"Na Alemanha, presidente denunciado renunciaria", diz jurista alemã

Em entrevista à agência Deutsche Welle Brasil, a jurista Herta Däubler-Gmelin afirmou que na Alemanha, nunca ocorreria de um presidente sob suspeita de corrupção e alvo de denúncia – como é o caso de Michel Temer -, não renunciar imediatamente ao cargo.

Herta Däubler - Deutsche Welle

"Nunca aconteceria na Alemanha de um presidente sob suspeita de corrupção, com denúncia apresentada pela própria Procuradoria-Geral da República, não renunciar imediatamente ao cargo", disse Herta Däubler-Gmelin, que ocupou o cargo de ministra da Justiça na Alemanha entre 1998 e 2002.

Ela veio ao Brasil participar do seminário República e Democracia, promovido pelo Instituto Novos Paradigmas, em parceria com a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e a Fundação Friedrich Ebert, nesta terça-feira (8).

Advogada, deputada federal por mais de 30 anos pelo Partido Social-Democrata (SPD), Herta Däubler-Gmelin é professora na Freie Universität Berlin. Em sua palestra em São Paulo abordou o conflito entre democracia e economia. Ela defende que o Poder Judiciário não deve interferir nos conflitos políticos cotidianos, pois "isso compromete a neutralidade e a independência do juiz".

Segundo ela, é preciso refletir sobre a democracia que queremos. "É uma democracia em que as decisões são tomadas de cima para baixo, em que algumas pessoas não são consideradas cidadãs, em que o sistema judiciário é usado apenas para privilegiar ricos e poderosos, para preservar privilégios? Ou queremos uma democracia participativa? Quais elementos precisam pertencer a essa democracia? Há bons exemplos, mas há exemplos muito ruins nesse sentido", indagou.

"O modo como o Judiciário trata Lula não é aceitável"

Em uma clara referência aos processos da Lava Jato conduzidos pelo juiz Sergio Moro, em Curitiba, a jurista afirma que, sob a perspectiva alemã, "não é comum ver juízes interferirem nas disputas políticas cotidianas na Alemanha".

Na palestra, a ministra foi ainda mais direta. “O modo como o Judiciário brasileiro trata o ex-presidente Lula é impossível, não é aceitável. O mesmo com Dilma em relação ao Parlamento. Eu sou a favor do combate à corrupção, mas é preciso ter base para isso”, disse.

Segundo a jurista alemã, esse tipo de situação conduz a um autoritarismo, com a manipulação da Constituição, do direito e do Judiciário. De acordo com ela, é preciso ter uma Constituição vinculante e os princípios do Estado de bem estar social devem ter status de cláusulas pétreas. E o Judiciário precisa ter a sua competência e procedimentos delimitados e definidos em lei.

"Esse comportamento é, absolutamente, um "no go". Isso não pode acontecer de forma alguma. Isso compromete a neutralidade do juiz, sua independência e até jurisdição. Isso coloca também a confiança da população na instituição em cheque", enfatizou a ministra em sua entrevista ao DW.

Ao comentar a permanência de Michel Temer no poder, mesmo denunciado pela PGR, ela citou o caso da renúncia do presidente Christian Wulff, em fevereiro de 2012, após ser denunciado em um caso de corrupção que envolvia a quantia de 700 euros.

"Assim que o procurador-geral apresentou a denúncia, estava claro para a opinião pública que o presidente tinha que renunciar. E foi o que ele fez. Aqui [Brasil] é outro mundo. Então, eu posso entender a certa descrença que há aqui no atual desempenho do Judiciário, de alguns juízes e juízas – mas é claro que não estamos falando de todos, também há tendências completamente diferente, como sabemos", disse.

Para ela, a atual crise política no Brasil está levando o país a um retrocesso cruel com impactos para a população mais pobre. "É lamentável", declarou.

Sobre a proposta do governo de Michel Temer de mudar o sistema político de presidencialista para parlamentarista, ela afirma: "Quando o objetivo é garantir uma democracia participativa, os elementos que pude observar na Justiça daqui nem sempre são favoráveis. Existem muitas possibilidades de que alguns atores influenciem e conduzam processos de maneira parcial. E nessa interação, quando também se considera o papel do presidente, vemos uma estranha parcialidade entre Judiciário e Legislativo, ou até uma cegueira em relação às suspeitas de corrupção envolvendo políticos que precisam ser investigadas. Isso é muito preocupante e não é de se admirar a queda extraordinária da confiança nas instituições".