Pegando o Ita. De volta.

Railídia, a nossa Rai de tantas rodas, butiquins e quintais, está indo pro Pará com toda a trupe fazer o lançamento do seu imperdível Cangalha diante dos seus mais velhos; junto ao solo sagrado para onde retornaram seus Ancestrais.

Fernando Szegeri

Railídia - Clécio Almeida

Há 20 anos, Railídia desembarcou em São Paulo. Trazia no seu matulão carimbós, lundus, merengues, lambadas, sambas, frevos, guitarradas, bois, batuques, roques. Cheiros e cores. Bailes e bolas, rios e ruas. Jambu, tucupi e camarão. (Além da cuinha, é claro.) Aqui neste caldeirão cinzento e espigado da grande bruxaria nacional, misturou com pitadas de concreto armado, butiquins, fumaça de óleo diesel, quintais, comilanças, dores, amigos e saudades. Tudo isso encantado pela força dos ofós que bem aprendeu formou a Cangalha (independente, 2017) que conosco compartilha em forma de um lindo disco, desde o começo do ano.

Agora, essa papa-chibé nascida no Rio Mar e criada na beira do Xingu, Orixás imensos que a seguram – bem como o Brasil, a despeito de tanta ingratidão –, finalmente está pegando o Ita. De volta. A Railídia, a nossa Rai de tantas rodas, butiquins e quintais, está indo pro Pará com toda a trupe fazer o lançamento do seu imperdível Cangalha diante dos seus mais velhos; junto ao solo sagrado para onde retornaram seus Ancestrais. Momento único na vida de uma artista, a volta à Terra. Momento de abrir de novo o matulão diante dos que a despediram, diante dos que em si depositaram tantos afetos, tantos temores, tanta esperança, e dizer: “Olha só, está aqui…Foi feito”.

Só que na vida do artista popular qualquer gato é suçuarana agarrada na unha e quebrada no dente. Então, claro que não tem financiamento nem incentivo, nem patrocínio. O dinheiro oficial tem sempre preocupações mais urgentes, desde o sempre que somos governados pela fina-flor de nossa própria decrepitude. Mas no Brasil que se mantém rés ao chão, rescendendo ao pó que argila waldemares e vanzolinis, elomares e das neves, resta o apoio. É esse apoio que está sendo pedido e esperado neste sábado, no Ó do Borogodó, quando as cantorias e batuques levantarão os recursos espirituais e materiais pra con duzir essa excursão de sons e sonhos pelas brenhas onde tudo começou.

Estarei lá, é claro. Porque não me envergonho de lutar com as poucas armas de que ainda dispomos na desesperada batalha pelos haustos da sobrevivência de um povo. De um sonho. E até porque tem colheita minha embarcada nesse Gaiola – e aprendi que o que se colhe, se deve. Até porque, sendo daqui, tornei-me também de lá por força dos encantamentos todos que me foram dados viver. Até porque, como dizem os versos sotero-paulistanos que ela nunca deixou de cantar:

“Se há muita cidade pra vive
se há muito País pra se morar
só há um lugar no mundo pra nascer” *

Serviço:

Ó do Borogodó – Rua Horácio Lane, 21 – Pinheiros. Sábado, 2/9/2017, 16h. Entrada: R$ 20,00.

* Tabaréu, canção de Celso Viáfora e Vivente Barreto