A inflação "real" do 1º governo Dilma esteve mesmo descontrolada?

Série do IPCA ajustada de forma a eliminar o efeito da variação de preços que teriam sido contidos para manter a inflação artificialmente baixa no governo da ex-presidente mostra que, ainda assim, a taxa fica sob controle.

Por Emilio Chernavsky*

Consumidores sofrem com alta de preços

Uma das críticas mais comuns ao primeiro governo Dilma é a de que a política monetária que teria reduzido a taxa Selic “na marra”, associada à política fiscal expansionista a partir de 2012, teria provocado o descontrole da inflação no período. Como resposta a essas críticas, pode-se apontar que a média anual do IPCA no quadriênio, pouco acima de 6%, era semelhante àquela então registrada em outras economias em desenvolvimento relevantes, e que o teto de 6,5% não foi superado em nenhum ano. Não faria sentido, portanto, falar em descontrole.

Contudo, argumentam os críticos que a aparente contenção nos índices oficiais somente foi possível graças a políticas específicas do governo que afetaram os preços praticados em alguns mercados importantes, em particular o preço dos combustíveis, que não teriam acompanhado o aumento dos preços internacionais do petróleo; da energia elétrica, que foram reduzidos graças às novas regras aplicadas na prorrogação dos contratos de concessão de geração; e dos automóveis e motocicletas, móveis e eletrodomésticos da linha branca, beneficiados pela redução de IPI. A inflação “real”, que descontaria o efeito da ação do governo sobre o preço desses itens seria, assim, muito mais elevada do que indicam aqueles índices e refletiria a disparada dos preços. Teria tal disparada, de fato, acontecido?

Para responder a essa questão, a série do IPCA foi ajustada de modo a eliminar o efeito da variação dos preços do gás de cozinha e da energia elétrica residencial, do mobiliário e dos eletrodomésticos da linha branca, do transporte público (diretamente afetado pelo preço dos combustíveis), dos combustíveis veiculares, dos automóveis novos e usados e das motocicletas[1]. Com o ajuste, o preço desses itens se moveu da mesma forma que a média ponderada do preço dos demais itens e não afetou o índice geral. Os índices resultantes desse ajuste e os do IPCA oficial para cada ano podem ser vistos no seguinte gráfico:

Vemos que, efetivamente, em todos os anos entre 2011 e 2014, mas especialmente em 2012 e 2013, o IPCA ajustado foi mais elevado que o índice oficial, tal como apontam os críticos. Entretanto, diferentemente do que eles sustentam, o índice ajustado não foi muito mais alto que o oficial: enquanto este se situou em média em 6,16% a.a., com o ajuste alcançou 7,07%, valor elevado, mas que dificilmente caracterizaria um descontrole inflacionário.

Mesmo em 2012, ano que registrou, além da menor taxa básica real de juros desde a estabilização da economia, uma forte desvalorização da moeda após anos de contínua valorização, importantes choques internos e externos na oferta de alimentos, e o maior aumento em décadas nos rendimentos médios da população, o IPCA ajustado se limitou a 7,41%.

Certamente, a condução da política monetária no período pode ser questionada, mas é necessário que isso seja feito com base em seu resultado real. Nesse sentido, se não evitou o aumento da inflação, tentou-se mostrar aqui que ela tampouco permitiu o descontrole inflacionário por vezes apontado.

Nota

[1]Poder-se-ia ainda incluir o efeito secundário do aumento dos preços da energia e dos combustíveis sobre o preço dos demais itens além do transporte público,o que elevaria marginalmente os índices calculados.

*Emilio Chernavsky é doutor em economia pela USP