Se é guerra, porque não se ganha nunca?

Corre no Facebook uma intensa discussão – boa parte entre jornalistas – sobre a capa do jornal Extra, que anuncia a “guerra” que vive o Rio e aponta “843 territórios” que teriam sido “perdidos para o crime”.

Por Fernando Brito*, no Tijolaço

Forças Armadas no RIo - Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo

Embora a questão seja relevante, não é absolutamente novidade.

É como guerra que a questão é tratada não agora, mas há muitos e muitos anos.

Anos? Décadas ou mais de século até.

O crime e o império que ele exerce em muitas regiões da cidade – e o medo que em toda ela espalha – tem raízes profundas que as “capinas” executadas pelas operações policiais ou militares não vão extirpar.

Aos que acham que exagero, peço que recordem a origem do nome favela – o morro onde foram amontoados os veteranos da campanha de Canudos – e, até antes disso, busquem no mapa da cidade uma encosta que leva o no me de Serra dos Pretos Forros, para onde subiram para morar os escravos libertos do Segundo Império.

Guerra e gueto são as palavras que dão boa ideia do que acontece aqui – e vai acontecer em toda parte, se é que já não está acontecendo – porque existem, a cada hora em maior ou menor escala, dependendo da crise ou da afluência econômica o talhe divisório entre o Brasil moderno e relativamente rico e o Brasil dos miseráveis, dos excluídos.

Existe uma divisão entre os “brasis” que ora é membrana, permeável, ora é parede.

Ela, como o muro de uma fronteira, é controlada pelo poder e o poder, para isso, se exerce pela polícia ou, por vezes, pelas Forças Armadas.

Mas, para que esse controle se exerça, é preciso que haja um “governo” nestes territórios excluídos, que imponha sua ordem interna e faça a drenagem de recursos – a “caixinha” – que sustente a “polícia de fronteiras”.

Ao leitor que volte a achar que eu exagero, proponho que lembre, como , há 40, 50, 60 anos atrás, era o poder do “bicho”, volta e meia com seus caixotes quebrados a pontapés e sua promiscuidade com a polícia.

Não há nada de novo sob o sol, exceto o tamanho – ou o calibre – desta história.

Nem mesmo a “tática” de enfrentar esta situação pela via das armas, exclusivamente.

Não acho que o papel da imprensa, nisso, seja o de “vigiar” se os direitos humanos são respeitados nestas operações, apenas.

Certamente é um deles.

Mas é também o de fugir do alinhamento automático com mais uma guerra e, como tantas, nunca termina e tem sempre um degrau mais brutal, se me perdoam o eco.

Temos consciência de que o discurso de guerra, quando desvirtuado, serve para encobrir a truculência da polícia que atira primeiro e pergunta depois. Mas defendemos a guerra baseada na inteligência, no combate à corrupção policial, e que tenha como alvo não a população civil, mas o poder econômico das máfias e de todas as suas articulações, diz o editorial do jornal, para explicar-se.

Francamente, como seria um discurso de guerra “virtuoso”? Bombardeios cirúrgicos? Pretender que o jovem recruta, de fuzil 7.65 não se assuste com um movimento brusco numa viela não dispare e mate uma criança que passou correndo? Crucificá-lo, por fazer o que lhe mandaram fazer, um assalto a “posições inimigas”?

Quem será o general ou jornalista que defenderá este pobre infeliz que, numa reação instintiva, pratique um ato assim, enquanto aquele que o mandou lá com armamento embalado e ordens vagas fica impune?

Claro que se exigem providencias policiais, até, eventualmente, com suporte militar. Rotas de armas, de drogas, paióis podem e devem ser enfrentados com todo o apoio que ações militares possam dar, para minimizar danos a pessoas.

Mas atribuir às Forças Armadas o papel de p0nta de lança de uma “guerra” de antemão perdida é colocar uma instituição essencial ao país no papel de “alegoria e adereço” de um desfile hipócrita.