Temer faz novo decreto que mantém mineração em zona da Amazônia

Texto só detalha salvaguardas previstas na lei para exploração de área antes restrita a pesquisa. Ambientalistas temem impacto em região do tamanho do Espírito Santo que abriga terras
indígenas.

Por Heloísa Mendonça*

Floresta Amazônica no Pará - YASUYOSHI CHIBA (AFP)

Fortemente pressionado pela repercussão negativa do decreto que liberou a exploração da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), na Amazônia, para a mineração privada, o governo de Michel Temer resolveu revogar a decisão e publicar um novo texto para “clarificar” o assunto. O novo decreto, no entanto, apenas detalha algumas salvaguardas já previstas na legislação brasileira, mas não modifica o cerne da polêmica: a área, antes legalmente reservada a pesquisas do Estado, se tornará aberta à atividade de mineradoras privadas, com potencial de pressionar áreas de conservação ambiental e terras indígenas da zona.

Dentro da Renca, uma área de 46.450 quilômetros quadrados do tamanho do estado do Espírito Santo, estão nove áreas de conservação ambiental e reservas indígenas. Até então, somente a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), uma empresa pública pertencente ao Ministério de Minas e Energia, podia fazer pesquisa geológica para avaliar as ocorrências de minérios neste território com alto potencial de ouro e outros metais preciosos.

No texto publicado nesta segunda-feira em edição extra do Diário Oficial, o governo ressalta que está proibida a exploração mineral nas áreas de unidades de conservação, reservas ambientais estaduais e indígenas dentro da Renca. O decreto ainda proíbe pessoas que desmataram ou exploraram ilegalmente a terra de ter sua situação regularizada e receber o direito a novas lavras. O governo determinou ainda a criação de um Comitê de Acompanhamento das Áreas Ambientais da Extinta Renca.

Os ministros do Meio Ambiente, Sarney Filho, e de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, foram os incumbidos pelo governo para tentar amenizar a polêmica sobre a questão e garantir que não haverá prejuízo ambiental. “Seria um desserviço à política ambiental se não fizéssemos um novo decreto para deixar nítido para as pessoas que esse decreto não iria afrouxar regras ambientais nem interferir nas unidades de conservação”, disse o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, em coletiva de imprensa em Brasília. “Com essas decisões vamos ter responsabilidade na região e não vai acontecer um desmatamento desenfreado conforme era nosso receio”, acrescentou.

A gestão Temer também ressaltou que empresas interessadas em explorar as minas da região terão que apresentar planos de controle ambiental, aproveitamento econômico sustentável, recuperação de área degradada e contenção de danos. O temor dos ambientalistas e especialistas, entretanto, é que, mesmo assim, a exploração de minério tenha um forte impacto em toda região.

Na avaliação do ambientalista Carlos Eduardo Young, além do impacto gerado pela extração dessa área e o aumento dos riscos de desastres como o que aconteceu em Mariana, um perigo maior para o entorno será o escoamento do minério. “Será preciso, provavelmente, uma ferrovia. E aí moram todos os problemas ligados às grandes obras. Será preciso uma grande quantidade de mão de obra de baixa qualidade e masculina. Tudo que acontece numa barragem, vai acontecer ali: alcoolismo, prostituição, mães solteiras, além de abrir novos caminhos, desmatar uma mata que está fechada”, afirma.

Para o ambientalista, não há mudanças reais no novo decreto, apenas explicações que já estão na legislação. “A única novidade é um órgão extremamente consultivo, um comitê de acompanhamento criado dentro do governo com representantes do Pará e do Amapá, mas sem nenhum envolvimento da sociedade civil. Na minha visão um grupo chapa-branca, associado à cúpula que atende a interesses privados”, explica.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) concorda que a essência do texto não foi alterada e que o anúncio de Michel Temer é apenas uma estratégia para enganar a sociedade brasileira e a comunidade internacional. Na semana passada, o senador chegou a protocolar um Projeto de Decreto pedindo a suspensão da portaria que extingue a Renca. “Não tem como ter mineração não ser devastada e os rios não serem devastados. Ele anuncia que vai manter a extinção da Renca, mas vai estabelecer critérios. É uma forma de tentar minimizar a pressão. Temos que reforçar a pressão, porque o decreto não muda nada”, afirmou a jornalistas.

Protestos nas redes

Desde o anúncio do decreto na semana passada, artistas e celebridades começaram uma mobilização nas redes sociais pedindo que a população proteste e assine abaixo-assinados contra a decisão de Temer sobre a Renca. A modelo Gisele Bündchen, bastante ativa sobre assuntos ligados ao meio ambiente, foi uma das primeiras a se pronunciar sobre o assunto. Ela disse, em sua conta no Twitter, que a medida é “uma vergonha”. “Estão leiloando a nossa Amazônia”, escreveu. Os cantores Caetano Veloso e Anitta também publicaram mensagens nas redes sociais com a hashtag #TudoPelaAmazonia.