A luta pela Visibilidade Lésbica no Brasil: de suas raízes até hoje

Em homenagem ao dia 29 de agosto, dia nacional da Visibilidade Lésbica desde 1996, o Portal Vermelho traz um estudo do Instituto Federal do Ceará e da Universidade Estadual do Ceará (UECE) que conta um pouco da história da homossexualidade feminina no Brasil e suas lutas

Por Alessandra Monterastelli *

Passeata pela visibilidade lésbica

A pesquisa, elaborada pela professora e doutora Cláudia Freitas de Oliveira, conta um pouco da trajetória da luta pela visibilidade lésbica no Brasil. Segundo ela, a problemática da lesbianidade na história do Brasil está vinculada a sua invisibilidade, o que provoca consequências tanto históricas quanto sociais e políticas. “Apesar do tema da homossexualidade ter encontrado espaço no meio acadêmico brasileiro durante as últimas décadas, o foco da atenção produzida por pesquisadores situa-se predominantemente relativo à questão masculina”.

A demora na colocação da mulher como foco de estudos, para ela, está diretamente relacionada com os traços de uma cultura misógina cujos traços se mantém na contemporaneidade.

O Brasil Colonial e o discurso da igreja

A autora traz alguns dados interessantes: durante a visitação do Santo Oficio, de 1591 a 1595, foram registrados 130 casos de homossexualidade com a abertura de processos contra o crime de sodomia. Destes, 101 cometidos por homens e 29 por mulheres. “A maioria dos teólogos, mesmo quando admitia que também as mulheres podiam ‘unir-se torpemente umas com as outras’, escusava-se de examinar a matéria em detalhe (..) afinal, se as mulheres não tinham pênis, como poderiam praticar a sodomia? ”, vê-se, pela fala do historiador Ronaldo Vainfas presente no estudo, como o sexo entre duas mulheres já não era visto com importância digna de matéria de estudo.

A historiadora Minisa Napolitano reitera, em sua fala: “fazia-se distinção entre dois tipos de sodomia, a própria, praticada por homem com homem ou homem com mulher e a sodomia imprópria, praticada entre duas mulheres”. A prática da lesbianidade teria deixado de ser tratada como crime e foi retirada da categoria de sodomia somente em 1646, passando a ser vista como pecado.

Claudia Freitas faz a observação de que na tradição misógina da Igreja “sequer abriram-se numerosos processos contra as mulheres lésbicas porque seus atos não eram considerados a altura e não representavam a mesma gravidade dos crimes e pecados cometidos pelos homens”. A autora reflete sobre o peso da invisibilidade histórica, para além da difamação e do preconceito: “uma das consequências do desinteresse da igreja pelas lésbicas foi sua grande invisibilidade enquanto sujeitos históricos, mesmo que adjetivadas pejorativamente e consideradas pecadoras ou criminosas”.

Essa falta de interesse pela relação entre mulheres influenciou, inclusive, em indefinições quanto a conceituação de seus atos. “A sexualidade lésbica não existia, nem mesmo as lésbicas, terminologicamente falando. Essa palavra não foi usada habitualmente até o século 19”.

Contudo, mesmo minimizadas, as relações entre mulheres existiam e adentravam, ainda que pouco, nos discursos eclesiásticos. As lésbicas eram muitas vezes narradas como pessoas de sexualidade indefinida, já que, se as mulheres invertessem a conduta que lhes era socialmente exigida, “agindo como homens” aos olhos da sociedade, eram logo tratadas na crônica popular como “machos”.

A autora critica a tentativa de Vainfas de apresentar explicações dos motivos pelos quais uma mulher mantinha relações com outra mulher na época colonial. Entre elas, constaram “brincadeiras pueris”, como forma de manter a “honra de sua virgindade” e para compensar a decepção de casamentos. “A documentação histórica e a narrativa do historiador parece, resistir à ideia de que as relações entre mulheres se davam pela simples motivação de que elas sentiam desejos entre si”, critica.

No final do século 16, o escritor francês Pierre Bourdeille teria dito que “algumas mulheres relacionavam-se entre si para não perder a arte de fazer amor com homens, porque esse exercício não passava de uma aprendizagem para alcançar o amor maior dos homens”.

A autora, diante dessas afirmações estreitamente ligadas ao machismo e ao falocentrismo (convicção na qual o falo representa valor significativo fundamental, baseada na superioridade masculina), destaca a resistência em admitir a possibilidade de mulheres procurarem outras mulheres para manter relação homoerótica, momentânea ou duradoura, pela única motivação de quererem vivenciar essas relações.

Por fim, ressalta uma ironia: “se os processos não tivessem sido abertos, provavelmente, suas
relações (de lésbicas) ficariam restritas ao universo cotidiano, e suas existências seriam muito difíceis de serem historicizadas”.

Os discursos médicos do século 19

Neste período o discurso da igreja perde espaço para o discurso cientifico, sempre dominado por homens. A influência de campos que ditavam normas de condutas e comportamentos a serem seguidos pelas mulheres, como a da medicina e do direito, crescia.
A homossexualidade, tanto masculina quanto feminina, sai da ótica do pecado e passa a ser vista como doença.

No que se referem às mulheres, Claudia Freitas destaca que os médicos apontavam como causas para a homossexualidade lesões e enfermidade genitais, histeria, masturbação e a própria menstruarão, que, em palavras do médico Antônio Peixoto, “era o momento mais propicio para as mulheres manifestarem problemas de ordem mental”, deixando clara a tentativa de comprovar uma falsa incapacidade intelectual feminina, baseada em estudos falhos, que hoje ainda serve de argumento para discursos machistas.

Torna-se muito válida a conclusão da pesquisadora: “embora as teses médicas brasileiras tivessem objetivos pretensamente científicos, racionais e neutros, observamos que elas estavam permeadas por julgamentos de valor e condenação moral e subjetiva”, e completa que “muitos médicos não apenas descreviam as práticas sexuais vivenciadas entre mulheres, mas as nomeavam de maneira tendenciosa e pejorativa”.

A luta continua

O texto de Claudia Freitas ajuda a entender as raízes da luta por visibilidade das lésbicas, além de sua importância nos dias atuais.

É importante que produções tanto culturais quanto acadêmicas sejam criadas e divulgadas, para se possa entender melhor a história de grupos sociais, sua luta por direitos e o caminho trilhado pela sua existência, para definir uma trajetória a partir de seu passado. Com as lésbicas não é diferente, assim como todo o movimento LGBT.

Abaixo um vídeo de Louie Ponto formado por diversos depoimentos de mulheres lésbicas, que contam das dificuldades a serem enfrentadas diante da sociedade, assim como a beleza, a maravilha e o ato revolucionário que é amar outra mulher:

Confira, ainda, a terceira edição do Jornal Chana com Chana, disponibilizada pelo Acervo Bajubá. A edição especial de aniversário traz a matéria "Galf: A História de um Grupo de Mulheres Lésbicas" com fragmentos da memória do movimento sapatão brasileiro.