Rafael Braga e o racismo da 'Justiça'

Violação de direitos, seletividade e racismo são os pilares da decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que negou o habeas corpus a Rafael Braga, na terça-feira (8). Na avaliação do professor de Direito Humanos da Universidade Mackenzie e doutor em Harvard Adilson José Moreira, a arbitrariedade do caso demonstra que há a intenção do Estado em prender o cidadão, independentemente das falhas da acusação.

Por Felipe Mascari, da Rede Brasil Atual

Rafael Braga

"A primeira prisão do Rafael (em junho de 2013), por porte de desinfetante, foi sem fundamento. Agora, a segunda prisão, por 'associação ao tráfico de droga', é altamente questionável. A pena de 11 anos e três meses foi exagerada e indevida. O caso de Rafael Braga expõe nosso racismo institucional, de como o Judiciário e o Ministério Público estão marcadas pelo racismo", critica Adilson.

Um dos exemplos de seletividade do Judiciário é o caso do empresário Breno Fernando Solon Borges, preso em abril com posse de 129,9 quilos de maconha e munições. Filho da desembargadora Tânia Garcia Freitas, ele acabou transferido para uma clínica psiquiátrica sob a alegação de ter transtorno de borderline, caracterizado por instabilidade emocional e impulsividade.

Rafael foi preso pelo porte de 0,6 grama de maconha, 9 gramas de cocaína e um rojão. A defesa do jovem afirma que o flagrante foi forjado e que depoimentos dos policiais são a única "prova" contra ele.

Para o especialista, a aceitação do argumento da defesa do filho da desembargadora é seletiva. "Esse tipo de defesa é usado estrategicamente por pessoas brancas de classe média alta que são presas. Mesmo ante uma evidência de que o sujeito estava traficando, cria-se uma empatia com a pessoa, por causa de seu perfil. Se a alegação do transtorno de borderline fosse feita pela defesa de Rafael Braga, jamais seria aceita, pois há a intenção do Estado de prendê-lo. Se o juiz o condenou por portar Pinho Sol, é claro que há uma intenção que transcende a realidade do caso", afirma o professor do Mackenzie.

Adilson Moreira chama ainda a atenção para institucionalização do racismo na Polícia Militar. Segundo ele, a Súmula 70 – que autoriza o uso de depoimentos de policiais como prova oral exclusiva para condenações –, é problemática e provoca a prisão de dezenas de milhares de pessoas negras, sem provas concretas. "Nós sabemos que as polícias de países racistas, como o Brasil, têm um propósito claro de incriminar a população negra. Uma prática comum da PM brasileira é forjar flagrantes com as pessoas", denuncia.

Segundo pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP), no início deste ano, 74% das prisões por tráfico de drogas são baseadas unicamente no depoimento de policiais.

Manifestação

No fim da tarde de terça-feira (8), mais um ato marcou a luta pela liberdade de Rafael Braga, considerado preso-político pelos movimentos sociais. Centenas de pessoas caminharam pela Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, para questionar a rejeição do habeas corpus.

"Nós entendemos que nas ruas é onde vamos ganhar a liberdade de Rafael Braga, porque não teve crime. Ele não pode ser punido por uma Justiça, que para nós, é racista e seletiva. Nós não vamos parar, nós não vamos dormir", afirmou Silvia Mendonça, Coordenadora de Mulheres do Movimento Negro Unificado.

Os movimentos Pela Liberdade de Rafael Braga e 30 Dias por Rafael Braga anunciaram que farão atos todas as terças-feiras, no centro do Rio e em outras capitais.

O caso

Rafael Braga foi preso durante as manifestações de junho de 2013, detido com frasco de desinfetantes e acusado de portar artefatos explosivos. Foi condenado a cinco anos de prisão, mas conseguiu o direito de prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica.

Em janeiro de 2016, o jovem foi acusado de associação para o tráfico. Braga negou as acusações e diz que as provas foram forjadas. Uma testemunha disse que viu ele ser abordado sozinho e sem objetos na mão. O depoimento dos PMs é a única prova contra o preso. A defesa de Rafael Braga afirma que irá recorrer da decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ).