Tânia Bacelar: "As bases industriais estão de pé"

A sofisticação produtiva da região nos últimos anos viabiliza um novo ciclo de crescimento, acredita a economista.


Tania Barcelar

 Especialista em desenvolvimento regional, a economista Tânia Bacelar estuda a Região Nordeste desde 1966, quando ainda era estudante universitária e ingressou na Sudene. Em sua visão, a sofisticação industrial nordestina, com a atração de investimentos petroquímicos e autopeças, foi paralisada com a crise, mas as sementes sólidas poderão render frutos com a retomada da economia.

O movimento da União e de estados e prefeituras para executar concessões e Parcerias Público-Privadas precisa, porém, ser conduzido com inteligência. A densidade econômica e a renda da população, mais baixas, exigem uma reflexão sobre prazos de concessão mais extensos ou subsídios em alguns casos. Na entrevista a seguir, a economista também fala da crise brasileira.

CartaCapital: O Nordeste é a região mais afetada pela crise nos últimos três anos, com a maior perda de empregos formais. Isso se combina com os efeitos da seca histórica. A região deve sofrer nova queda do PIB neste ano e em 2018?

Tânia Bacelar: A crise é resultado da queda do consumo, do fim do ciclo de investimentos, da seca histórica e dos efeitos da Operação Lava Jato sobre as empreiteiras e sobre a Petrobras, que era um dos principais agentes dinâmicos e que suspendeu a construção de refinarias no Ceará e no Maranhão e completou apenas parte da refinaria em Pernambuco. A queda do preço do petróleo ainda prejudicou o setor de óleo e gás, que, por sua vez, derrubou os estaleiros.

A expansão recente do Nordeste estava ligada ao consumo e a investimentos, como os da Fiat, Ford, Basf, de petroquímica e siderúrgicas. A política de aumento do salário mínimo teve impacto sobre a grande maioria dos ocupados, o que trouxe investimentos, entre eles os centros de distribuição e as fábricas de bens de consumo, como da Natura e da BRF.

Quais os entraves atuais?

A renda média do Nordeste é metade daquela do Sudeste. O limite de endividamento é menor. Há uma crise de consumo, que limita o mercado que estava em expansão, aliada à de investimentos, seja pelo fato de grandes projetos, como o da ferrovia Transnordestina, terem sido paralisados, seja porque as empresas de bens de consumo ainda não têm clareza sobre a recuperação da economia. A perda de empregos, que é mais sentida aqui nos empregados de carteira assinada e é a mais alta do País, é reflexo da crise no setor da construção, seja porque grandes obras não foram concluídas ou estão paradas, seja porque a escassez de crédito dificulta a retomada do setor imobiliário. Essa conjuntura é bastante desafiadora e exige tempo para ser resolvida.

Nos últimos anos, a região passou por um processo de sofisticação de sua economia, como a atração de uma nova siderúrgica para o Ceará, novas montadoras de automóveis e fabricantes de bens de consumo. Isso se perde?

As sementes plantadas são sólidas e poderão render novos frutos. O Nordeste aumentou sua participação nos desembolsos do BNDES em uma década e meia, de 5% para 15%. A participação regional no PIB nacional, que caiu para 12,5% na década de 1990, voltou a 13,5%, mesma marca dos anos 80. A Basf fez um investimento inédito, no Polo de Camaçari, para produzir ácidos acrílicos pela primeira vez no Hemisfério Sul. Ford e Fiat investiram em plantas aqui e continuam a produzir. Veja a pauta exportadora de Pernambuco.

Historicamente, o açúcar era o produto mais exportado pelos portos locais. Hoje, ele está em quinto lugar. Atualmente, Pernambuco também vende petroquímicos e automóveis, mudou e melhorou a sua pauta. A crise freou a sofisticação da indústria da região, mas nem tudo está perdido, ela poderá ser retomada. As empresas não foram embora, continuam aqui.

Muitos estados buscam realizar concessões e PPPs, casos do Maranhão com os presídios, o Piauí com o projeto de VLT em Teresina, a Bahia com projetos de mobilidade urbana e hospitais. É uma nova tônica?

É um movimento nacional, fruto da crise fiscal que atinge as esferas de poder e da queda do investimento público. Há defasagens na infraestrutura nacional e uma tendência de que haja uma parceria entre o poder público e a iniciativa privada. Mas isso levanta um questão. O Brasil tem desigualdades regionais. A densidade econômica e a renda média do Nordeste são diferentes das apuradas no Sul e Sudeste.

A taxa de retorno e a rentabilidade dos projetos têm de ser consideradas sob esse prisma, o que abre um debate: a política de concessões tem de considerar uma dimensão regional? Tem de ter algum tratamento diferenciado? Quando Dilma Rousseff apresentou os projetos de concessão de transportes, a maioria desses projetos parava ali na Bahia, onde a renda é mais alta. É preciso tratamento diferenciado nos projetos do Nordeste? Prazos de concessão mais longos? Subsídios? Taxas de retorno mais baixas?

Quais investimentos na região ainda poderão trazer alento para a economia local nos próximos anos?

A transposição do Rio São Francisco não está concluída ainda. O Eixo Leste foi entregue, o Eixo Norte está em execução, mas os canais de distribuição, em sua maioria obras dos estados, ainda não foram feitos. Esse sistema de adutoras é que permitirá levar mais água à população, senão a obra não faz sentido. Em saneamento, as carências são enormes, as perdas na rede são muito grandes.

A infraestrutura logística da Região Nordeste ainda é muito frágil. A ferrovia Transnordestina ainda precisa ser concluída, e a ferrovia de Integração Oeste-Leste, na Bahia, também. Há diversos grandes projetos que poderão dar alento à economia local.