Tribunal Tiradentes julgará “práticas espúrias” do Congresso Nacional

Três anos depois da última edição, realizada em 2014 para discutir a Lei da Anistia, o Tribunal Tiradentes realizará sua quarta sessão. O tema abordado desta vez serão as práticas nocivas e danosas do Congresso Nacional. Organizado pela Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), vinculada à Conferência Nacional de Bispos do Brasil, o Tribunal Tiradentes funcionará como um tribunal real. A primeira sessão foi realizada em 1983, para simbolicamente julgar a Lei de Segurança Nacional.

Congresso Nacional

Presidente, acusação, defesa, testemunhas, jurados e observadores farão parte do tribunal, que tem caráter pedagógico e de reflexão para melhorar a qualidade do poder Legislativo brasileiro. O Tribunal Tiradentes será realizado em São Paulo, no teatro Tucarena, na PUC-SP, no dia 25 de setembro.

O secretário-executivo da CBJP, Chico Whitaker, afirmou que o Tribunal será um “pontapé inicial” em uma campanha para chamar a atenção da população para a importância do voto para o Congresso e para o Legislativo Brasileiro.

Whitaker diz que a constituição de maiorias, essencial para o Congresso e para o funcionamento do poder Legislativo em uma democracia, será a raiz da discussão no evento. Ele avalia que as maiorias no Legislativo federal têm se formado de maneiras espúrias, “na base da compra, seja qual for o preço” e distorcem as representações da sociedade nas Casas Legislativas. “É uma maioria constituída por meios espúrios. Ou seja, não é uma maioria ideológica, uma maioria de partidos ou de programas, mas uma maioria de compra. A maior parte dos votos conseguidos para chegar na maioria é conseguida através da compra, pura e simples. Seja favores, cargos, ministérios, emendas etc.”

A organização do Tribunal Tiradentes é inspirada no Tribunal Russell, constituído em 1966, nos Estados Unidos, para condenar de maneira simbólica os crimes de guerra cometidos no Vietnã.

O próprio Whitaker atuará no Tribunal, no papel de defensor do Congresso. “Mas não vou defender esse Congresso. Vou defender a instituição parlamentar. Porque é evidente que esse Congresso está matando a instituição parlamentar, está matando a própria atividade política.” O papel de acusador caberá ao jornalista e escritor Fernando Morais. O evento será transmitido pela internet e filmado pelo diretor Renato Tapajós, responsável pelo documentário “Em Nome da Segurança Nacional”, de 1984, sobre o primeiro Tribunal Tiradentes. A ideia é transformar a filmagem em “capítulos” para a campanha de conscientização para o voto destinados aos legisladores. Uma das propostas também é discutir com movimentos sociais e partidos como fazer um trabalho amplo de educação política não apenas para as próximas eleições, mas mais consistente. “A gente tem de fazer, todos os movimentos sociais, os partidos que estão querendo o melhor para o Brasil, todos deveriam se empenhar em um trabalho permanente de educação política, se não a gente não sai desse atoleiro.”

Reforma política

Whitaker também abordou a questão da reforma política e da renovação do Legislativo federal. Para ele, não é possível falar em renovação do Congresso, por haver um sistema de oligarquias no Brasil. Apesar de o país ter uma alta taxa de renovação do Congresso, os novos parlamentares vêm, costumeiramente, de famílias com tradição política. Para haver uma mudança, ele afirma que seria necessária uma profunda reforma política, “e esse Congresso que está aí nunca fará uma reforma política para perder o poder”, resultando no drama que o país vive.

Uma reforma política que envolve duas propostas de emenda à Constituição (PEC) era a principal pauta da Câmara nas últimas semanas. Entretanto, o debate emperrou com a chegada da PEC relatada por Vicente Cândido (PT-SP) na pauta do plenário por falta de consenso na Casa em relação a diversos pontos, entre eles a mudança do sistema eleitoral do proporcional para o majoritário, conhecido como “distritão”. Os deputados já admitem que a proposta tem grandes chances de ser engavetada por causa do impasse e pelo prazo apertado para aprovar as novas regras – até o dia 6 de outubro. Uma PEC precisa ser votada em dois turnos nos plenários da Câmara e do Senado, e ser aprovada por três quintos de cada Casa, o que corresponde a 308 deputados e 49 senadores.

A sentença do Tribunal, de acordo com Whitaker, está sendo elaborada para ser pedagógica e “um grande recado com pontos que são, no fundo, aspectos de uma reforma política”. Ele pondera ainda que o problema não reside apenas na esfera federal do Legislativo, mas também nos estados e municípios. “As mesmas práticas espúrias que estamos julgando e condenando no Congresso são praticadas desde sempre nas prefeituras e nos estados. O parlamento no Brasil, infelizmente, é visto como um balcão de negócios e grande parte dos candidatos querem entrar no parlamento por causa disso.”

Por esse motivo, Whitaker afirma que para haver mudanças reais, é preciso começar olhando para a esfera municipal e cita o recall de candidatos, proposta abandonada em nível federal e que cria a possibilidade de que os próprios eleitores revoguem o mandato do chefe do Executivo, como algo mais factível em municípios. Outra medida que poderia ajudar a melhorar a qualidade do Legislativo local seria o uso mais frequente de instrumentos da democracia direta, como plebiscitos e referendos, que seriam mais baratos em nível municipal. As duas medidas combinadas, para ele, ajudariam a estreitar a relação do cidadão com a política e estimularia os candidatos eleitos a se empenharem mais em fazer um bom trabalho.

Serviço:

Tribunal Tiradentes pela democracia no Brasil – IV Sessão
25 de setembro (segunda-feira) 19h, Teatro Tucarena – PUC-SP,
Rua Monte Alegre, 1024 – Perdizes – São Paulo