Emily Lima, da seleção feminina futebol, quer treinar homens

Ela está contrariando todos os tabus: não se abalou com o preconceito por ser mulher e tornou-se a primeira a treinar a Seleção Brasileira. Agora, já sabe seus próximos passos…

Emily Lima

Emily Lima sempre gostou de desafiar as regras. Mesmo que dentro de casa a grande paixão fosse o futebol, ninguém da família nunca tinha "chegado lá". Seu pai até tentou fazer alguns testes para virar profissional nos tempos de juventude, mas não levou a carreira para frente. Já seu irmão teve que ir para o jornalismo esportivo como forma de se aproximar do esporte que tanto ama.

Contrariando as expectativas, Emily conseguiu realizar seu sonho de criança: tornou-se jogadora de futebol. Ela iniciou a carreira no Saad, de São Paulo, um dos primeiros times femininos no Brasil. Depois de passar por outros clubes no país, atuou por cinco anos na Europa. Em 2009, aos 29 anos, encerrou a sua carreira como atleta na Itália, devido a diversas lesões sofridas no joelho.

Na trajetória dentro dos campos, quem mais a incentivava era seu pai. “Ele sempre me acompanhou em todos os lugares que eu ia jogar. Mas ele só me acompanhou como atleta, não me viu com técnica”. Falecido em 2002, o pai de Emily também não viu ela atuar como titular da seleção de Portugal, entre os anos de 2007 e 2009, país pelo qual sua filha se naturalizou durante os tempos jogando na Europa.

Como treinadora, Emily começou em Portugal, sendo auxiliar técnica. Em 2012, voltou ao Brasil e comandou o Juventus-SP e, depois, o São Caetano do Sul, onde ficou até assumir o São José (SP). Foi em São José dos Campos que ela atingiu o maior sucesso: foi vice-campeã da Copa do Brasil, resultado que a credenciou para receber o convite da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para assumir a seleção feminina.

"Sempre tem aquele negócio de “vai pra cozinha”, mas isso era bem antes, no início da minha carreira. Hoje, já não acontece mais"

Em dez meses à frente da seleção principal, os resultados da treinadora surpreendem. Em 11 jogos, sete vitórias, um empate e três derrotas. Mas quem disse que ela quer parar por aí? Para além de ganhar o Mundial de 2019, na França, e as Olimpíadas de 2020, em Tóquio, ela tem como meta um projeto ousado: contribuir para o desenvolvimento da modalidade no Brasil. Ideias para isso não faltam.

Sobre a decisão da CBF de, a partir de 2018, obrigar os clubes que disputam o campeonato masculino a criar seus times femininos, ela analisa: "É um enorme pontapé para que a gente possa observar uma mudança na modalidade. A Conmebol também está caminhando na mesma direção, de garantir que os clubes tenham também suas equipes femininas. Se isso for respeitado, já vai mudar muito”.

Outra mudança que Emily pode estar na linha de frente é no futebol masculino. Ela não esconde a vontade de ser a primeira mulher da história a treinar um clube da elite do futebol no País. "Esse vai ser meu próximo objetivo. Quem sabem não acontece?”.

No Brasil, o registro que existe de mulheres comandando equipes de homens é no futebol semi-profissional do Acre. Em abril de 2000, o Andirá Esporte Clube teve Cláudia Malheiro como treinadora do time principal, cargo em que se manteve até 2007. No futebol internacional, demorou ainda mais: a primeira mulher a comandar um time de elite foi a francesa Corrine Diacre no Clermont Foot, da segunda divisão da França, em 2014.

PáginaB!: Onde você nasceu?

Emily Lima: Eu nasci na zona norte de São Paulo, no bairro de Santana.

Sua família tem uma ligação forte com o futebol?

Meu pai já é falecido, desde o ano 2000. Ele era comerciante, minha mãe sempre foi do lar. Meu irmão é o único que trabalha mais ligado ao esporte, ele é jornalista esportivo.

A minha mãe e meu pai sempre me apoiaram muito. Minha mãe, durante um bom tempo, tinha aquele medo de machucar. Falava aquelas coisas de mãe. O meu pai sempre me acompanhou em todos os lugares que eu ia jogar. Mas ele só me acompanhou como atleta. Depois, eu segui a carreira de treinador já sem ele estar vivo.

Meu pai era lutador de judô. Ele chegou a ser campeão paulista. Meu irmão trabalha atualmente com jornalismo esportivo. Minha família tem uma relação muito forte com esporte, mas ainda mais forte com o futebol.

Quando era mais novo, meu pai até jogou futebol pela faculdade e fez aqueles testes que todo moleque faz, mas nunca deu prosseguimento na carreira.

Você tem algum episódio de preconceito por ser mulher e jogar futebol que tenha te marcado?

Nunca sofri um preconceito que fosse algo de me marcar, de sentir e ficar abalada por muito tempo. Sempre tem aquele negócio de “vai pra cozinha”, mas isso era bem antes, no início da minha carreira. Hoje, já não acontece mais.

Qual o seu estilo como técnica?

Eu gosto do princípio de jogar com a bola no chão, sem muita ligação direta. Isso é possível aqui na seleção, porque a gente pode selecionar aquelas jogadoras que entram dentro das características do nosso modelo de jogo. Em um clube, isso fica mais complicado porque às vezes você não tem as atletas que podem te ajudar nesse sentido. Fazer isso na seleção, com todas as jogadoras à disposição, é mais simples. Em resumo, eu pratico um jogo mais apoiado, com as jogadoras em aproximação.

Como você vê o momento do futebol feminino no Brasil?

Acho que a CBF tomou uma decisão muito acertada que é obrigar, a partir do ano que vem, que todos os times da Série A mantenham suas equipes de futebol feminino. É um enorme pontapé para que a gente possa observar uma mudança na modalidade. A Conmebol também está caminhando na mesma direção, de garantir que os clubes tenham também suas equipes femininas.

Existe muita dúvida sobre como fazer. É uma novidade, mas espero e acredito que as equipes vão se organizar. São vários exemplos que já estão acontecendo e se mostrando viáveis. O América Mineiro tem há dois anos uma equipe funcionando. O Sport Recife também se profissionalizou. O Santos deu um passo muito importante com a nova gestão, ao topar retomar sua equipe.

Na Seleção, os objetivos são a conquista do Mundial e da Olimpíada (Foto: CBF)

Quais são as outras técnicas que você enxerga que também podem ter sucesso nos próximos anos?

Eu tenho medo de esquecer alguém, mas têm treinadoras que estão se destacando bastante. Eu não gostaria de citar nomes, mas basta ver o futebol feminino para perceber boas treinadoras em São Paulo, na Bahia, na Paraíba, no Rio Grande do Sul e muitos outros estados.

Você já pensou em treinar um time de futebol masculino?

Esse é o meu próximo objetivo. Quem sabe não acontece? É claro que se me chamarem para comandar uma equipe feminina a gente não pode deixar de olhar com carinho, pelo respeito ao desenvolvimento da modalidade. Mas treinar no futebol masculino é sim um dos meus objetivos, quero fazer essa transição. Vai ser uma nova experiência, pois o futebol feminino sempre foi meu foco e eu nunca treinei os homens. Vai que dá certo.

Quais são seus objetivos na seleção feminina?

Comecei como técnica de futebol e logo me coloquei como objetivo estar na Seleção Brasileira. Aconteceu rápido e agora a ideia é fazer o melhor trabalho possível. Com esse bom trabalho que estamos nos propondo a fazer, eu e a comissão técnica acreditamos que será possível conquistar títulos. O primeiro que estamos buscando é a Copa América, que é a competição que vai nos classificar para o Mundial e a Olimpíada. Espero chegar até a Olimpíada de 2020 ainda na Seleção. É um projeto de desenvolver a modalidade e aí sim buscar coisas novas.

Você acha que é impossível um homem voltar a comandar a seleção de mulheres?

Eu acho que o pensamento não deve ser esse, mas é uma tendência a acontecer, tanta na seleção principal, como na base. Eu acho interessante, está na nossa hora. Chegou o nosso momento. Não é descartar os homens, mas chegou o nosso momento e temos que aproveitar. Acho que se eu sair entra outra mulher, mesmo porque a própria Fifa vem exigindo isso cada vez mais, então acredito que entramos nesse novo ciclo.