Davidson Magalhães: Petrobras, uma história de sucesso

Esta semana, comemoramos uma grande data da história do Brasil. O momento em que tivemos a audácia de sonhar alto e transformar nosso sonho em realidade. Bravos compatriotas perceberam que nosso país não seria verdadeiramente independente sem um pilar sólido em sua soberania. Tiveram então a iniciativa de mobilizar multidões para fundar, há 64 anos, em 03 de outubro de 1953, a empresa que desde então nos orgulha e nos engrandece, a Petróleo Brasileiro S.A., a Petrobras.

petrobras - Reprodução da Internet

Na década de cinquenta do século passado, as economias dos diversos países enfrentavam um desafio: só teriam possibilidade de movimentar suas máquinas, equipamentos e veículos, se tivessem acesso garantido a um produto que já era então indispensável, o petróleo. A rigor, desde o final do século XIX, esse produto vinha modelando a base técnica do mundo moderno, criando uma espécie de civilização do petróleo, com todas as vantagens e problemas que isto implicava. Vivia-se a idade do petróleo.

Surgia então uma questão: ou os países resolviam esse problema ou suas economias estavam fadadas à dependência de fornecedores estrangeiros, e assim teriam um desenvolvimento dependente.

Era um período crucial. Sete grandes empresas dominavam o mundo do petróleo, controlando a produção, o transporte, o refino, a distribuição e até a revenda dos derivados.

Quando, após a II guerra Mundial, o empresário italiano Enrico Mattei tomou medidas para fortalecer a estatal italiana de petróleo, a ENI, Ente Nazionali Idrocarburi, constatou, revoltado, as pressões gigantescas e sabotagens que sofria daquelas sete grandes empresas. Partiu para a ofensiva: denunciou o fato, mostrou que as sete empresas formavam um poderoso cartel e estigmatizou-as, chamando-as de “as sete irmãs”. Eram elas a Exxon, a Chevron, a Mobil, a Gulf Oil, a Texaco, a Shell e a BP, cinco americanas e duas europeias. Controlando o negócio do petróleo, essas “sete irmãs” imperaram no mundo, com métodos muitas vezes espúrios, até a década de sessenta do século passado.

Países menos desenvolvidos, e mesmo alguns desenvolvidos, mas sem força na área petrolífera, perceberam que para enfrentar as “sete irmãs”, só tinham um jeito, apelar para a formação de empresas estatais. E é assim que surge a primeira estatal do petróleo da América, aqui na nossa vizinha Argentina, em 1922, a Yacimientos Petrolíferos Fiscales, a YPF. Depois aparecem, em 1936, a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos, YPFB e, em 1938, a Petróleos Mexicanos, a PEMEX. Estatais também surgiram na Rússia e na China, a partir das revoluções de 1917 e 1949 nesses países.

Foi nesse mesmo movimento que se criou no Brasil, em 1953, a empresa cuja fundação ora comemoramos, a Petrobras.

A criação da Petrobras não foi um ato simples de governo, mas decorrência de um dos maiores movimentos de massa havidos no Brasil. Uma entidade chamada Centro de Estudos e Defesa do Petróleo foi formada em 1948. Dela participavam militares de linha nacionalista, estudantes, intelectuais e profissionais liberais. Um de seus dirigentes foi o general Felicíssimo Cardoso, alcunhado de “o general do petróleo”, e que se auto definia como “general e comunista”. Com o lema “o petróleo é nosso”, essa entidade desencadeou uma campanha que galvanizou o Brasil, levou o Parlamento a aprovar e o presidente Getúlio Vargas a sancionar a famosa lei 2004/1953, que criava a Petrobras para exercer, em nome da União, o monopólio de exploração, produção, transporte e refino de petróleo no Brasil.

O enfrentamento das “sete irmãs” passa por uma viragem quando começam a aparecer estatais nos grandes produtores de petróleo do mundo, os países do Oriente Médio e quando, em 1960, surge a Organização dos Países Exportadores do Petróleo, a OPEP. Pelo final da década de 1980, a situação geral já era bem diferente e as “sete irmãs” já não controlavam grandes reservas. Hoje, em função de fusões e incorporações, as “sete irmãs” se transformaram em quatro, a ExxonMobil, a ChevronTexaco, a Shell e a Britsh Petroleum, BP. E há um certo consenso de que as novas sete maiores petroleiras do mundo, são a SaudiAramco, da Arábia Saudita; a Gazpron, da Rússia; a CNPC, da China; a NIOC, do Iran; a PDVSA, da Venezuela; a Petrobras, do Brasil; e a Petronas, da Malásia, todas estatais. Essas novas sete maiores petroleiras controlam aproximadamente 40% das reservas do mundo, enquanto as antigas “sete-irmãs”, hoje quatro, estão com cerca de 3% dessas reservas.

Nesse quadro de grandes transformações, uma das petroleiras que mais se desenvolveram no mundo foi justamente a nossa Petrobras. Mas, da mesma maneira que sua criação foi resultado de luta, sua manutenção como estatal e seu desenvolvimento não foram tranquilos. Em diversos momentos planos foram urdidos para que ela deixasse de ser estatal e fosse privatizada. Em 1958, o próprio John Foster Dulles, Secretário de Estado dos Estados Unidos, esteve querendo discutir no Brasil o futuro da Petrobras. O então Ministro da Guerra do Brasil, o general Lott, chamou a imprensa, e cunhou sua famosa frase “A Petrobras é intocável”. As conversas de Foster Dulles foram suspensas.

Mas, nos primeiros dois decênios de vida, a Petrobras não chegou a jazidas importantes de petróleo. Em 1968 chegou ao mar, no campo de Guaricema, em Sergipe, de pequenas proporções. Como o petróleo, naquele período, estava extremamente barato, a própria Petrobras o importava para refiná-lo e abastecer o mercado. Sucedem então, os dois grandes “choques do petróleo”, o de 1973 e o de 1979, ao cabo do que o preço do petróleo salta de US$3 para US$32 o barril.

O mundo todo estremeceu com esses dois choques. As diversas petroleiras e os diversos países saíram à procura de novas reservas, ainda que mais difíceis e mais custosas, mas que compensavam face aos preços elevados do óleo. Foi nessa base que foram descobertos grandes mananciais de petróleo no Golfo do México, no Leste europeu e, sobretudo no Mar do Norte.
O Brasil, na época, importava aproximadamente 80% do petróleo que consumia e teve que tomar providências drásticas para enfrentar o grave problema criado. Buscou criar uma alternativa à gasolina e implantou o Programa do Proálcool, que hoje produz o etanol que se consome no Brasil.

Assim, faço uma digressão, para homenagear o engenheiro baiano José Walter Bautista Vidal, pioneiro na tecnologia do biocombustível entre nós, defensor da Petrobras e um dos principais criadores do Programa do Proálcool.

Na conjuntura de preços elevados, que se seguiu ao primeiro “choque”, a Petrobras passou a investir na exploração na bacia de Campos e chegou, em 1974, a Garoupa, primeiro campo descoberto na bacia de Campos, em águas rasas. Continuando no caminho do mar, chegou, em águas profundas, nas grandes descobertas de Albacora, Marlim, Barracuda e Roncador, e terminou, no início do século XXI, chegando a águas ultra profundas, em Jubarte e Cachalote, no Parque das Baleias.

O Brasil estava com uma reserva provada de 14 bilhões de barris de petróleo quando, entre 2006/2007 foi descoberta uma acumulação extraordinariamente grande de petróleo, no horizonte do pré-sal das bacias de Santos e Campos. Estima-se que essas reservas podem estar entre 50 e 80 bilhões barris de petróleo, o que mudava o posicionamento do Brasil no mundo. A mudança era tão expressiva que, em abril de 2008, cinco meses após a descoberta do pré-sal, os EUA anunciaram a reativação da sua 4ª Frota, há 67 anos desativada.

É de justiça creditar-se ao governo Lula a clarividência que teve em definir a partilha da produção como marco regulatório para o pré-sal recém descoberto. Isto estava de acordo com a experiência internacional que em geral adota esse marco para toda província com baixo risco exploratório e elevado potencial.

Já descoberto o pré-sal, dois pontos excepcionais foram localizados pela ANP e perfurados pela Petrobras. Descobriram-se Franco e Libra, cada um com cerca de 8 bilhões de barris de petróleo. O governo Lula decidiu ceder de forma onerosa à Petrobras a exploração da primeira jazida, a de Franco, e encaminhar Libra para uma grande licitação, nos marcos do contrato de partilha da produção já aprovado. A cessão onerosa foi feita em outubro de 2010 e resultou na maior capitalização de uma empresa de capital aberto da história da humanidade, US$72,8 bilhões de dólares (à época 127,4 bilhões de reais), o dobro do recorde anterior que ocorreu com a Nippon Telegraph and Telephone, em 1987.

Vale destacar que antes dessa cessão onerosa, a participação nacional no capital social da empresa era de 39%, em números arredondados, sendo que a União detinha 32% e o BNDESPAR 7%. Após a cessão onerosa, esses 39% subiram para 49%, situação que perdura. A outra parcela, ou seja, 51% do capital social da Petrobras é do capital privado, a maior parte estrangeiro e americano, situação a que a Petrobras foi levada pela venda de 108 milhões de ações na Bolsa de Valores de Nova Iorque pelo governo de Fernando Henrique Cardoso.
Dificuldades maiores começaram para a Petrobras em 2014. A partir de março deste ano, investigações policiais descobriram um vasto e antigo esquema de corrupção que funcionava dentro e fora da empresa, comprometendo funcionários de carreira da estatal e empreiteiras. O esquema era sórdido, diretores estiveram envolvidos, houve réus que confessaram desfalques enormes, que chegaram a centenas de milhões de reais. O prejuízo foi grande, atingiu as finanças da companhia e o prestígio de sua governança.

Mas, problema maior atingiu a empresa a partir de meados de 2014, com a queda abrupta do preço do petróleo em nível internacional. Enquanto em junho, o óleo estava cotado a US$112/barril, em outubro já estava em US$90, em janeiro de 2015 foi para US$45 e chegou ao final daquele ano a US$37/barril.

A desvalorização do seu principal produto trouxe consequências danosas para a Petrobras, não só quanto à retração do valor das vendas do óleo, quanto à reavaliação dos seus ativos. Ademais, em anos anteriores, a empresa foi submetida a uma política de preços dos seus principais produtos, a gasolina e o diesel, pela qual vendia esses combustíveis abaixo do preço internacional com que os comprava para complementar a produção interna. Semelhante política, praticada com a intensão benéfica de não permitir o aumento do custo de vida, tendo se estendido por muito no tempo, trouxe sérios prejuízos financeiros para a Petrobras. O resultado é que por conta de todos esses fatores, e pelo atrelamento de sua dívida ao dólar, a empresa passou a arcar com dívida elevada. Segundo dados da Economática, essa dívida era de US$111 bilhões em meados de 2015.

É necessário pontuar que é falacioso dizer que Petrobras possui uma dívida impagável. A verdade não é essa. A Petrobras tem uma dívida líquida de US$ 97 bilhões, segundo dados de 2016. Porém gera uma receita de caixa de US$ 25 bilhões/ano. Esses números demonstram que nenhuma empresa com esse desempenho financeiro, possui problema na administração de sua dívida.

Ocorre que os velhos adversários da Petrobras, ante essas dificuldades, juntaram-se, não para ajudar a companhia a sair da crise, mas para desacreditá-la como empresa aos olhos da população. E a Petrobras foi apresentada como centro de corrupção, ineficiente e crescentemente sem valor.

A campanha caluniosa não se sustentou. A corrupção que envolveu 04 diretores e mais alguns funcionários, de forma alguma poderia ser generalizada a uma empresa que tem mais de 60.000 funcionários. A ineficiência era tanto mais difícil de ser sustentada quanto se sabia que, mesmo no momento de suas maiores dificuldades, a empresa bateu recordes de produção no pré-sal, e se destacou internacionalmente. E quanto à depreciação de seu valor, não se poderia perder de vista que a Petrobras, após a cessão onerosa de que falamos acima, e após os 40% que arrematou em Libra, em outubro de 2013, passou a ter, na província do pré-sal, somando com o que aí já tinha sob regime de concessão, perto de 40 bilhões de barris de petróleo, o que a coloca entre as maiores empresas do mundo em reservas petrolíferas, portanto das que têm mais sólidos fundamentos.

Assim, chegamos aos dias atuais, quando o governo ilegítimo do Sr. Temer, através de prepostos, volta a atormentar a vida da Petrobras. Pretextando o endividamento da companhia, sua direção atual passou a vender, e promete vender mais ainda, ativos importantes, na área de fertilizantes, petroquímica, biocombustíveis, refino, dutos e distribuição de combustíveis. No pré-sal, vendeu sua participação no campo de Carcará onde já era a operadora. Mais uma vez o espectro da privatização aparece no horizonte, sob a forma de privatização pelas laterais.

Ademais, há outra conduta que nos parece grave. É que a própria Petrobras, através do Sr. Pedro Parente conhecido entreguista, está liderando uma campanha para golpear a política de conteúdo local em vigor no país. Encaminhou a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis o pleito de isenção (waiver) da obrigação de cumprir exigências contratuais de comprar bens e serviços no Brasil para a FPSO (Unidade flutuante de produção, armazenamento e transferência) do campo de Libra.

A política de conteúdo local, instaurada no governo Lula, trouxe grandes benefícios para nossa economia. Só na construção naval, segundo o sindicato do ramo, o Sinaval, dita política propiciou, em cerca de dez anos, até 2014, a criação de 82.000 empregos diretos, que agora já não existem. Os estaleiros fizeram grandes investimentos que correm o risco de ficarem abandonados, o que efetivamente é um dano sério ao desenvolvimento do país.

Todos os países que se desenvolveram tiveram e têm sua política de conteúdo local, cada qual com suas características. A política que começamos a por em prática aqui no Brasil deu muitos frutos e suscitou críticas. Era absolutamente natural que a submetêssemos ao crivo de uma análise consenciosa para se perseverar nos acertos e corrigir os erros. A política seria aprimorada e o conteúdo local garantido. Isto é o que necessitávamos. Está acontecendo o contrário, um verdadeiro abandono da política de conteúdo local.

Sabemos, entretanto, que nossa grande empresa passa por ameaças. Em nossa história, isto já aconteceu outras vezes e, em todas elas, as ameaças, as mais insidiosas, foram debeladas. Não será desta vez que elas prevalecerão. O povo, na luta, não deixará.