Sem provas, mídia usa Palocci para construir narrativa contra Lula

O depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta quarta-feira (13), em Curitiba, confirmou a expectativa de que as acusações feitas pelo ex-ministro Antonio Palocci norteariam os questionamentos. Como não há provas, a narrativa da grande mídia – tanto dos jornais como da TV – para desqualificar a defesa do ex-presidente foi dizer que Lula mudou de opinião quanto a Palocci, que passou de amigo para mentiroso, após o depoimento que o acusou.

Por Dayane Santos

manchete jornais

Como apontou a defesa e o próprio Lula durante a audiência, o depoimento de Palocci foi ensaiado e suas palavras foram estrategicamente escolhidas para criar brechas e construir a prova subjetiva, ou seja, não importa a forma que o réu responder, bastando apenas que dê sentido às convicções da acusação.

Preso desde setembro do ano passado, Palocci também figura como réu, acusado de receber propina da Odebrecht. No depoimento a Moro, ele diz que, por meio de contratos da Petrobras, teria intermediado pagamentos ilícitos ao ex-presidente que, por sua vez, tinha ciência de tudo e mantinha um “pacto de sangue” com Emilio Odebrecht, dono da empreiteira.

De acordo com o advogado de defesa de Lula, Cristiano Zanin, Palocci trouxe as frases de efeito escritas num papel para não fugir do script ensaiado. O advogado chamou a atenção para outro fato importante: as perguntas feitas por Moro e procuradores na audiência com Lula, nesta quarta, foram “periféricas”, pois a questão central da ação diz respeito a oito contratos firmados pela Petrobras com consórcios que envolvem a Odebrecht, que teriam dado origem aos pagamentos ilícitos utilizados na compra de dois imóveis, sendo que um seria sede do Instituto Lula e o outro um apartamento vizinho ao que mora o ex-presidente em São Bernardo do Campo.

“Portanto, para qualquer discussão em torno da legalidade relativa à compra dos imóveis, é preciso que haja a demonstração de que qualquer valor proveniente desses oito contratos firmados pela Petrobras serviram de alguma forma para beneficiar o ex-presidente Lula. No entanto, esta prova não existe. Ela não foi feita pelo Ministério Público”, disse o advogado, destacando que pediu ao juiz Sérgio Moro a realização de uma perícia nos contratos, mas o pedido foi negado, pois a verdade é que “nenhum valor proveniente desses contratos da Petrobras foi dirigido, direta ou indiretamente, ao ex-presidente Lula”.

“Essas discussões periféricas só têm por objetivo lançar manchetes nos jornais, promover discussões com o intuito de deslegitimar o ex-presidente Lula, que é uma atuação típica do lawfare que nós sempre afirmamos”, disse Zanin.

Mídia abastecida

Seguindo o roteiro, a narrativa da grande mídia foi direcionada a partir das perguntas dos procuradores do Ministério Público Federal e do próprio Moro, construindo o cenário de que Lula mente e Palocci fala a verdade, já que o ex-presidente descartou o amigo que esteve ao seu lado por longos anos.

Vale lembrar que na primeira audiência com Moro, em maio deste ano, que tratou sobre o tríplex no Guarujá, a imprensa dizia que Lula jogava a culpa na esposa Marisa Letícia, falecida no início do ano.

Uma construção de fácil absorção pelo senso comum, afinal, quem não ficaria indignado ou se sentiria traído por um amigo que durante anos lhe foi confiável e parceiro, mas de uma hora para outra passa a falar mal de você para outras pessoas por ter criticado uma conduta, por exemplo.

No depoimento, Lula disse por vezes que conhecia bem o Palocci e fez críticas à sua personalidade. “O Palocci, se não fosse ser humano, seria um simulador. Ele é tão esperto que é capaz de simular uma mentira mais verdadeira que a verdade. O Palocci é médico, calculista, é frio”, disse Lula, que foi interrompido por Moro: “Nada daquilo é verdadeiro?”. “Nada”, respondeu Lula. “A única coisa que tem de verdade ali é ele dizer que está fazendo a delação porque quer os benefícios da delação. Ou quem sabe ele queira um pouco do dinheiro que vocês bloquearam dele”, afirmou.

Foram frases como essa que a mídia pinçou para construir a ideia de que Lula traiu o companheiro e está mentindo. No jornal O Globo (imagem acima) e nas redes sociais pipocaram declarações de Lula elogiando Palocci e citando as qualidades do ex-ministro.

“A mídia, de maneira geral, em nenhum momento divulgou de uma forma clara a trajetória política do Palocci, que começa em Ribeirão Preto como vereador e depois prefeito, e vai galgando posições dentro do seu partido, chegando a deputado federal, até que é convidado para integrar a campanha de Lula para presidente da República”, destacou Laurindo Lalo Leal, jornalista e professor aposentado da USP.

Na campanha da antipolítica, a grande mídia traça um cenário em que os políticos ocupam funções e posições partidárias apenas e tão somente por afinidade pessoal. Um jogo e padrinhos e afilhados, que não leva em conta a trajetória de cada um desses agentes.

Segundo o professor Lalo, foi o que a mídia fez com o depoimento de Lula e Palocci, ignorando a sua trajetória política “que não se esgota no depoimento, que é utilizado para fazer o contraponto com a opinião que o presidente Lula tinha dele como um importante líder político”.

Por que Palocci?

Diante dessa manipulação jurídico-midiática, a questão que ficou no ar foi: se Palocci era frio, calculista e simulador, por que Lula o manteve no governo por tantos anos?

Segundo Lalo, ao confrontar as opiniões de Lula antes e depois do depoimento, a imprensa “falseia a realidade”, não estabelecendo o contexto político que dá sustentação a essa realidade.

“É divulgar a realidade de uma forma parcial. Esse é o grande problema da mídia partidarizada: pinçar da realidade elementos que interessam para a construção da narrativa parcializada”, argumentou o professor.

O depoimento

Lula não desmentiu as afirmações anteriores sobre o ex-ministro. Pelo contrário, por diversas vezes elogiou Palocci e não renegou a amizade que mantinha com ele, mas destacou que a relação não foi construída pela amizade, mas pela política.

“O Palocci veio aqui e o senhor sabe que eu tenho uma profunda amizade com o Palocci, há mais de 30 anos. Não é coisa de um dia”, enfatizou Lula. “O Palocci foi meu ministro da Fazenda e prestou um grande serviço a este país”, frisou o ex-presidente ao juiz Moro.

Diferentemente do homem que descarta o “amigo”, Lula reconheceu que Palocci prestou um grande serviço ao país e que ele “é um quadro político excepcional do qual esse país não tem muitos”, mas lamentou o caminho escolhido por ele para se livrar da prisão.

Sobre a relação com o ex-ministro, Lula contou que se reunia com Palocci para ouvir conselhos econômicos.

“E ele era um cara que mantinha relações com todas as empresas que o senhor possa imaginar. E, portanto, o Palocci fazia debate econômico toda semana, todo mês. Ou seja, de vez em quando, eu conversava com o Palocci sobre a visão econômica do país. Conversava com ele, conversava com o [Henrique] Meirelles, conversava com o Guido Mantega, eu tenho um grupo de economistas que eu me reúno todo mês”, contou.

Lula relatou como se deu a saída de Palocci do Ministério da Fazenda de seu governo, em março de 2006, por conta do caso da quebra do sigilo bancário de Francenildo Costa. Ele era caseiro e testemunha de acusação contra Palocci num processo que respondia sobre um suposto esquema de propinas executado numa mansão alugada no Lago Sul, em Brasília.

“Eu lembro que eu vim a Curitiba para inaugurar uma obra, acho que com o prefeito, e disse ao Palocci ‘olha, se você não resolver esse problema do caseiro, quando eu voltar de Curitiba, eu vou tirar você do governo, porque não é possível um ministro da Fazenda ficar brigando com um caseiro’. E voltei à tarde, o Palocci não tinha resolvido e eu, então, afastei o Palocci do governo. Eu ia exonerá-lo, ele pediu demissão e eu disse que tudo bem, poderia fazer isso. O Palocci, então, virou deputado e foi deputado até 2010”, disse Lula.

Questionado sobre como ficou a relação após a saída, Lula declarou que era difícil encontrar com o ex-ministro. “Olha, depois que ele saiu do governo era difícil [de me encontrar com ele], não era sempre. Ele era deputado. Ele tinha a vida dele, eu tinha a minha. Eu tinha que governar, ele tinha que legislar”, enfatizou, demonstrando que a relação era de fato política.

O ex-presidente salientou que era notória a sua opinião sobre Palocci. Citou que foi contra a indicação do ex-ministro para o governo de Dilma Rousseff.
“Na verdade, se o senhor ler O Globo, tinha uma manchete, entre a vitória da Dilma e a posse dos ministros de que eu era contra o Palocci ir pro governo. Eu era contra, mas a Dilma indicou e como quem indica é a presidente, ele foi lá e ficou, não sei se 10 meses, 11 meses na Casa Civil”, lembrou.

Por fim, Lula disse que não alimenta um sentimento de raiva contra o ex-ministro por suas acusações contra ele.

“Eu lamento, porque eu sou um cara que gostei muito do Palocci, tive boa relação com o Palocci. Acho que o Brasil deve ao Palocci. Mas, lamentavelmente, o Palocci se prestou a um serviço pequeno, porque inventar inverdades para tentar criminalizar uma pessoa que ele sabe que não cometeu os crimes que ele alegou é muito desagradável. Eu fico pensando como está pensando a mãe dele agora, que é militante do PT e fundadora do PT”, afirmou.