Trabalhadores: Privatizar saneamento é ir na contramão mundial

Trabalhadores e trabalhadoras do Sistema de Água, Esgoto e Meio Ambiente têm travado uma batalha contra a privatização do setor em diversos estados. São Paulo e Rio de Janeiro são exemplos dessa luta.

Por Cinthia Ribas para o Portal CTB

Protesto contra privatização da Cedae-RJ - Reprodução do Portal CTB

No Rio de Janeiro, o Sindicato dos Trabalhadores em Saneamento Básico e Meio Ambiente do Rio de Janeiro (Sintsama-RJ), que representa 5 mil trabalhadores e trabalhadoras do sistema, tem promovido diversas ações (judiciais e de mobilização) contra a entrega da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) à iniciativa privada.

Em defesa da Cedae

O próximo ato está marcado para o dia 23 de outubro, às 10h30, em frente ao prédio do Tribunal Regional do Trabalho (TRT). “Vamos ao TRT defender nossa empresa contra os privatistas. Neste dia haverá uma audiência, onde a juíza que que concedeu a liminar contra a venda da Cedae vai apreciar o processo de privatização”, afirmou Humberto Lemos, presidente do Sintsama-RJ e secretário de Assuntos Socioeconômicos da CTB.

A última foi uma greve de 24 horas no sistema no dia 3 de outubro, que culminou com uma grande manifestação que tomou as ruas da cidade em defesa de uma empresa pública e de qualidade.

Lemos avisa que a categoria está alerta e intensificará a resistência contra o processo de privatização do sistema. “Não deixaremos que levem nossa empresa e isso serve também para as outras estatais", diz Lemos.

O Sindicato inclusive já moveu diversas ações judiciais questionando a iniciativa de entrega da empresa à iniciativa privada. “Já entramos com uma ação popular para questionar o valor arbitrado para Cedae; e outra também no STF solicitando uma perícia técnica. No entanto, até hoje não apresentaram nem uma estimativa. E agora que querem contratar a FGV sem licitação. Não podemos aceitar”, frisou o presidente do sindicato.

O dirigente também chama atenção para o fato de que a privatização das estatais estratégicas para o país prejudica sobretudo os mais pobres. "É um crime de lesa pátria. Nenhuma nação se desenvolve abrindo mão da soberania da sua riqueza e de suas estatais. As consequências das privatizações para o povo são o aumento de tarifas e precarização na prestação dos serviços à população”, avaliou Lemos.

Modernização do termo

Em São Paulo, em setembro deste ano, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou a criação de uma nova empresa que irá administrar a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). A iniciativa é vista por especialistas como uma privatização da estatal paulista.

É o que aponta Rene Vicente Santos, presidente da CTB-SP e do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo (Sintaema). "É uma privatização amenizada e disfarçada, com cara de holding, de empresa moderna, que vai gerir os interesses da população em relação ao saneamento", alerta.

A justificativa dada pelo Governo do Estado é de que a criação da holding traria mais investimentos para a Sabesp, que não tem conseguido suprir a demanda sozinha. Em 2016, o lucro da Sabesp foi de R$ 2,9 bilhões. O menor período de lucro da empresa foi em 2015, ano da crise hídrica. Ainda assim, a empresa conseguiu lucrar R$ 536 milhões.

Agora com a criação da holding, a Sabesp repassará seus ativos a uma companhia que detém as ações majoritárias de outras empresas e que se encarregará de buscar no mercado investimentos da iniciativa privada.

Rene avalia que não interessa mais ao capital privado o modelo clássico de privatizações, no qual o Estado entrega o controle total da estatal ao mercado. O sindicalista acredita que o governo Alckmin (PSDB) deverá se manter como um agente responsável por fazer investimentos na companhia.

Mais lucro para iniciativa privada

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgou no mês de setembro um estudo no qual sistematiza dados do saneamento básico no país.

A pesquisa aponta uma estratégia do governo de inserção da iniciativa privada no setor, seja por meio da constituição de Parcerias Público-Privadas (PPPs) ou mesmo de tentativas de privatização de empresas estatais.
Para José Silvestre, coordenador técnico do Dieese à frente da pesquisa, a política de ajuste fiscal do governo federal tende a reduzir a disponibilidade de recursos para os investimentos, o que facilitaria a ampliação da participação privada.

"O governo está sinalizando que virá um processo de privatização do setor de saneamento. Como se dará, isso ainda não está claro. Mas dada a conjuntura e a circunstância do ajuste fiscal, isso afetará ainda mais o processo de ampliação da cobertura de áreas que não estejam servidas seja por água potável, seja pelo serviço de esgotamento sanitário de maneira geral", disse o técnico. Ou seja, a população mais carente, será a mais prejudicada.

Na contramão do avanço

Rene Santos lembra que as privatizações das empresas de saneamento vão na contramão da realidade de outras cidades do mundo, como Berlim, Paris e Buenos Aires, que estão retomando para o estado as empresas do setor que haviam sido privatizadas.

"A iniciativa privada tomou conta do saneamento. Ela usou a estrutura que tinha, não investiu como deveria, aumentou exponencialmente o valor da tarifa de água e, do outro lado, gerou uma deterioração do serviço prestado", ressalta.

O estudo aponta que Berlin, Buenos Aires, Budapeste, La Paz, Maputo e Paris são exemplos de cidades que passaram o controle novamente à iniciativa pública. De acordo com um estudo realizado por organizações europeias, desde os anos 2000, 267 locais reverteram o processo de privatização de sistemas de água e esgoto. A França por exemplo reestatizou o sistema da cidade de Paris e mais 106 municípios, onde o saneamento era privado. O caso comprova que o saneamento tem que ser feito pelo Estado.

José Faggian, vice-presidente do Sintaema, alerta que com a privatização haverá queda de qualidade do serviço e aumento da tarifa. “O empresário não vai querer saber da qualidade da água”, afirma ao completar. “Se a empresa não lucrasse, não haveria tanto interesse de companhias privadas. Embora a Sabesp seja uma empresa que dê lucro, o principal objetivo dela não é lucrar, é levar saneamento de qualidade para a população e cuidar da saúde. No entanto, como uma empresa privada, isso vai desaparecer”.