Juca Ferreira divulga manifesto mineiro contra censura às artes

“Minas tem tradição de civilidade e intimidade com as práticas culturais. Por isso, percebeu rápido a estratégia traiçoeira desses políticos inescrupulosos, fundamentalistas religiosos e de grupos reacionários em busca de palanque para suas ideias obscurantistas”, escreveu nesta terça-feira (10) o ex-ministro da Cultura nos governos Lula e Dilma, Juca Ferreira. Ele participou de um ato na segunda-feira (9) em Belo Horizonte contra a censura às artes.

Juca Ferreira - Jornal O Povo

A declaração do ex-ministro, atual secretário de cultura de Belo Horizonte, critica os episódios de censura à exposições de arte que tem ocorrido no Brasil e chegou até Minas Gerais.

A exposição “Faça Você Mesmo Sua Capela Sistina”, com obras de Pedro Moraleida, foi alvo do vereador Jair de Gregório (PP) que liderou um grupo de evangélicos contra a exposição com críticas nas redes sociais. Inaugurada em 1º de setembro a exposição, que está no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, recebeu em pouco mais de um mês seis mil pessoas.

De acordo com Juca, “a manifestação de ontem (segunda, dia 9) foi só o primeiro recado. Desse episódio, a partir do manifesto que reproduzo abaixo, está nascendo um movimento democrático para enfrentar a onda reacionária que está atacando em todo o país”.

A manifestação foi realizada em frente ao Palácio das Artes reunindo artistas, produtores culturais, jornalistas, intelectuais, fazedores de cultura e políticos. No post de Juca ele mencionou a reação do prefeito Alexandre Kalil ao visitar a exposição. O prefeito teria dito: “ Não acredito que nenhum homem do Século 21 se choque, de verdade, com o que viu aqui. E nem se fosse mais chocante do que é, porque não é, aqui é o lugar disso”.

Juca complementou: “o prefeito, certamente, expressou a opinião da maioria dos belo-horizontinos e mineiros”. De acordo com o ex-ministro, “Minas será o primeiro Estado a derrotar “os reacionários”.

Confira abaixo o manifesto que foi lido no ato contra a censura às artes:

CENSURA, NUNCA MAIS!

A liberdade de expressão está em risco. E com ela a democracia. A ameaça fascista que varre o país, em seguidos episódios de censura e intolerância, chega a Minas Gerais patrocinada por políticos, religiosos fundamentalistas e grupos assumidamente reacionários.

Com o território fértil para suas manifestações histéricas, em meio à crise política e econômica, a onda obscurantista condena exposições, peças de teatro e outras manifestações artísticas. Impõem um “cale-se” inaceitável sobre a liberdade de criação.

Ao mesmo tempo, o pensamento crítico está sendo expulso da imprensa hegemônica, para dar lugar à manipulação das informações, como elemento de sustentação do golpe contra os direitos populares e o estado social. A arte de informar é vítima da censura operada pela mentira.

As duas estratégias parecem seguir o mesmo propósito. Calar a arte, amortecendo seu papel crítico e de denúncia, em nome de valores particulares e dogmáticos; calar a imprensa, partidarizando a cobertura, reduzindo seu potencial crítico e impondo uma pauta igualmente moralista.

Em comum, a tradução de um projeto político conservador em estratégia simbólica autoritária. Historicamente, a censura e a mentira preparam o terreno para o fascismo.

Noções equivocadas de política, sexo e religião estão presentes na forma como a censura vem ameaçando as artes e o pensamento. Em cada um desses campos, se realiza um método de extermínio da liberdade de expressão.

Há um evidente projeto de despolitizar a cidadania, num contexto de fragilidade dos poderes da República. Um Executivo sem legitimidade, instituído pelo golpe e cassação da vontade popular, impondo uma escalada de retirada de direitos e entrega dos interesses nacionais. Um Legislativo que bateu no fundo do poço da venalidade, afogado no vômito da própria ambição, e que hoje volta às costas ao país para cuidar de sua sobrevivência. Um Judiciário que barganha o ideal de justiça por vingança de classe, deixando de ser árbitro para legitimar o arbítrio. Neste cenário político degradado, ganham o protagonismo os representantes do atraso, que patrocinam ações com interesses eleitoreiros e obscurantistas.

O sexo como expressão de vitalidade indomável e da renovação, se torna inimigo poderoso, por suas energias libertadoras e por não se deixar aprisionar em dogmas e tabus, que alimentam a estreiteza intelectual do conservadorismo. Não é um acaso que as manifestações de censura se voltem para a repressão da sexualidade e da diversidade de formas de vivenciar o prazer. Uma sociedade menos desejante é mais facilmente dominada e conduzida. A arte é uma trincheira contra essa operação castradora e contra o recalque da alegria e da transgressão.

Já a religião, sobretudo as evangélicas fundamentalistas e católicas conservadoras, tem servido como inspiração ou parceira de políticos oportunistas e grupos ideológicos reacionários. Em nome de uma concepção anti-iluminista e dogmática, atacam o estado laico, se aventuram em projetos educacionais que anulam a liberdade do professor e menosprezam a autonomia do educando, conquistam espaço no sistema público de educação, com as bênçãos do STF.

Em resumo, a censura é politicamente fascista, sexualmente repressora e religiosamente autoritária.

As obras de Pedro Moraleida e de Marta Neves, Desali e Rodolpho Lamonier, que compõem o painel Arteminas, são expressões que reafirmam o desejo de liberdade. Um desafio à inteligência e uma provocação à ação política. Precisamos ser mais atentos, estamos devendo muito às exigências de emancipação.

A mostra em cartaz nas galerias do Palácio das Artes traz ligada à palavra arte o nome de Minas, o que é mais um compromisso com a trajetória de luta do povo do estado, que não se curvará à censura. Precisamos estar à altura de nossos artistas.

Faça você mesmo sua capela Sistina. Façamos todos nós, corajosamente, a história de nosso tempo.

Por uma arte absolutamente livre, nua, incômoda e rebelde como a vida.

Censura, nunca mais.

Belo Horizonte, 9 de outubro de 2017