Execução do ator do filme Pixote pela polícia faz 30 anos

Nesta sexta-feira (25) faz exatamente 30 anos do assassinato do ator Fernando Ramos da Silva, que interpretou o personagem-título do filme Pixote, a Lei do Mais Fraco (1980). E também faz 30 anos que a família de Fernando espera por indenização pela sua morte.

Por Verônica Lugarini*

Pixote - Ayrton de Magalhães

Selecionado pelo diretor do filme, o argentino Hector Babenco, Fernando não era ator, mas sim um excluído social, da região de Diadema, que começou sua curta carreira em um longa-metragem que retrata uma ficção que para ele era realidade. O filme que apresenta o cotidiano de jovens infratores, egressos de um reformatório, pelas ruas de São Paulo. 

Assim como no filme Cidade de Deus, Fernando havia sido selecionado entre 1.300 outros meninos para atuar. Após Pixote, ele chegou a fazer alguns outros papéis pequenos, mas a fama momentânea alcançada por ele não teve continuidade e, em uma tarde de terça-feira, no dia 25 de agosto de 1987 chegou a notícia: um rapaz de apenas 19 anos chamado Fernando Ramos da Silva, foi morto com quatro tiros no peito.

Fernando estava com 19 anos, e foi morto por tiros disparados à queima-roupa, de três revólveres calibre 38 de propriedade do governo do Estado de São Paulo, mais especificamente, usados por um sargento e dois soldados do Tático Móvel da Polícia Militar.

A polícia na época afirmou ter perseguido dois assaltantes até um barraco numa periferia miserável da maior cidade brasileira. Um deles se entregou, o outro enfrentou os policiais a bala e foi morto no tiroteio.

Em 1992, depois de algumas audiências, ficou comprovado que Fernando havia sido executado, e com isso a viúva, Cida Vinâncio, entrou com o pedido de indenização. Na época, a filha do casal tinha quatro anos, e até hoje ela não recebeu o resultado do pedido, segundo informações de uma reportagem da Rede Record.

A família do ator Fernando Ramos da Silva espera por indenização há 30 anos.

Em entrevista à Carta Capital, Cida informou que os policiais que mataram seu companheiro o tratavam como um bandido. “Quando o mataram, eles pensaram que estavam tirando de circulação um bandido perigoso”. Ela ainda diz que nada mudou e que “continuam todos os dias a matar outros pixotes menos famosos”.

No ano de 1996, a trajetória de Fernando foi retratada no filme “Quem matou Pixote?”, de José Joffily, sob uma perspetiva sociológica. Nos livros a história de Pixote também foi contada em “Pixote, nunca mais”, da viúva Maria Aparecida Venâncio, e “Pixote, a lei do mais forte”, de José Louzeiro.

É nesta sexta-feira (25) que relembramos o caso, mas infelizmente, a realidade ainda é exatamente igual 30 anos depois.

Da mesma forma como aconteceu com o jovem ator de Pixote, milhões de meninos e adolescentes brasileiros são baleados por uma Polícia Militar que adquiriu papel de extermínio na sociedade.

Ainda nessa semana, foi possível comprovar isso com as declarações polêmicas do novo comandante das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), o tenente-coronel Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo.

O comandante disse abertamente em entrevista ao portal de notícias do Uol que a “abordagem nos Jardins tem de ser diferente da periferia”. Segundo Douglas Belchior na matéria “Declaração do comandante da Rota reautoriza a violência policial” do Portal Vermelho, a sua verbalização fortalece, reafirma e reautoriza a prática abusiva dos policiais e incentiva que o policial aja de forma ainda mais violenta na periferia.

São 30 anos de estagnação da sociedade brasileira, com novos Pixotes e novos Fernandos todos os dias, mas com uma polícia que sai impune dos seus crimes há 30 anos. 

Confira a matéria da Ponte Jornalismo sobre a execução do ator Pixote pela PM:

A viatura lotada com seis homens, após no início do turno a viatura 06373 ter colidido contra outro carro no centro de Diadema, caça os suspeitos de cometerem tal delito.

Após percorrer cerca de 4 quilômetros pelas ruas de Diadema, os PMs a bordo da veraneio avistam dois jovens num barranco à beira do quilômetro 16 da Rodovia dos Imigrantes. Lá estavam Fernando Ramos da Silva, 19 anos, e Marcelo Bicalho, com então 16 anos. Ao avistar os PMs, os dois correm para dentro da favela da Vila Ester, no Jardim Canhema, onde moram.

Bicalho estava foragido da Febem (Fundação para o Bem Estar do Menor – hoje, Fundação Casa), já Ramos da Silva, era conhecido dos policiais da região, além de ter sido protagonista do filme lançado em 1981 e premiado internacionalmente, sendo par de atrizes e atores consagrados como Marília Pera, Jardel Filho e Tony Tornado, ele havia participado no mesmo ano da novela “O amor é nosso”, da TV Globo, e já havia ficado preso por duas vezes: uma por furto de uma TV quebrada, levada da casa de um comerciante, e outra por portar um revólver. Ambas as vezes não ficou sequer uma semana na cadeia.

Antes de alcançar o final do barranco, Bicalho é detido pelos três PMs da viatura 06374. Os outros três PMs que haviam batido com a viatura 06373 seguem no encalço de Ramos da Silva, que constantemente reclamava para a família, os vizinhos e para imprensa da constante perseguição da polícia. Ao chegar à rua 22 de Agosto, a primeira após o barranco e já próximo a sua residência, ele busca abrigo na casa número 6, uma espécie de moradia coletiva. Amigo do esposo da vizinha, ganha um cigarro; logo atrás estão de arma em punho o sargento Francisco Silva Junior, 23 anos, e os soldados Wanderley Alessi, 25, e Walter Moreira Cipolli, 23.

A última cena de Ramos da Silva, já que a vida imite a arte, é se esconder embaixo de um estrado, que com um fino colchão por cima servia de cama para uma idosa. O esconderijo logo foi descoberto. Testemunhas disseram à época que um dos PMs dissera “achei você, agora você não escapa, Pixote”, em clara demonstração de que sabiam quem era seu perseguido. Acuado, as últimas palavras do ator teriam sido: “não me matem, por favor não me matem, eu tenho uma filha para criar”. A filha Jacqueline Ramos da Silva, havia nascido em 1985 fruto de seu casamento com Cida Venâncio.

Os vizinhos contam que Fernando não teve tempo nem de terminar a frase, sendo baleado oito vezes. Os tiros acertaram o coração, tórax e o braço, em evidente defesa. Empurrado para fora da casa, os PMs alegam legítima defesa, e, após clamor dos vizinhos, socorrem o jovem até o Pronto Socorro de Diadema, que o recebeu morto. No 3° DP da cidade, os PMs apresentam como sendo de Ramos da Silva um revólver Smith & Wesson, calibre 32, com 4 disparos deflagrados.

Segundo testemunhas era impossível o rapaz estar armado. Enquanto corria, sua camiseta larga branca era erguida ao corpo e em sua cintura nenhum volume ou arma. O rapaz também vestia uma calça jeans e um tênis. A fisionomia magra do jovem contrastava com a barba rala que ostentava para deixar uma aparência de mais velho.

Após repercussão na mídia internacional, com um obituário de 38 linhas no jornal americano The New York Times, os PMs confessaram a farsa e disseram que mataram Pixote. Também disseram que “fizeram a arma”, ou seja, dispararam um revólver frio a esmo enquanto levavam, já morto, o jovem ao hospital. Somente naquele ano, entre janeiro e agosto, 190 pessoas haviam sido mortas em supostos confrontos com a polícia no município, que ostentava uma das maiores taxas de mortes do Brasil.

Fernando Ramos da Silva foi enterrado em 27 de agosto, com a presença de mil pessoas no cemitério municipal de Diadema, que preserva até hoje uma foto do rapaz em sua lápide. Há no Centro de Diadema um CAPS (Centro de Atendimento Psicossocial Alcool e Drogas), mantido pela prefeitura com o nome do ator.

Assista o trailler do filme "Pixote, a lei do mais fraco":