Pluralidade marca o enorme evento feminista em Florianópolis 

Na linha de frente mulheres negras, indígenas e quilombolas abrindo caminho para as manifestantes de diversas partes do mundo que seguiam em marcha pelas ruas do centro de Florianópolis. Traziam no protagonismo a necessidade de um feminismo cada vez mais plural, que respeite as diversas possibilidades de ser, existir e produzir conhecimento

Delegação moçambicana na concentração para a marcha “Mundos de Mulheres por Direitos” - Foto: Catarinas/Rafaela Martins

“Nós mulheres negras, de terreiro e axé, e as mulheres indígenas somos as primeiras a serem violentadas pelo Estado. Falam muito em violência individual, mas a real violência é a estrutural desse Estado racista, machista, preconceituoso que nunca nos quis. A proposta foi esta: estarmos à frente para mostrar para o Estado brasileiro que o mundo é feito de mulheres: indígenas, brancas, amarelas”, diz Sandra Li, ialorixá.

Segundo a organização do 13º Congresso Mundos de Mulheres (MM) e do Seminário Fazendo Gênero 11 (FG), cerca de dez mil pessoas participaram da Marcha Internacional “Mundos de Mulheres por Direitos”, que aconteceu nesta quarta-feira (2), em Florianópolis, Santa Catarina. Ecoando suas principais pautas em gritos de ordem, batuques e cartazes, múltiplas vozes tomaram o entardecer da ilha em defesa dos direitos das mulheres. Foi a primeira vez que uma manifestação como essa integrou a programação do FG.

A luta pela demarcação de terras recebeu destaque entre as reivindicações. “As pessoas precisam saber primeiro que existimos. A sociedade precisa perceber todo mal feito contra nós, reconhecer e devolver parte do que nos foi retirado. Estamos ocupando espaços. Hoje há cotas na academia, mas não há acesso efetivo. Não sentimos nossos saberes acolhidos. Nosso povo evade porque não consegue estar nesse espaço com qualidade, não tem casa, bolsa”, afirmou Jozileia Daniza Jagso, representante do grupo Kaingang e pesquisadora da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL).

Para Maria Pia López, ativista e fundadora do movimento “Ni Una a Menos”, este é um encontro de vitalidade e que parece surpreender todas com a combinação entre ativismo cultural e vida acadêmica, ideias culturais e também da aparição do feminismo interseccional. “Eu estava numa das mesas sobre feminismo negro e aparece aí a luta contra o racismo que se articula muito bem ao feminismo contemporâneo. O feminismo tem uma enorme potência e um enorme desafio. Me parece que as mulheres estão demonstrando em todo o mundo uma capacidade de ação democrática”, defende.

Ela complementa que o movimento demonstra estar no primeiro plano da linha das lutas pela democracia na América Latina, contra as mudanças trabalhista, contra as ditaduras e contra as repressões.

Pela primeira vez no Fazendo Gênero, Maria do Mar Prada, professora de estudos de gênero da universidade de Warwick na Inglaterra, falou sobre a força do movimento feminista do Brasil. “Há uma energia, uma vitalidade em torno do feminismo. Não se encontra em outro país da Europa uma vitalidade como essa do Brasil. Foi uma experiência inspiradora. Fiquei contagiada com a energia daqui”.

Assista o vídeo: “Moçambicanas puxam a ‘largada’ para a Marcha Internacional de Mulheres por Direitos”:

14º Congresso “Mundos de Mulheres”

As moçambicanas Marilú Námoda e Leonilde Lumbela também trouxeram para a marcha sua contribuição à agenda das mulheres. É o que afirma Marilú, ativista do movimento feminista. “Por que eu vim? Para fortificar a luta. Para encontrar outras mulheres. Para perceber a diversidade dentro desse movimento de descolonização, para partilhar a nossa experiência também com essa questão. Então, sobretudo isso: para encontrar outras mulheres e fortalecer a luta. É a minha primeira vez no Brasil. E tem assim, um sabor especial estar aqui, porque o Brasil tem uma relação muito forte com Moçambique. Em Moçambique nós também sofremos um golpe. O nosso governo anterior fez um grande roubo. Então o que estou dizendo aqui (com a manifestação da representação em papel da minha boca), é que não vamos pagar as dívidas. Porque eles estão querendo transformar a dívida que contraíram em uma dívida pública. O custo de vida está muito alto. Então, esta é uma das nossas agendas”, conta.

Na quinta-feira (3) houve uma programação intensa para visibilizar a causa LGBTI, que ocupou o palco principal do evento no começo da noite. A partir das 18h, houve um sarau cultural, protagonizado por artistas trans. As 19h, o grupo realizou uma mística trans/LGBTI que seguiu até o auditório Garapuvu.

O tema da conferência da noite de quinta-feira (3) foi “Uma política feminista da ambivalência: lendo com Emma Goldman”, que teve como conferencista a americana Clare Hemmings, professora de Teoria Feminista na London School of Economics and Political Science e integrante do Instituto de Gênero da mesma universidade. A pesquisadora tem desenvolvido trabalhos nas áreas de epistemologia e metodologia feminista, teoria feminista, estudos transnacionais sobre sexualidade, anarquismo e o ativismo de Emma Goldman.