Declaração do comandante da Rota reautoriza a violência policial

De acordo com Douglas Belchior, que constrói a Frente Alternativa Preta e é fundador da Uneafro, as falas do novo comandante da Rota são extremamente graves porque, embora esse já seja o tratamento da Polícia Militar na periferia de São Paulo, a verbalização do modo operacional contra pobres e negros funciona como potencializador da repressão policial nesses territórios.

Por Verônica Lugarini*

Araújo Mello, comandante da Rota - Reprodução de vídeo

Nesta quarta-feira (23), o tenente-coronel Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo, novo comandante das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), concedeu uma entrevista ao portal de notícias UOL onde declarou que a “abordagem nos Jardins tem de ser diferente da periferia”.

"É uma outra realidade. São pessoas diferentes que transitam por lá. A forma dele abordar tem que ser diferente. Se ele [policial] for abordar uma pessoa [na periferia], da mesma forma que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins [região nobre de São Paulo], ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado", disse. "Da mesma forma, se eu coloco um [policial] da periferia para lidar, falar com a mesma forma, com a mesma linguagem que uma pessoa da periferia fala aqui no Jardins, ele pode estar sendo grosseiro com uma pessoa do Jardins que está ali, andando", complementou. "O policial tem que se adaptar àquele meio que ele está naquele momento", argumentou em entrevista ao UOL.

Foram várias as declarações polêmicas que demonstraram o racismo institucional e o caráter seletivo das abordagens e ações da polícia frequentemente em bairros pobres. Isso em um país onde 2 em cada 3 mortos em supostos confrontos com a polícia são negros, segundo levantamento da Ponte Jornalismo com dados de janeiro a abril deste ano.

Segundo Douglas Belchior, as declarações do comandante são extremamente graves por três motivos: “o primeiro porque – embora o que o comandante diga já seja uma realidade entre os pobres e negros – a sua verbalização fortalece, reafirma e reautoriza a prática abusiva dos policiais. Mesmo não sendo uma orientação formal para que o policial aja de forma ainda mais violenta na periferia, ele está dizendo isso subjetivamente”, explicou Belchior em entrevista ao Portal Vermelho.

Belchior também destacou um segundo aspecto preocupante nas falas de Mello Araújo: a sua tranquilidade durante toda a sua entrevista, o que representa um pensamento já enraizado na instituição militar.

“Ele é muito sereno todo o tempo, não tem ódio no olhar e é alguém que exige honestidade durante suas falas. Além disso, o comandante parece ser tolerante e progressista dentro de casa ao dizer que deseja que os filhos sejam felizes, independente da escolha profissional, o que torna tudo pior, pois isso demonstra que suas falas são extremamente naturais e já estão estabelecidas há muito tempo. Dessa forma, ele banaliza e naturaliza uma ideia de que existem cidadãos de segunda classe, que merecem ser tratados de forma mais violenta. E essa atitude acaba sendo uma expressão do tempo em que vivemos”, disse o fundador da Uneafro.

Em terceiro lugar Belchior analisou outra fala do comandante. Ele declarou que cada sociedade tem a polícia que precisa.

“É obvio que um país que tem uma herança de escravidão, que construiu estereótipos, que criou uma sociedade violenta – como é a nossa realidade – quando tem a polícia que o comandante diz ser necessária, acaba se criando um Estado de barbárie. Com isso, uma polícia que deveria garantir a igualdade, justiça e segurança faz exatamente o contrário, cria um ambiente ainda mais injusto, cruel e desigual”, destacou.

Postura e repercussão

Após a repercussão da entrevista, Mello Araújo tentou reverter a situação declarando que a atuação do policial é padronizada e que apenas a linguagem muda de acordo com a pessoa abordada.

“A abordagem, não só da Rota, mas da Polícia Militar, ela é padronizada. Nós temos procedimentos operacionais padrão. E explica, desde quando o policial ingressa na corporação, de como fazer essa abordagem. Então, a abordagem é padronizada, não só na Rota, na polícia inteira. Em qualquer local, ela é feita da mesma forma. Eu posso fazer uma abordagem na zona sul, na zona leste, na zona centro, ela é padrão, ela é padronizada", disse o comandante em relativização da afirmação.

Para Belchior, a declaração confirma a denúncia que movimentos negros e da periferia vêm fazendo há anos.

“Precisamos ser incisivos nesse momento e exigir não só uma retratação da Rota e do governo, mas também o debate na sociedade e, principalmente, a demissão do comandante da Rota porque ele não tem condição moral para continuar no cargo, afinal, não é possível ter alguém que incentive o crime da polícia na periferia, ou seja, a prisão arbitrária, tortura e morte”, finalizou Belchior.

Bolsonaro

Ainda durante entrevista, o comandante Mello Araújo, declara voto ao candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e argumenta: "eu não sou político, mas eu entendo que o país precisa de pessoas honestas no comando", falou o comandante.