Topolansky e Mujica, uma história de amor e revolução

Lucía Topolansky, histórica companheira de José Pepe Mujica, se converteu na primeira vice-presidenta da história da República Oriental do Uruguai. Uma notícia significativa em meio ao baque de Sendic: dos labirintos se sai por cima, disse, e o frenteamplismo parece disposto a aproveitar a repentina crise para voltar a se fortalecer frente às próximas eleições presidenciais.

Por Juan Manuel Karg*

Lucia Topolansky e José Mujica - Divulgação

Topolansky, primeiro militante do Movimento Nacional de Libertação Tupamaros e logo depois fundadora do Movimento de Participação Popular, um dos espaços mais representativos da Frente Ampla, terá a tarefa de oxigenar a gestão do governo frenteaplista em meio a uma investida continental contra os governos nacional-populares, progressistas e de esquerda, cercada por uma tentativa de restauração conservadora.

A Constituição a colocou neste lugar: foi a segunda senadora mais votada da lista, atrás apenas do próprio Mujica, que não pode assumir o cargo por restrições constitucionais. A ideia parece clara. Sanar as feridas. Virar a página. Governar, nem mais, nem menos, em meio a uma América Latina com crises presidenciais ao longo do continente. "O que vou propor ao presidente Vázquez se resume em uma palavra: trabalho", disse Topolansky sobre sua nova tarefa, deixando claro a que se soma.

A agora vice-presidenta uruguaia teve múltiplos desafios ao longo de sua carreira política. Esteve presa 13 anos, como milhares de latino-americanos que lutaram contra as ditaduras civico-militares do Cone Sul. Foi torturada, mas milagrosamente se salvou da morte. E ao sair seguiu militante pela democracia, junto a seu companheiro. Em 1989 fundou o MPP. Foi deputada e logo senadora, além de primeira dama. Se reinventou, e o povo uruguaio votou uma e outra vez.

Os meios concentrados do continente já começaram um debate veloz contra ela, com os clichês de sempre: "ex-guerrilheira", "pró-aborto", "pró-maconha". O mesmo que fizeram contra Dilma Rousseff, misoginia, antes de derrubá-la com um golpe institucional que acaba de aprovar uma reforma trabalhista seriamente regressiva em matéria de direitos e que busca inabilitar o ex-presidente Lula sob uma condenação do juiz Sérgio Moro.

A elite uruguaia – e também a latino-americana – sabe bem que nesta mulher que vive como qualquer outra nos arredores de Monteviéu está a possibilidade de reforçar uma gestão de governo que mostra 15 anos de crescimento ininterrupto em matéria econômica, mas que vem se vendo impactado midiaticamente durante os últimos anos. Por isso agora, cumprida a tarefa suja sobre Sendic, provavelmente busquem encurralar Topolanski com rios de tinta duvidosa de veracidade mas com possível forte impacto nos centros urbanos.

Enquanto isso, a Frente Ampla deverá começar a resolver o dilema eleitoral de 2019. Mujica disse que "por ora" não será candidato. Se Sendic foi uma aposta para o futuro, está falida com este episódio, e a coalizão deverá repensar o horizonte eleitoral. A renovação soa como boa companheira para pensar a médio e longo prazo, é certo, mas também há momentos decisivos onde os fundadores dos projetos políticos devem assumir responsabilidades históricas, e entender seu próprio peso pessoal no destino das nações. Possivelmente seja o momento para que o vivido Mujica reforce seu não. Há muito em jogo, tanto para o Uruguai como para a região.