A paz é a mais bela das tarefas que nos espera, dizem as Farc

Neste domingo (27), os milhares de guerrilheiros das Farc iniciaram um Congresso – realizado pela primeira vez fora da clandestinidade e em área urbana – do qual só sairão com o anúncio do nome e do programa de um novo partido político. Trata-se do último passo de transição da guerrilha para o campo democrático da Colômbia.

Rodrigo Lodoño - Timoleón Jiménez - Divulgação

O Estado Maior Central das Farc emitiu um comunicado onde anuncia que construir a paz será a “mais bela tarefa” dos ex-guerrilheiros. Com serenidade e muita firmeza, os comandantes anunciam que caberá ao novo partido estar ligado às lutas populares em busca do bem-estar e justiça social.

Sabem, porém, que esta não será umatarefa fácil e têm consciência do desafio que está por vir. Nada é fácil no mundo político, muito menos a atividade revolucionária. O regime e o sistema não foram feitos para nós, mas estamos imersos neles e dispostos a muda-los. Exigiremos de cabeça fria e de forma consistente que nos deem respaldo em todos os espaços”, diz o comunicado.

Leia o documento oficial na íntegra:

Camaradas, 

Ao nos reunirmos neste congresso, com o propósito de fundar o novo partido político que apresentaremos ao povo colombiano, estamos dando um passo transcendental na história das lutas populares da Colômbia.

As Farc-EP, o glorioso movimento armado revolucionário nascido em 27 de maio de 1964, nos transformaremos, a partir deste evento, em uma nova organização exclusivamente política, que exercerá sua atividade por meios legais. Isto não significa que renunciaremos de algum modo a nossos fundamentos ideológicos ou o projeto de sociedade.

Seguiremos sendo tão revolucionários como os marquetalianos [referência aos camponeses de Marquetália, atacados por uma ação militar norte-americana em 1964], persistiremos em recorrer às bandeiras bolivarianas e às tradicionais libertárias de nosso povo para lutar pelo poder e levar a Colômbia ao exercício pelno de sua soberania nacional, e a fazer vigente a soberania popular. Continuaremos lutando pelo estabelecimento de um regime político democrático que garanta a paz com justiça social e respeito aos Direitos Humanos e um desenvolvimento com bem-estar para todos que vivem na Colômbia.

Assim estabeleceu nossa oitava conferência ao corrigir e ampliar o Programa Agrário e tais previsões seguirão sendo parte de nosso arsenal ideológico e político.

Simplesmente agora cumpriremos as conclusões aprovadas por nossa décima conferência. Sua declaração política foi nomeada de “Acabou a guerra, vamos todos construir a paz” e através dela conseguimos que o Acordo Final de Havana contivesse o mínimo necessário para dar continuidade através da via política a nossas aspirações históricas para a transformação da ordem social vigente.

E por tal razão decidimos oferecer todos os preparativos necessários para a transição de nossa estrutura político-militar até um novo partido político. Dificuldades conhecidas na implementação impediram que este Congresso se celebrasse no mês de maio. O fizemos três meses depois, com a mesma meta traçada pela Conferência, dar continuidade a nossos propósitos políticos de caráter estratégico pela construção social do poder par ao povo.

Como sempre fizemos as Farc, aos nossos adversários em um e outro extremo do espectro político responderemos sempre com fatos, sem a necessidade de nos envolvermos em debates complicados. Nosso melhor argumento será as massas organizadas e em movimento nos mais diversos cenários, enfrentando com verdadeiro talento o regime o sistema.

Se nosso compromisso é oferecer nossa força e energia pela unidade dos setores progressistas, democráticos e revolucionários do país, dos movimentos políticos e sociais e das múltiplas organizações setoriais e reivindicativas em nível nacional, regional e local, teremos que tomar consciência real da amplitude com que devemos nos dirigir à nação, sem dogmas nem sectarismos, afastados de toda ostentação ideológica, com propostas claras e simples.

Isso deverá estar manifestado em nosso nome, em nossos símbolos, em nossa atitude, em nossa maneira de lidar com o povo, em nossas plataformas e programas. A Grande Convergência Nacional, com a que pretendemos criar poder a partir das bases e disputar os espaços institucionais, só serão possíveis se atuarmos com modéstia, sem soberba, com respeito pelos demais. Não necessitamos ser convencidos de que somos revolucionários, mas sim somar mais e mais gente ao processo pelas grandes transformações do país.

Nas marchas guerrilheiras costumávamos enfrentar enormes desafios, que uma vez contornados nos permitiam apreciar para além deles, em direção a novos caminhos que nos esperavam. É assim que devemos considerar o passo que estamos dando. Superamos, fundamentalmente, o obstáculo da guerra, celebramos este Congresso publicamente e na capital do país, uma vitória real impensável anos atrás. Temos pela frente grandes desafios e múltiplas dificuldades.

Nada é fácil no mundo político, muito menos a atividade revolucionária. O regime e o sistema não foram feitos para nós, mas estamos imersos neles e dispostos a muda-los. Exigiremos de cabeça fria e de forma consistente que nos deem respaldo em todos os espaços. Nossa missão fundamental será conquista-los, sem eles o adversário fará o que quiser conosco, sem eles não conseguiremos mudar nada.

Façamos deste um Congresso histórico, do qual saiamos mais unidos que nunca para realizar com nossos sonhos. É urgente compreender e assumir a dimensão política estratégica do passo que estamos dando. Não se trata de sonhar voltando os olhos ao passado, mas sim extrair dele a experiência acumulada com vistas a construir um futuro melhor para nosso povo. A paz terá que ser uma realidade certa na Colômbia, uma bela tarefa nos espera.

Estado Maior das Farc

Bogotá, 27 de agosto de 2017.