Plano Popular desresponsabiliza governo e privatiza saúde no país

As vendas de pacotes de assistência médica mais baratos não devem suprir as lacunas do sistema de saúde pública no Brasil, mas agravar ainda mais a precarização dos serviços com menor cobertura e pior qualidade de atendimento.

Por Verônica Lugarini*

Planos saúde - Reprodução

O Plano Popular está em discussão desde 2016, quando foi proposto pelo atual ministro da Saúde, Ricardo Barros, como uma tentativa de aliviar os gastos públicos com o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Segundo o governo, esses planos seriam ofertados a custos menores, porém, com menos serviços, atendendo apenas a uma cobertura mínima obrigatória, como agendamento de consultas, sem incluir exames e internações.

Para o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Ronald Ferreira dos Santos, a real intenção do governo é caminhar para a privatização da saúde no Brasil, desresponsabilizando o governo de garantir o direito à saúde.

”O governo busca apresentar essa proposta como uma alternativa, mas isso levará ao subfinanciamento da saúde, colocando sob a responsabilidade das pessoas o que é de responsabilidade do Estado. Essa lógica é mais uma campanha para a desconstrução do contrato social da saúde como direito, o que reforça a lógica de mercadoria, ou seja, é mais uma forma de rasgar tanto o conceito de saúde quanto de direito”, explicou o presidente do CNS em entrevista ao Portal Vermelho.

A proposta de cobertura mínima dos planos já foi preenchida pelas clínicas populares, como o agendamento de consultas, desprezando lacunas realmente necessárias à população, como acesso à exames e internações, principalmente em áreas afastada (pontos não atendidos pela proposta).

Para Grazielle Custódio David, especialista em Orçamento Público e mestre em Saúde Coletiva, a proposta de mudança na lei dos planos privados de saúde é alarmante. Além de tornar a saúde brasileira mais ineficiente, ainda diminuirá os direitos dos consumidores dos planos privados de saúde.

“O amplo mix entre setores público e privado aumenta muito os custos e reduz seus resultados, o maior exemplo é os Estados Unidos, que tem o maior gasto com saúde, mas indicadores muito piores do que outros países que têm um gasto bem menor e sistemas de saúde público universal fortalecido, como Canadá e Inglaterra”, relata a especialista.

Ela ainda ponderou que dentro do plano do ministro da Saúde, os planos populares não estariam sujeitos ao CDC – Código de Defesa do Consumidor, o que demonstra uma grande chance de que o atendimento nesse regime de planos seria péssimo, sem poder ser questionado judicialmente, já que não estaria regulamentado pelos direitos do consumidor.

“O enfraquecimento do SUS não apenas reduz o direito à saúde, como também reduz eficiência e os direitos de consumidores do setor privado de saúde. Por isso, é essencial defender o SUS e a integralidade e regulação do setor privado, senão ficaremos completamente sem saúde no Brasil, independente de pública ou privada. Essa lei de planos populares é inaceitável”, informou Grazielle Custódio.

Realidade brasileira

Na prática, os Planos Populares além de desresponsabilizarem o governo com essa estruturação, a probabilidade de ocasionar o fechamento de unidades básicas e encerramento de serviços é grande.

“Vão fechar os consultórios populares já estão em funcionamento oferecendo os serviços propostos e a consequência disso será o colapso da saúde porque essa mudança não soluciona a demanda do povo brasileiro. Em um país onde quase 90% das pessoas ganham dois salários mínimos e 26,3 milhões de trabalhadores desempregados, isso terá impacto enorme nos gastos das famílias”, relatou Ronald Ferreira.

Propostas dos Planos de Saúde Populares

A proposta inclui a regionalização dos planos, o que desobriga empresas a ofertarem serviços indisponíveis na região. Na prática, essa medida pode impedir o acesso de pessoas que moram em locais mais distantes de fazerem determinados exames.

Também se estabelece o aumento dos prazos para agendamento de consultas ou de cirurgias programadas e a obrigatoriedade de uma segunda opinião médica para procedimentos de alto custo. No âmbito financeiro, o reajuste da mensalidade do plano seria feito por planilhas de custo e não pela média de preços cobrados nos planos de saúde coletivos.

Dessa forma, o paciente pagaria, além do valor mensal do plano, uma taxa a cada vez que passar por uma consulta ou fizer um exame.

“Querem ampliar a co-participação: chegar a 50% ou mais. Então, você pagaria tributos mais mensalidade do plano privado popular, mais coparticipação a cada atendimento e exames. Se em um mês o usuário estiver com dificuldade financeira, e tiver que fazer um exame de sangue, mas não tiver dinheiro para pagar por metade do exame, ele simplesmente não poderá fazer”, ponderou a especialista.

Contradições

O ministro Ricardo Barros é conhecido por um histórico de declarações polêmicas como “Exames com resultados normais são desperdício para o SUS”, “É preciso rever o tamanho do SUS”. Todas essas ações – incluindo a proposta dos planos populares – expõem um ministro que não compreende o funcionamento da saúde pública e não a prioriza. Barros inclusive se elegeu deputado com doação de empresários do setor de saúde privada.

Todas essas ações do ministro e do governo confluem para o desmonte da saúde pública e privada, conforme Mário Scheffer – diretor da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e conselheiro do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) – destacou em texto publicado na semana passada na Folha de S.Paulo:

“O ajuste fiscal, o Sistema Único de Saúde (SUS) vai encolher a partir de 2018, quando passa a valer o congelamento dos recursos públicos da área. O retorno do livre mercado dos planos de saúde só iria contribuir para acelerar a crise sanitária sem precedentes que se anuncia no Brasil”, concluiu Scheffer.