Rita Kehl fala sobre a passividade do brasileiro que não se rebela

Editora do jornal Movimento, um dos mais importantes títulos do jornalismo alternativo, durante o regime militar no Brasil, a psicanalista Maria Rita Kehl traça o perfil de um país que, pouco mais de um ano antes, foi submetido a um golpe de Estado. Ao longo desse período, mesmo diante de um cenário de desmonte de direitos e franca repressão à mídia independente, não há grandes mobilizações nas ruas. O sentimento é de paralisia e frustração.

Maria Rita Kehl

Rita Kehl conversou com a jornalista Marilu Cabañas, em um programa da Rádio Brasil Atual, na capital paulista. Ela comentou as circunstâncias que levaram o país à aparente rendição diante das forças de ultradireita que dominam a política nacional. Questionada sobre a passividade da população perante diversas medidas do governo Temer, Kehl ponderou que talvez os brasileiros estejam “atônitos”.

A passividade impera nas ruas vazias, onde sequer o risco de perder a maior conquista do povo brasileiro em séculos, que é a soberania sobre o petróleo, leva o povo às ruas.

“Não sei se as pessoas estão passivas ou anestesiadas, a impressão que tenho na rua é que as pessoas estão furiosas com todas as perdas de direitos, com a crise econômica e as saídas impopulares do governo Temer. Mas estão um pouco sem opção por enquanto”, destaca. “Durante um tempo as pessoas ficam paralisadas, mas espero que isso não dure muito.”

Cara de pau permanente

A psicanalista ressalta o “cinismo das autoridades que estão no governo”, afirmando que o presidente Michel Temer tem uma “cara de pau permanente”, sempre com a expressão constrangida. Para ela, o PMDB foi um dos principais agentes do processo que levou ao atual cenário de crise política.

“Dilma estava sitiada pelo PMDB e não tem o jogo de cintura que o Lula tinha para negociar. Quem aceitou a aliança com o PMDB foi o Lula”, lembra, recordando que um grupo de intelectuais paulistas chegou a cobrar o líder petista a respeito da aliança com os peemedebistas.

“Ele (Lula) explicou, como um sindicalista negociador, que sem o PMDB até poderia se eleger, mas não governava, porque já tinham sitiado o Congresso. Entendeu que tinha que fazer a aliança, mas, com a grande habilidade que tem, conseguiu colocar o PMDB em suas mãos”, descreve, anotando que a ex-presidente Dilma Rousseff “foi vítima da própria base de apoio”. “O problema não foi o PSDB e os partidos mais à direita, foi o abandono do PMDB. Com o argumento da pedalada fiscal, Dilma, sem conseguir conchavar, caiu.”

Para ela, parte dos motivos que mina a possibilidade de haver grandes mobilizações populares se relaciona à falta de informação. “As grandes manifestações de rua têm a ver com questões claras para o povo. Não sei se as pessoas que leem jornal correndo ou que nem têm tempo de ler e acompanham o noticiário pela televisão, que é sempre meio oficial, têm clareza do que elas perdem diretamente com as privatizações. Não sei se têm clareza da importância de se ceder uma área da Amazônia para ruralistas."

A falta de lideranças é outro fator que corrobora o quadro de desmobilização, aponta Kehl, citando o cerco sofrido pelo ex-presidente. "Com Lula acuado, quem é o grande líder para levar gente pra rua?", questiona.

Entretanto, Maria Rita Kehl avalia que a submissão dos brasileiros ao golpe de Estado está com os dias contados.

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