Catalunha: sem diálogo, não há saída

A declaração de independência proclamada na passada sexta-feira, 27, por metade do parlamento catalão – com a outra metade das bancadas vazia e em parte coberta com bandeiras de Espanha – suscitou entre os nacionalistas uma onda de alegria e entusiasmo que durou 45 minutos

Por Carlos Fino *

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Pouco depois, chegava a notícia de que o Senado, em Madrid, havia anulado a declaração de independência como ilegal e decretado – como pedira o primeiro ministro espanhol Rajoy – a aplicação do artigo 155 da Constituição, destituindo o governo e o parlamento locais e marcando eleições autonómicas para 21 de Dezembro próximo.

Era o culminar de anos de um confronto larvar em que Madrid, sob a iniciativa dos conservadores do Partido Popular, conseguiu, de 2010 para cá – com recurso ao Tribunal Constitucional – não só travar o desejo de independência dos líderes catalães, como até reduzir ou eliminar algumas das prerrogativas e direitos de que já desfrutara Barcelona.

O reconhecimento explícito de que existe uma nação catalã foi anulado e algumas das prerrogativas fiscais diminuídas, ficando a Catalunha com menos poderes nesta área do que tem o País Basco.

Tudo medidas que só fizeram foi alimentar o sentimento nacionalista, que – embora com menos de 50% dos votos expressos – saiu reforçado das eleições de 2015, tendo a coligação “Juntos pelo Sim” (ERC – Esquerda Republicana da Catalunha – que sempre defendeu a independência, Partido Democrático Europeu Catalão, de Carles Puigdemont, liberal, a que se juntou a CUP – Candidatura de Unidade Popular, de extrema-esquerda) – obtido a maioria dos deputados no Parlamento regional.

Pelo meio, tivemos a tentativa de referendo sobre a independência, do passado dia 1 de Outubro, em larga medida abortada pela brutal intervenção do Estado espanhol, com fecho de assembleias, arresto de urnas e boletins de voto, detenção e perseguição judicial de líderes independentistas e, por último, a violenta repressão policial contra todos aqueles que nesse dia ousaram acorrer aos postos de votação ainda abertos para exercerem o seu direito de cidadania.

Ao longo de todo este processo, tem manifestamente faltado maleabilidade e capacidade de negociação de parte a parte.

De um lado, os herdeiros do império espanhol, em Madrid – cujas tradições centralistas são bem conhecidas – baseando-se na letra da Constituição, recusam-se a admitir qualquer hipótese de evolução no relacionamento entre o centro e a periferia que vá além das autonomias consagradas na lei desde a morte de Franco e o regresso à democracia, em 1975: “A Espanha é uma e não se discute”.

Do outro, os que há muito aspiram à independência em Barcelona – ao longo de séculos várias vezes declarada e sempre esmagada – precisavam de um gesto idêntico de proclamação de soberania para se ressarcir de um passado ingrato, injectar sangue novo nessa esperança secular e mostrar urbi et orbe que a nação catalã existe, está viva e recomenda-se, não tendo abdicado do seu velho sonho.

Foram estes dois irredentismos que conduziram à situação actual, plena de riscos se não houver cabeça fria.

E agora?

Insistir na independência a todo o custo, sem o apoio de uma maioria clara e livremente expressa, não só não se sustenta como pode ser até uma aventura perigosa, em última análise prejudicial à causa nacional. Por outro lado, impedir que as pessoas votem nessa questão central – ser ou não ser independente – também não faz sentido. Afinal, o direito dos povos à autodeterminação está consagrado nos grandes textos do direito internacional, incluindo os Tratados da União Europeia.

Entretanto, apesar dos perigos evidentes decorrentes da situação a que se chegou, incluindo a guerra das manifestações pró e contra que ainda se pode travar nas ruas, dois factores permitem ter alguma esperança num desfecho de alguma forma satisfatório para ambas as partes.

Madrid interveio, como a lei lhe permite, mas por enquanto não ultrapassou ainda um certo limite: o presidente catalão não foi preso (tendo sido até afirmado que poderá apresentar-se ao próximo ato eleitoral) e, de uma forma geral, apesar do choque da intervenção espanhola, a vida institucional parece prosseguir, para já, com alguma normalidade. Por outro lado, o facto de as eleições terem sido marcadas para Dezembro, mostra que a Espanha não tem apetite para uma crise prolongada.

Assim sendo, tudo se centra, felizmente, de novo nas urnas: Madrid não é Moscovo e os tanques não rolarão em Barcelona como rolaram em Praga, em 1968.

A amarga ironia é que o governo espanhol acabou por transformar as próximas eleições autonómicas no referendo sobre a independência que tão ineptamente tentou evitar.

Para já, as sondagens mostram os nacionalistas em perda – teriam, se as eleições fossem hoje, 42,5% dos votos – 65 deputados em 135, três menos que atualmente. Mas tudo ainda pode mudar no decorrer da campanha, dependendo, também, da forma como tudo se passar até lá.

De qualquer maneira, uma coisa é certa – seja qual for o resultado, a questão nacional não irá desaparecer. Como, na senda de Benedict Anderson, ensinam os estudiosos destas questões, a globalização não elimina essas “comunidades imaginadas”, pelo contrário, como temos visto um pouco por todo o lado, a globalização pode até fortalecer as identidades locais.

Por isso, a melhor solução será a de abrir espaço para o diálogo, admitindo, como já o fizeram os socialistas espanhóis, uma revisão constitucional para acomodar a livre manifestação das nações que integram a Espanha. Não é sequer de excluir um redesenho do Estado espanhol em termos federais. O reconhecimento das identidades nacionais seria o preço a pagar pela manutenção da unidade.

Na Catalunha, como noutras regiões, sem diálogo não há saída.