Noite de Sul-Americana, de simulacro e de "ponga huevo"

Sul-Americana. Na Arena Corinthians. Duas equipes que chamam a atenção por onde passam. Corinthians e Racing empataram em 1-1. Para boa parte da imprensa brasileira, era jogo ganho. Racing passando pela reconstrução.

Por Guadalupe Carniel*

futebol corinthians - Foto: Gazeta Press

Mas o jogo de ontem foi marcado por peculiaridades. Há não sei quantos anos não ía numa partida de Sul-Americana e escolhi ontem pra ir. E ontem também passei pela experiência de entrar numa arena. Afinal, já que critico tanto, precisava estar algum dia lá para poder falar com mais propriedade.
Cheguei e estranhei que três horas antes do jogo não vi grande movimentação. Não sei se estava ali cedo demais, mas nos entornos fora os ambulantes poucos torcedores. Em áureos tempos teriam torcedores aos borbotões.

Então encontrei o setor visitante e não haviam ingressos. Sim, para o visitante não teria venda de ingressos o que fez com que um jornalista argentino de rádio que estava na porta se irritasse “eu nunca vi uma coisa dessas”. Por parte do Corinthians, diziam que os ingressos estavam com os dirigentes do Racing. Depois de um tempo, eu e uns amigos conseguimos as entradas, sem tanto pânico quanto pensamos que aconteceria.

Primeiro tempo, Corinthians jogando bem e poderia ter feito mais além do gol do Maycon e contava com mais de vinte mil torcedores empurrando. Eram eles quem puxavam as músicas, era deles que vinha o esforço pra não deixar a coisa morrer e o resultado foi óbvio: o time fez seu gol, se achou e jogou bem no primeiro tempo. Racing dando sorte com um goleiro machucado (agradeço se alguém souber me explicar porque só teve a alteração no intervalo) e com erros da defesa.

Mas no segundo tempo chegou quem faltava para que o jogo ganhasse corpo: a barra. Sim, com ela o Racing que estava apático entrou em campo e, ouso dizer, que a música escolhida foi ideal para melhorar o time albiceleste, “De pendejo te sigo” (música que conta a epopeia racinguista para se manter existindo graças a seus torcedores). Com isso, Lisandro foi impecável em campo e Triverio fez seu primeiro gol pelo time argentino. Assim, terminou a peleja. Empatada. Justa já que cada time mandou em um tempo. Agora a decisão fica pra Avellaneda e empate em zero a zero garante o Racing.

Agora vamos aos pontos: primeiro é que um pouco antes da torcida argentina chegar, havia cerca de 10 pessoas ali nos entornos da área visitante. Neste momento, a polícia chegou. Algo normal para um jogo, certo? Mas digamos que foi um número exagerado de carros do choque aos montes, cães, cavalaria. Não vou entrar em (de)méritos da Polícia e nem do Estado e nem do governo do estado de São Paulo, porque eu já to chovendo no molhado de tanto falar isso. Mas tudo isso para um jogo?
Segundo ponto: a estrutura da Arena. Ainda creio naquela ideia de que o estádio é a extensão da casa, criamos vínculos, confidências individuais e coletivas com aquele espaço. E ali, não vejo identidade. Para mim o Pacaembu tinha muito mais cara de Corinthians do que este espaço. O entorno é frio. Não tem bares (que ainda defendo ser o espaço mais democrático deste país, mas este é tema para outro texto). Quando cheguei não me senti num lugar onde teria uma partida de futebol, que deveria ser algo orgânico, solto, um momento de extravasamento. Dentro dela, achei o ambiente mais hostil ainda. Não parecia ser feito para um jogo.

Terceiro ponto: Telões. O mundo vai se tornar um telão gigante. Talvez por isso extraterrestres não queiram fazer contato conosco. Eu os entendo perfeitamente. A bandeira do Brasil durante o hino é mostrada no telão e não hasteada. Nem se dão mais a este trabalho, nem numa competição internacional. Claro tem também o outro lado para o placar, preços de ingressos e de comida , achei válido.

Quarto ponto: a ideia de querer fazer você se sentir num ambiente de videogame. Emoções, experiências e festas simuladas. Os papéis picados sendo jogados pela administração da arena, mas o que irritou foram as bobinas que também são lançadas em um canto em que nem a torcida tem contato e nem adentra o campo. Depois, fogos. Uma festa programada. Puro simulacro.

Quinto ponto: imprensa. Câmeras voltadas para o campo. Ninguém se preocupa em fazer algo além do óbvio: notícia para eles é só o que acontece dentro das quatro linhas. Tentar fazer algo diferente como o jornalista argentino, que citei no começo do texto, fez, parece bobo e sem sentido para eles. Mas taí: ninguém se importa. O que vale são só os que estão em campo, eles que valem, certo? Só esqueceram de avisar que o nome do jogador vem atrás porque ele passa, o escudo fica. Por isso o escudo vem na frente, no peito. Mas daqui uns dias é capaz que nem isso tenha. Voltaremos aos jogos de cavalheiros com um time de camisas brancas e outro de camisas vermelhas.

Sexto e último ponto: não importa o dinheiro e o fato de você ser um sicário do futebol. Existe algo que não se compra, que é o aguante.

No primeiro tempo pude observar que mesmo com todos os esforços da administração de incentivar visualmente seja por meio de telões, distribuição de escudos, e não fosse a torcida corintiana (a torcida mesmo, não os consumidores que estavam lá querendo aparecer que nem bobo no maldito do telão) a coisa não andaria.

O mesmo aconteceu na torcida do Racing. Se não fosse a barra a chegar dando o aguante e alento poderia ter até um ou outro canto, mas morreria. Quem dá o alento, mantém e não deixa morrer são eles.

Muitos podem demonizar, podem pensar em obstáculos para colocarem para as torcidas, mas há algo que nem com todo o dinheiro do mundo os que se julgam deuses do futebol e que não passam de sicários (confederações, dirigentes, mídia e até alguns jogadores que não gostam de torcida) conseguirão fazer: nos ignorar. Porque mesmo com todo este circo armado ainda terá gente resistindo. Podem apostar.