Ativista feminista relata experiência histórica de Marcha do MTST

A ativista Maria das Neves conta ao Portal CTB a sua experiência na participação da marcha histórica feira pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), da Ocupação Povo Sem Medo, em São Bernardo, no ABC Paulista, ao Palácio dos Bandeirantes, no bairro do Morumbi, em São Paulo, 23 quilômetros de caminhada.

Maria das Neves na marcha da ocupação do MTST em São Bernardo - Foto: Lucas Martins/JL

Na terça-feira (31 de outubro), mais de 10 mil pessoas saíram em uma marcha inédita das proximidades do centro de São Bernardo até a sede do governo paulista pelo direito à moradia digna.

Os sem teto ocupam um terreno de 60 mil metros quadrados há dois meses em São Bernardo e reivindicam a inclusão desse terreno no programa habitacional Minha Casa Minha Vida. Maria das Neves dormiu na ocupação e conta a sua experiência de acompanhar essa marcha histórica para o movimento social brasileiro.

Maria das Neves é ativista do movimento feminista, sendo dirigente da União Brasileira de Mulheres e da União da Juventude Socialista. Ela participa também do Circuito Universitário de Cultura e Arte da União Nacional dos Estudantes da União Nacional dos Estudantes (Cuca da UNE).

Leia a entrevista na íntegra:

Portal CTB: Tem noção da importância de estar presente num ato histórico como essa marcha promovida pelo MTST na atual conjuntura?

Maria das Neves: Foi uma experiência emocionante e desafiadora. Só consegui chegar na ocupação após o ato com Caetano Veloso, que devido à censura, não pôde cantar. Mas, quando cheguei o clima não era de desânimo, pelo contrário. Vi um povo animado, organizado e muito disciplinado. Eu queria ajudar a fazer alguma coisa, não ficar só olhando. Queria fazer parte daquela engenharia. Uma verdadeira máquina de mobilização. Quando chegaram os pães pude ajudar a montar os lanches. Eram muitos, e fizemos o serviço literalmente cantando. O tempo até passou rápido.

Tem muita solidariedade nessa hora?

Ganhei um colchão, da minha amiga Natália Szermeta, que é liderança do MTST e me acolheu com muito carinho. Ela é uma mulher que admiro muito, e sem dívida uma das maiores lideranças femininas e feministas dos movimentos sociais hoje. Para todos os lados que olhava eu via mulheres, como a Natália, cada uma com uma história mais comovente e inspiradora que a outra. 

Eles são muito organizados?

Sim. Dormimos tarde, já por volta das duas da manhã. Ao meu lado, dormia uma jovem de 17 anos, do outro uma senhora de 60, duas gerações de mulheres lutando por moradia. Às 5h, os foguetes do Batoré, uma figura fantástica do MTST, anunciavam a alvorada. E prontamente, estava todo mundo de pé, sem nenhuma reclamação ou resistência. Josué, um dos jovens líderes do MTST, logo chegou ao barracão para dividir as comissões: saúde, água, agitação, alimentação. É impressionante como conseguem organizar tanta gente de uma forma tão sistemática. E, olha que já organizei muitos atos, e quando era da UNE, realizamos o #OcupeBrasília. Mas, não se compara. São pessoas de idades diferentes, é uma diversidade muito grande para administrar. Mas, deu tudo certo. Por volta de 7h30, mais ou menos, após a plenária conduzida por Guilherme Boulos, os grupos começaram a ocupar as ruas de São Bernardo rumo ao Palácio Bandeirantes.

Onde o povo encontrou forças para uma marcha de 23 km?

Na esperança de que lutar vale a pena, no sonho de ter um teto para morar. Na faixa de um dos grupos estava escrito “Estamos apenas lutando por um lar”. Uma palavra de ordem tornou-se minha preferida: “Aqui tem um bando de loucos, loucos por moradia. Aqueles que acham que é pouco, não conhecem a noite fria.” Acho que traduz um pouco o que motiva os sem-teto: quem não compreende a luta por moradia, não conhece a noite fria. Isso é luta de classes.

Isso ajuda a melhorar a consciência política?

O MTST me parece ter conquistado uma grande elevação da consciência da sua militância. As pessoas que estão ali sabem que só a luta coletiva pode alcançar vitórias. Objetivamente, lutam por moradia, mas essa luta vai muito além. Essas pessoas, em especial as mulheres, tornam-se e descobrem-se lideranças e protagonistas da sua própria história. Muitas chegam às ocupações para livrar-se da violência doméstica. Lutam por um teto, mas também por uma nova vida.

Parece muito motivador.

Sabe. Vi mães marcharem 23 km com seus filhos no colo, vi senhoras de idade, casais de mãos dadas, vi amor pela luta e a alegria em fazer parte daquele momento histórico. Quem não se emociona, não sabe o valor que os movimentos sociais têm. O MTST está fazendo história, e uma história bonita de combatividade e resistência.

Essa marcha virou um marco. Indica um caminho de luta e resistência?

A marcha foi histórica, e demonstra que apesar das adversidades impostas pela conjuntura há um terreno fecundo para semear luta. As pessoas estão desacreditadas na política, desmotivadas, enganadas diariamente pelos meios de comunicação. Muitas seduzidas pelo fascismo e ideias conservadoras, sobretudo por medo da violência. O MTST tem liderado a Frente Povo Sem Medo, onde tenho a oportunidade de representar a UBM. E a frente tem dado respostas imediatas a agenda de retrocessos.

Aponta um caminho de resistência?

As frentes Povo Sem e Brasil Popular têm jogado papel fundamental, sendo importantes articuladoras da resistência democrática. Nossa luta é árdua e longa. Precisamos elevar nossa capacidade de conquistar o povo, criar empatia com nossas bases, para ampliar nossa capacidade de mobilização. A luta por moradia é histórica e urgente. Os ataques ao Minha Casa Minha Vida acabaram com o sonho de muitas famílias de conquistar a casa própria. O povo sabe quem são os inimigos e a quem cobrar. E não descansará enquanto não alcançar seus objetivos. É isso, só a luta muda a vida!

Ontem, foi um dia histórico. Fiquei muito emocionada. Rompi o ligamento do joelho direito em janeiro e estou aguardando para fazer a cirurgia. Não sabia se conseguiria marchar tanto, mas deu certo. Confesso que as lágrimas caíram quando a marcha que saiu de São Bernardo encontrou a marcha das outras ocupações do MTST na ponte Morumbi. A base do MTST é o extrato do Brasil, a maioria mulheres, negras e negros, mas também muitos jovens. Um povo sofrido, mas trabalhador, resistente e perseverante.                

Vale a pena lutar?

Como mulher, e feminista, fiquei feliz em poder participar, e sobretudo, aprender muito com as mulheres e homens do MTST. Saio dessa marcha revigorada. Confiante na luta coletiva e no povo brasileiro.

Isso mostra que há esperança?

Sim, há esperança. E ela está na mobilização popular. Precisamos canalizar a indicação do nosso povo, senti-la. A primavera feminista, a mobilização dos artistas, as ocupações das escolas e universidades, as marchas do MTST e das frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular e a histórica greve dos trabalhadores e trabalhadoras (dia 28 de abril de 2017), demonstram a inquietação de milhares de brasileiras e brasileiros. Não podemos perder a esperança no povo, precisamos organizá-lo, convencê-lo e conquistá-lo para a luta coletiva. O fascismo avança e com ele o ódio e a intolerância. Mas, há reações diversas e criativas. Não seremos o país do ódio. E, seguiremos em luta contra a especulação imobiliária, por moradia digna e pela retomada da democracia.

Confira imagens da Marcha do MTST: