Jô Moraes: Diferentes formas de golpe

Uma grande inquietação começou a se espalhar nos últimos dias, depois do pronunciamento de um general do Exército sobre possível intervenção militar no Brasil. Reações contrárias imediatas indicaram que a memória democrática do povo brasileiro está viva e vigilante diante de possíveis restrições à vida política nacional. Mas, ao mesmo tempo, expuseram certo desconhecimento sobre as novas formas de rupturas que as elites do mundo andam praticando, como se a intervenção militar fosse a única.

ditadura - Reprodução da Internet

Em abril de 2016, o jurista e professor da PUC-SP, Pedro Serrano, chegou a dizer que, se o STF mantivesse a decisão do impeachment: “… em termos de teoria do Estado … vamos estar diante de uma medida de exceção, a exemplo do que houve em Honduras e no Paraguai. A jurisdição terá sido usada aí não para proclamar ou garantir o direito, mas para estabelecer a exceção”.

Naquela ocasião, a ruptura democrática que se efetivou através de um golpe judiciário-midiático não foi percebida por grande parte da sociedade como tal. Muitos apoiadores do impeachment se incomodavam quando eram chamados de golpistas.

O fato é que o governo ilegítimo, assumindo o poder, fez profundas mudanças constitucionais para enfraquecer o papel do Estado como indutor do desenvolvimento; para desgastar a soberania do país; rasgar direitos trabalhistas e desconstruir as políticas sociais. Com certeza, apenas um golpe permitiria estas medidas, pois tal programa não seria apoiado pelo voto popular.

Depois do golpe, as referências constitucionais foram perdidas. O país passou a funcionar com um Executivo enfraquecido e refém das inúmeras denúncias de improbidade administrativa. O Legislativo ficou prisioneiro de interesses menores, tornando-se protagonista do assalto ao voto popular, ao interromper um mandato legítimo e sem crime de responsabilidade.

Restou ao país um poder fatiado entre uma instituição, o Ministério Público, e setores do Judiciário, que se digladiam para saber quem conduzirá a Nação nessa dura quadra. E o mais preocupante é que tais segmentos consideram que irão resolver os problemas do país com medidas superficiais e pontuais, onde o desrespeito ao devido processo legal e o aumento da pena imposta a políticos condenados se apresentam como solução para a crise.

Aliadas a essa instabilidade, as pregações de intervenção militar surgem, inclusive de alguns setores populares, demonstrando o quanto a sociedade se encontra desorientada e o quanto o debate está fora do eixo.

Qualquer insinuação de intervenção militar na vida política do país tem de ser rechaçada com veemência. As Forças Armadas têm um papel importante na defesa da soberania do país tão bem expresso na Carta Magna. Portanto, uma força armada que não esteja submetida às normas do Estado Democrático de Direito, é fator de completa desestabilização.

É importante atentar para as palavras do Ministro do Gabinete de Segurança Nacional, General Sérgio Etchegoyen, em resposta à existência de movimentos que defendem intervenção militar:  “Nós não encontraremos respaldo nas Forças Armadas, não encontraremos respaldo na política. O Brasil viveu profundas crises estruturais, que coincidem com profundas crises setoriais… Confundir essa crise com a negação da política ou com a desqualificação das instituições, aí, sim, é o caminho do golpe, de quem quer que seja. A política é a forma civilizada que a humanidade encontrou para resolver as suas contradições internas, as suas disputas internas. Nós chegamos num nível de maturidade política que nos permitiu atravessar tudo que estamos atravessando, sem solavancos.”

E eu completaria: a oficialidade sabe que sem apoio político, sem apoio internacional, um golpe de Estado em um momento de crise como o Brasil vive, não se sustenta por muito tempo.

O problema central do Brasil é encontrar caminhos para sair da grave paralisia que tem gerado milhões de desempregados, milhares de obras paradas e empresas fechadas. Mas o remédio que as elites brasileiras ministram é um governo de ruptura democrática e uma agenda que tira do Estado qualquer função estimuladora do desenvolvimento.

Só um projeto nacional de retomada do desenvolvimento, uma aliança ampla representativa dos diversos segmentos sociais e o voto popular poderão criar novas perspectivas para o povo brasileiro.