Cinemas, crianças e urubus

Terminam as “férias de julho”. Neste período os distribuidores programam as estreias de filmes infanto-juvenis. Super-heróis como Homem Aranha e Mulher Maravilha; as sequencias de “O Malvado favorito – 3” e “Carros 3” e o violentíssimo “Transformers” monopolizam as salas e sobra pouco espaço para as nossas produções. Mesmo assim, tivemos duas estreias no gênero: “As aventuras do jovem Colombo”, de Rodrigo Gava e “D.P.A. – Detetives do Prédio Azul”, de André Pellez.

Por Vandré Fernandes*

Detetives do Prédio Azul - Divulgação

Não é de hoje que o cinema brasileiro realiza obras para os pequenos. Aliás, o retorno para os exibidores sempre foi excelente. Se pegarmos os 30 filmes nacionais de maior público na história do cinema brasileiro, vamos ver que 15 deles foram feitos para o público infantil.

Os Trapalhões cravaram 14 obras neste seleto grupo. Aliás, os maiores fracassos do Didi e sua turma ultrapassaram a marca de 1,5 milhão de espectadores, o que seria sucesso para muito filmes nacionais. O outro filme que compõe a lista é “Lua de Cristal”, no auge de Xuxa, dirigido por Tizuka Yamazaki.

Se existe um potencial para filmes infanto-juvenis brasileiros, porque não há uma frequência nessa produção? A resposta não é simples. Primeiro, competir com as produções americanas é difícil. Uma animação americana custa em torno de 100 milhões, investimento bancado pelo setor privado. No Brasil, não há uma cultura de investimento na produção do audiovisual, os recursos financeiros são praticamente todos provenientes dos editais e fundos de investimentos que ficam aquém do necessário.

Depois, tem a concorrência desleal com as cópias dos filmes. No geral, ninguém no Brasil se arrisca a fazer mais de 30 cópias. Os americanos chegam aqui com 3 mil. Além disso, as produções de Hollywood associam seus filmes a produtos para comercializar como atrações em parques, canecas e pipocas promocionais, bonequinhos em fastfood e tantas outras estratégias de licenciamento e marketing que nos dá uma lavada.

Ainda assim, nossos cineastas ainda tentam produzir obras com conteúdos bacanas para ganhar o gosto da garotada. A safra foi fértil na última década. “Eu e o meu guarda-chuva”, “O grilo feliz”, “O menino no espelho”, “O menino e o mundo”, a trilogia da indiazinha “Tainá”, a Turma da Mônica”, “O segredo dos diamantes”, e muitos outros, porém, o limite de salas e toda cultura da cadeia cinematográfica – já dita aqui, dos distribuidores e exibidores – acaba descartando a nossa produção neste gênero.

A saída encontrada para o audiovisual do universo infantil se deu graças a Lei 12.485, uma luta dura que a Agencia Nacional de Cinema e muitas organizações do movimento social encamparam para garantir uma cota mínima de conteúdos nacionais nos serviços de TV por Assinatura. Com isso, alguns canais abraçaram a ideia e passaram a exibir em suas grades desenhos e series voltados para a criançada, como o sucesso de “Peixonalta” e “Brichos”, só para citar dois.

Detetives do Prédio Azul chegou às telonas graças ao sucesso da série na TV paga. Porém, mesmo que esteja nos grandes complexos cinematográficos, seu espaço fica destinado a apenas uma sala, geralmente as menores. Por isso, é que nestas férias, as sessões do DPA esgotam com duas horas antes de começar o filme, e restava ao garoto ou garota a escolha das duas salas do carrinho McQueen, que nunca enchiam.

Já a animação do jovem Colombo não resistiu há duas semanas, tempo que já se consagrou, infelizmente, como cultura de sobrevivência do nosso cinema no mercado exibidor.

E se o problema não pode ser depositado nos outros, digo sobre a ofensiva dos filmes estrangeiros, nos faltam recursos para a produção infanto-juvenil e todo o seu caminho até a sala de projeção. Inclusive, talvez devêssemos garantir cota de tela para essas produções, mas talvez seja pedir demais.

Bem, mas para quem já foi garoto no final dos anos 70 e ficava encantado com o único desenho nacional que era veiculado na TV, na época do Natal, um comercial de apenas 5 minutos da turma da Mônica e nada mais, percebe-se que avançamos. Muito aquém do que precisamos, é verdade. Mas o cinema brasileiro forte, seja infantil ou adulto, só acontecerá quando afastarmos o fantasma do viralatismo que voltou com força. Hoje vivemos num Brasil sem graça, sem a graça dos Trapalhões.