamente a se ligar na dialética marxista, que Maiakovsky chamava de “maior ferramenta de entendimento do mundo”.

No túmulo dos livros,
………….. versos como ossos,
se estas estrofes de aço
acaso descobrirdes,
vós as respeitareis,
……………………..como quem vê destroços
de um arsenal antigo,
…………….mas terrível.
Ei-la,
a cavalaria do sarcasmo,
minha arma favorita,
alerta para a luta.
Rimas em riste,
sofrendo o entusiasmo,
eriça
suas lanças agudas.
E todo
este exército aguerrido,
vinte anos de combates,
não batido,
eu vos dôo,
proletários do planeta,
cada folha
até a última letra.
O inimigo
da colossal
classe obreira,
é também
meu inimigo
figadal.
Anos
de servidão e de miséria
comandavam
nossa bandeira vermelha.
Nós abríamos Marx
volume após volume,
janelas
de nossa casa
abertas amplamente,
mas ainda sem ler
saberíamos o rumo!
onde combater,
de que lado,
em que frente.
(A Plenos Pulmões, Maiakovsky 1928-1930)

O tiro no peito é visível embora alguns defendam que não foi totalmente intencional. Maiakovsky, em depressão, jogava com a vida já tendo feito algumas vezes uma espécie de “roleta russa” e puxando o gatilho. Em 1930 foi o ponto final.

O poeta era, entretanto, mais um revolucionário do que um bolchevique. Politicamente, se aproximava ora dos anarquistas, ora dos mencheviques. Pulsava com a revolução. Não a Revolução Bolchevique, mas “A” revolução. A capacidade dos tempos de se contorcionarem e produzirem novos chistes de sociedade. A isto Maiakovsky dava a sua energia. Disto Maiakovsky tirava a sua.

Esta postura colocou o artista em colisão com Lênin e também com Gorky. Lênin o acusava de produzir devaneios, sem um sentido geral de ação social. Mesmo as odes de Maiakovsky soavam caóticas demais para o líder bolchevique. Gorky criticava Maiakovsky pela falta de um rigor sobre os objetos representados. O mundo de Maiakovsky era o mundo que Maiakovsky queria ter e não a realidade que ele e a Rússia viviam. Ator, produtor, cenógrafo, poeta e um outro sem número de atuações em vários campos das artes, Maiakovsky amou as mulheres de sua vida tanto quanto a ideia de Revolução.

Apesar de ter uma vida bastante atribulada com as mulheres, Maiakovsky teve em Lilya Brik o seu verdadeiro amor. A distância dela foi também um dos motivos para o suicídio.

Homem forte e com feições bonitas (apesar de sérios problemas dentários) Maiakovsky tornou-se a voz da reorganização cultural da Rússia após a revolução. Não aceitava, contudo, a ideia de usar a cultura para conformar. Para Maiakovsky, a cultura e as artes deveriam rasgar a realidade, torturá-la e deste choque prenunciar novos mundos e novas ideias. Quanto mais o sistema soviético se tornava estável e avesso aos “rasgos revolucionários”, mais Maiakovsky ia se tornando desimportante e perigoso.

Boris Pasternak (outro poeta russo) afirmou que enquanto o poeta Maiakovsky anulou o ser humano Vladimir, alimentando-se da euforia das revoluções, Maiakovsky viveu e foi feliz. Quando o mundo revolucionário não mais aceitava o poeta, o ser humano que habitava no poeta não pode resistir à realidade. Em 1930, Maiakovsky, deprimido por estar sendo preterido culturalmente, cerceado politicamente e distante de sua amada, jogava pela terceira vez com a sorte. Colocava uma bala na arma e apontava contra o peito.

(…) Você dormia, rosto preso ao travesseiro,
Dormia, a plenas pernas, a plenos tornozelos,
Penetrando de novo, de um só golpe,
No fabulário das legendas jovens.
E penetrando da maneira mais direta
Porque nele você entrava de um salto.
Teu disparo parecia um Etna
Sobre as encostas de covardes e fracos.
(Boris Pasternak, 1930 “A morte do poeta”)

Em 14 de abril de 1930, a sorte levava Maiakovksi ao suicídio. Muito antes, segundo ele, a Revolução já tinha morrido. O poeta que Maiakovsky foi recebeu de Stalin o título de “maior poeta soviético” e até 1953 a memória de Maiakovskyfoi cultuada na URSS. Após a morte de Stalin, o processo de desestalinização da URSS atingiu em cheio a memória de Maiakovsky. A vida de Volodja seguiu de perto a própria vida da Revolução, viveram um para o outro e parecem também ter morrido juntos. Maiakovsky Revolução.

(…) Vê como tudo agora emudeceu
Que tributo de estrelas a noite impôs ao céu
em horas como esta eu me ergo e converso
com os séculos, a história do universo
(Fragmentos, Maiakovsky 1928-1930)

[1] Todos os poemas de Maiakovsky aqui foram traduzidos por Haroldo de Campos, incluindo o poema de Boris Pasternak

[2] Apelido russo do nome Vladiimir (Владимир). A grafia russa é Володя