Lei Maria da Penha: Alteração ataca combate à violência contra mulher

Mudanças na Lei Maria da Penha são um retrocesso ao acesso das mulheres aos seus direitos e à justiça tanto em sua essência quanto na prática. O Projeto de Lei com as modificações – que aparentam trazer celeridade aos processos de violência contra a mulher – já foi aprovado no Senado e agora aguarda sanção de Michel Temer. 

Por Verônica Lugarini*

Mulheres - Agência Brasil

No dia 10 de outubro, o Senado aprovou o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 07/2016 que transfere do juiz para o delegado de polícia o poder de conceder medidas protetivas às mulheres, como a proibição de aproximação do agressor da vítima, de seus familiares e das testemunhas como forma de preservar a integridade física e psicológica da agredida. Hoje, essas medidas são tomadas exclusivamente por um juiz.

A justificativa do deputado Sergio Vidigal (PDT-ES), autor da proposta, para tais alterações é de que a transferência de poder aceleraria a apreciação dos pedidos para garantir segurança e melhorias no sistema de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.

Apesar do argumento parecer positivo por trazer celeridade aos processos, ele possui inúmeros entraves e consequências, incluindo uma possível prerrogativa do poder judiciário de futuramente declarar a lei inconstitucional, conforme explicou Mariana Venturini, vice-presidenta nacional da União Brasileira de Mulheres (UBM) em entrevista ao Portal Vermelho.

“Com a alteração da Lei Maria da Penha, a mulher não terá um respaldo protetivo. Afinal, é o juiz quem pode decidir se a mulher será acolhida em um abrigo ou então, se ela terá algum acompanhamento psicológico por ter sofrido violência sexual, por exemplo… Por outro lado, o delegado também pode não informar às mulheres sobre esses direitos garantidos por lei”.

Para além disso, Mariana destacou que as mudanças podem funcionar como desestimulantes, levando a uma diminuição das denúncias por saberem que sofrerão violência institucional, pois as delegacias especializadas em violência contra a mulher ficam abertas só em horário comercial de segunda à sexta, enquanto, em sua grande maioria, os episódios de violência acontecem fora do horário comercial, quando o marido e mulher estão em casa e juntos.

A exceção dessa regra, é apenas uma unidade, a 1ª Delegacia da Mulher no centro de São Paulo que atende 24 horas, localizada na capital do estado de São Paulo.

Com iss, por conta do horário de funcionamento, não é possível atender à demanda e as mulheres postergam forçadamente a denúncia para o outro dia  quando muitas vezes os ânimos do companheiro já se acalmaram e as vítimas desistem da denúncia.

Além disso, as mulheres se sentem acuadas de fazerem a denúncia em uma delegacia comum por conta de um pensamento machista em agentes da lei que acabam as tratando as mulheres que são vítimas como culpadas. 

Ainda de acordo com a vice-presidenta da UBM, não é necessária uma mudança na Lei Maria da Penha, mas é preciso apenas que ela seja aplicada em sua integralidade, o que não vai de encontro com os cortes do orçamentário que o governo Temer vem realizando, principalmente em setores que defendem o direito das mulheres, negros e LGBTs.

Inconstitucionalidade

Mariana também explicou que, para além desses pontos, existem dois fatores que trazem caráter de inconstitucionalidade às alterações da Lei Maria da Penha. O primeiro é a impossibilidade de defesa do homem acusado diante de um juiz, independentemente se ele for culpado ou não, todo indivíduo tem o direito de defesa, pois com as mudanças, a sentença dada pelo próprio delegado sem uma análise e julgamento prévio da justiça e o outro, o impossibilidade de se tranferir o poder Judiciário para um delegado da Polícia Civil.

“Com a mudança, você rompe com a ideia de autonomia dos poderes, pois não se pode transferir a prerrogativa de um poder para outro e não se pode negar o direito de defesa do suposto agressor porque isso é inconstitucional. Para resumir, essa mudança da Lei é um tiro no Estado democrático de direito”, finalizou Mariana Venturini.

Resistência

Não foi apenas o movimento feminista que saiu em defesa da Lei Maria da Penha, a própria a farmacêutica Maria da Penha, que dá nome à lei que pune violência doméstica e familiar, criticou o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 07/2016 e defendeu o veto presidencial da medida que foi aprovada pelo Senado na semana passada.

Para Maria da Penha, as alterações propostas pelo deputado Sergio Vidigal (PDT-ES) podem ter sua constitucionalidade questionada e provocar um retrocesso no combate à violência contra a mulher.

“Mudanças casuísticas na Lei Maria da Penha colocam em risco uma proposta que foi construída com o acúmulo das lutas dos movimentos de mulheres há mais de 40 anos e com minha própria história de vida. Por isso, eu peço, senhor Presidente Michel Temer, não sancione o PLC 07/2016”, afirmou a ativista, em nota.

Ela também sugeriu que “sejam destinados mais recursos orçamentários para as políticas de enfrentamento à violência doméstica e familiar, que profissionais do sistema de Justiça sejam capacitados, que as medidas protetivas sejam garantidas sem entraves burocráticos e efetivadas políticas de prevenção e assistência especialmente às mulheres negras e pobres e àquelas que se encontram em situação de maior vulnerabilidade social”.

Antes mesmo da aprovação da proposta no dia 10, várias instituições manifestaram-se contra, entre as quais o Grupo Nacional de Direitos Humanos e a Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União; a Comissão Especial para Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher do Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais, bem como as organizações que elaboraram o anteprojeto de lei Maria da Penha (Cepia, Cfemea, Cladem e Themis) e outros grupos feministas, de mulheres e de defesa dos direitos humanos.