Pesquisadora Aira Bonfim mantém viva a memória do futebol

A pesquisadora Aira Bonfim trabalha há seis anos no Museu do Futebol e integra o Centro de Referência do Futebol Brasileiro, núcleo dedicado a pesquisar e documentar diferentes expressões da modalidade no Brasil.

Aira Bonfim - Foto: Amanda Fogaça

Ela faz o meio campo com atletas amadores ou não, torcedores, colecionadores e memorialistas atrás de memórias e histórias, orientando para que cuidem de seus acervos, como fotos, documentos digitais, camisas, troféus e etc. A ideia, conta Aira é torná-los público potencial para o museu, que só tem sentido com a presença de visitantes. Ela também vai a campo e auxilia a constituir acervos em diferentes universos do futebol. Escreve textos, relatos de campo, fotografa, filma, digitaliza alguns acervos e cataloga na base de dados online do museu. Vale a pena conferir a entrevista concedida à página Guria Boleira.

Guria Boleira – Além de profissional, qual a tua ligação com o futebol? És torcedora? Qual time?

Aira Bonfim – Eu fui mais jogadora do que torcedora, apesar de corinthiana. Meu afeto está estritamente ligado as memórias que tenho junto ao meu avô Nelson, quando o acompanhava no clube social da Boch, em Campinas, onde ele atuava como goleiro. Depois passei a jogar futebol na escola e até uns anos atrás eu ainda me arriscava no futsal. Mas honestamente, sou sempre a última a ser escolhida, mas tudo bem.

Especificamente sobre o futebol feminino, esse é o momento do "pulo do gato"? A obrigatoriedade da Conmebol para clubes que disputarem a Libertadores a partir de 2019 terem equipes femininas, uma mulher no comando da Seleção Brasileira, um público de 15 mil torcedores na Arena da Amazônia para assistir uma partida entre Iranduba e Flamengo… isso é um indicativo de mudança? O que falta para alavancar o futebol feminino no Brasil?

Eu vejo com otimismo essa mudança, esse empoderamento feminino que felizmente não está associado unicamente ao futebol, mas um levante de mulheres que desejam equiparidade de direitos há décadas. O futebol não ficou de fora dessa onda. Estamos todas colhendo alguns frutos nos últimos dois anos, mas ainda temos muito trabalho pela frente. Os feminismos são muitos, são complexos, diferentes, mas é preciso sororidade para conhecer a luta da outra, ouvir mais para então buscarmos soluções para educar e descontruir os machismos de forma mais eficaz. Na minha opinião, para o futebol feminino (ou de mulheres) ainda falta muito engajamento, principalmente dos espaços e pessoas com mais visibilidade no futebol e que consequentemente influenciam gerações futuras. Também falta rever as estruturas hierárquicas na CBF, incluir mais mulheres no comando e participação decisória da modalidade hoje no Brasil.

Muita gente está longe do Museu e gos
taria de saber o que pode ser visto aí… O que mais chama a atenção dos visitantes? 

Distância não precisa ser um problema, por essa razão nos preocupamos tanto em registrar e transmitir online todos os eventos culturais que acontecem aqui. É só acessar o Youtube do Museu do Futebol e encontrar os mais variados temas já trazidos aqui. Temos também exposições virtuais na plataforma do Google Art & Culture (futebol feminino inclusive se encontra lá). Também fazemos exposições temporárias em algumas cidades em algumas ocasiões. Os visitantes que vem até nós no estádio do Pacaembu encontram a história do futebol a partir do momento que ele chega ao Brasil, no final do século XIX e através de todo conteúdo exposto é possível compreender porque nos tornamos o país do futebol. São 15 salas temáticas, que de forma lúdica e interativa nos ajudam a conhecer a nossa própria história e cultura. Fica o convite!

Há um espaço para discussões, como o encontro de mulheres de arquibancada? Como funciona?

O auditório do Museu do Futebol, desde a sua inauguração em 2008, acolhe os mais diferentes eventos relacionados ao futebol. Essa programação cultural está diretamente relacionada com o nosso engajamento com esse público boleiro ou torcedor. Temos o grupo do Memofut, por exemplo, que desde a abertura se reúne uma vez por mês para trocar ideia sobre literatura de futebol. Organizamos um dos mais importantes Simpósios de Estudos sobre Futebol em parceria com a USP (3ª edição marcada para 2018 inclusive!), Encontro de Colecionadores de Camisa de futebol e uma porção de outras atividades. Geralmente são as próprias pessoas que nos apresentam propostas, acolhemos, analisamos a pertinência, pensamos junto e acontece. O 1º Encontro Nacional de Mulheres de Arquibancada aconteceu dessa mesma forma. Também existem eventos particulares que locam os mesmos espaços.

Como pesquisadora, qual a principal diferença entre o futebol feminino e o masculino?

Pra começar, o masculino é uma modalidade profissional que apesar de deficitária, tem uma estrutura que garante idealizar o atleta do futebol como um profissional. No feminino ainda tem um caminho gigantesco para atingir esse patamar, e não me refiro a pagamento dos altos valores atribuídos aos jogadores brasileiros homens, mas a uma estrutura que, primeiramente, pague e seja responsável com as atletas, do contrato a formação das bases e calendários de campeonatos. A despeito disso, temos um decreto-lei de 1941 no Brasil que proibiu a prática de mulheres a tantos esportes e atravancou por anos o desenvolvimento do futebol. Mais do que isso, tal decreto chancelou os discursos machistas entre homens e mulheres da época e que inacreditavelmente são utilizados ainda em 2017. Esse atraso cultural gerado pelo machismo, pela representação viril do homem nesse esporte, talvez seja o que mais emperre o desenvolvimento do futebol praticado por mulheres, gays, lésbicas, homens trans e tantos outros futebóis.

O que te motiva na profissão? E o que te irrita profundamente?

Acredito que o que me motiva todos os dias é a possibilidade de aprender coisas novas e ao mesmo tempo ter noção da capacidade de transformação gerada pelo Museu do Futebol. E a transformação vem por coisas simples como ouvir e redigir a história de um time de várzea, ou complexas como foi o desafio de reunir mais de 300 mulheres representantes de mais de 30 times de 13 estados para debater o machismo e pensar melhorarias para o espaço dedicado ao torcer. Acho que isso é mudar o mundo para melhor.

Irritação não é bem a palavra, mas nas minhas andanças me deparo com um grande descaso com a preservação da memória em geral, e sem o conhecimento sobre o passado fica muito mais difícil elaborarmos um futuro melhor. Eu mesma fui saber que o futebol feminino havia sido proibido depois de anos trabalhando com futebol. Quase nada foi registrado sobre a modalidade e até os dias de hoje é um esforço imensurável resgatar e organizar essas histórias.

Lugar de mulher é…

… ser livre!

Queres acrescentar algo?

Gostaria de estender o convite para que todos nos conheçam! Estamos na rede social do Facebook e online www.museudofutebol.org.br . Aqui em São Paulo, estamos localizados na Praça Charles Miller s/n, no estádio do Pacaembu e abrimos de terça a sexta: 9h às 16h (permanência até as 17h) e sábados, domingos e feriados: 10h às 17h (permanência até as 18h). O ingresso custa R$10,00 a inteira e aos sábados a entrada é gratuita. Venham!

Oi, eu sou a Aira