Crivella veta no Rio a exposição Queermuseu

Prefeito barra negociações do Museu de Arte do Rio para trazer a mostra à cidade. Instituição cede, mas defende “liberdade de expressão e de manifestações artísticas”

queermuseu - Tadeu Vilani

O prefeito do Rio, Marcelo Crivella, prometeu neste domingo que não iria permitir a chegada da Queermuseu – cartografias da diferença na arte brasileira à cidade, e cumpriu. O Museu de Arte do Rio (MAR), que procurava um acordo com o curador da mostra, censurada em Porto Alegre após uma onda de ataques conservadores, encerrou as negociações para trazer a exposição aos cariocas.

Num vídeo publicado nas redes sociais, o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, questiona cinco pessoas se querem uma “exposição de pedofilia e zoofilia”. Todas, obviamente, respondem negativamente. Em tom de deboche, Crivella disse: “Saiu no jornal que vai ser no MAR. Só se for no fundo do mar”. Após o anúncio, segundo o jornal O Globo, o prefeito encomendou à secretária de Cultura, Nilcemar Nogueira, neta de Cartola, que estudasse como impedir a exposição. "A população do Rio de Janeiro não tem o menor interesse em exposições que promovam zoofilia e pedofilia", disse Crivella em declarações recolhidas pelo jornal. Questionado como a Prefeitura teria poder de vetar a mostra, ele respondeu: “O povo do Rio de Janeiro tem”.

A exposição, promovida e, depois, suspendida, pelo Santander Cultural de Porto Alegre, em 10 de setembro, gerou uma avalanche de protestos após ser acusada de incentivar a pedofilia, zoofilia e o desrespeito de símbolos religiosos. Apesar da polêmica, o Ministério Público Federal concluiu que não havia qualquer indício de apologia à pedofilia nas obras, e recomendou a reabertura da mostra. Seu encerramento, argumentou o MPF, prejudicaria a liberdade de expressão artística. Mas o banco, ameaçado de boicote pelos militantes conservadores, liderados pelo MBL, contrariou a recomendação.

Nesta terça-feira o conselho do museu, embora defensor dos “princípios da liberdade de expressão e das manifestações artísticas”, cedeu aos desejos de Crivella. “Diante do exposto, lamentamos o modo como este debate tem sido inflamado por intensas polêmicas, que levaram a Prefeitura do Rio de Janeiro, por ser este um museu de sua rede municipal de equipamentos culturais, a solicitar a não realização de Queermuseu”, disse a nota do museu. O MAR era favorável à realização da exposição atendendo “a cuidados éticos e jurídicos” definidos por lei e estabelecendo para isso uma classificação indicativa de idade, sinalização com orientações sobre o teor das obras expostas e permanente mediação junto ao visitante.

O MAR é um equipamento cultural municipal, mas funciona em parceria com a iniciativa privada. O empreendimento é um projeto da Fundação Roberto Marinho, do Grupo Globo, e é gerido por uma Organização Social, o Instituto Odeon. Seu principal patrocinador hoje é a Prefeitura. O Conselho conta com nove membros, dos quais apenas dois são representantes municipais: a secretária municipal de Cultura, Nilcemar Nogueira, e o subsecretário de Cultura e presidente da Fundação Cidade das Artes, André Marini. Conforme a Secretaria de Cultura divulgou na segunda, o que seria discutido na reunião do conselho seriam aspectos técnicos, financeiros e jurídicos de se trazer a exposição à cidade: “Diante dos episódios motivados por discursos de ódio e atos de violência, como os que ocorreram no último fim de semana [em referência às agressões na porta do MAM-SP], a segurança apresentou-se como fator prioritário nesta discussão”. Nesta terça-feira, no entanto, o tom foi outro. A Secretaria esclareceu que o do museu “não é um conselho deliberativo e, como tal, não possui poder de veto ante decisões do Executivo Municipal, que já se posicionou claramente pela não realização de Queermuseu”.

Surfar na onda conservadora

Com seu veto e o vídeo em tom de chacota, Crivella mostra que não quer deixar o MBL sozinho capitalizar a onda conservadora que achou eco ao promover o boicote de exposições culturais, acusando-as de ter objetivos doutrinadores obscuros ligados à esquerda. Afinal, os valores religiosos e da família brasileira que os críticos das mostras alegam defender são a base da pregação política de Crivella junto a seu eleitorado de base evangélica. Não está sozinho na disputa do filão. O vídeo do ex-bispo veio na sequência do gravado pelo prefeito de São Paulo, o tucano João Doria, no qual critica a Queermuseu assim como a performance com um homem nu exibida no Museu de Arte Moderno de São Paulo. As mostras, segundo Dória, “afrontam o direito, a liberdade e, obviamente, a responsabilidade”.

Nesta segunda-feira, 70 curadores, diretores de museu e diretores de centros culturais de todo o Brasil, assinaram uma carta aberta demonstrando “o mais absoluto repúdio pelas ações orquestradas contra espaços institucionais de arte, assim como a toda e qualquer tentativa de cercear, constranger, desqualificar ou proibir as legítimas atividades artísticas que se desenvolvem no Brasil, construídas responsavelmente pelas instituições culturais”.

A carta afirma que “são notoriamente falsas as alegações de incitação à pedofilia e de apologia ao sexo nas obras ou nas exposições que têm sido objeto dessas ações”. “Limitar e impedir artistas, curadores e instituições é uma clara política de retrocesso face ao processo histórico que implantou um estado democrático de direito no Brasil”.