E a política, senhores?

A crise que nos trouxe conceitos como austeridade e palavras mágicas ou malditas como solução serviu como desculpa para muitos políticos deixarem de fazer aquilo que foram eleitos para fazer. Se tudo é “inevitável” e decidido por outros, eu deixo de ser responsável. Só que não é verdade.

Por Sofia Lorena *

Rajoy e Puigdemont

Ao longo de todos esses anos, os políticos continuam fazendo escolhas, ou seja, política; deixaram, porém, de assumir a responsabilidade dessas opções.

Dando um zoom na situação entre a Espanha e a Catalunha, a droga da crise, que tudo justificava, juntou-se com uma dose extra de inculpabilidade chamada independentismo. Nos últimos anos, Barcelona pediu insistentemente a Madrid para fazer política, um apelo que se tornou desesperado nas últimas semanas. O objetivo, nas palavras do correspondente do New York Times, Raphel Minder, seria “compromise”, termo diferente de compromisso, que implica ceder para chegar a um consenso e pode ser traduzido como “acordo mútuo”.

Mariano Rajoy e companhia se defendem com a “legalidade”, como se esse fosse o único sinônimo de democracia. A Constituição é apresentada com o peso de um livro sagrado, como se a lei fosse intocável e existisse para que a servíssemos, e não devesse, pelo contrário, evoluir, adaptando-se às circunstâncias para melhor servir determinada população.

Isso leva uma parte considerável dos catalães ao desespero. Em nome da lei, por exemplo, pode haver centenas de pessoas feridas a cassetadas para depois a atuação da polícia ser descrita como “exemplar” pelo Governo e pelo rei por se exercer no cumprimento de um mandado judicial (a politização da Justiça na Espanha é um outro tema).

Só que aqui não há santos. Do outro lado, os políticos também usaram o independentismo para abdicar de fazer política e justificar medidas mais impopulares. Missão cumprida. De repente, já poucos se lembram como os Mossos d’Esquadra desfaziam por meio de cassetadas manifestações de Indignados (Movimento 15-M). De repente, deixou de haver manifestações que não se façam em nome do independentismo ou contra este.

Quem olha para os novos independentistas catalães com pena, considerando que foram manipulados por políticos com sede de poder, não está vendo a situação toda. A força do independentismo veio de fato da rua e cresce em paralelo com o 15-M, consequência, como este último, de um descrédito das instituições e de uma democracia que é cada vez mais percebida como indireta, longínqua e insensível aos problemas das pessoas.

Grave é que quando o poder pegou no independentismo, pela mão do ex-líder da Generalitat, Artur Mas, o fez tanto para responder ao apelo da rua como também para se desculpar de tuda a sua política. Em Setembro de 2012, quando 1,5 milhões marcharam em Barcelona para pedir a independência, Artus Mas já tinha aplicado mais medidas de austeridade do que Rajoy em Madrid. De repente, ninguém mais lembra disso e Madrid passou a levar a culpa de tudo.

De repente, um partido como a antiga Convergência (actual Partido Europeu Democrata Catalão), de uma direita da austeridade, está no poder em coligação com a Esquerda Republica da Catalunha, uma união contranatura só tornada possível pelo objetivo comum de referendar a independência.

A verdade é que Rajoy ofereceu todas as desculpas que Artur Mas ou Carles Puigdemont poderiam ter sonhado para tornar a independência no tema único do debate catalão. Recusando-se, assim, a discutir uma questão que pode ter apenas uma solução política. Entretanto, a lei e a Constituição são usadas para fingir que se pode solucionar pela força algo que só uma negociação um dia poderá começar a resolver. Pode ser eleitoralismo, mas é estúpido e é perigoso.