Julgamento de Rafael Braga: “é a casa grande saindo do armário”

Após dois votos pela manutenção de sua prisão, o veredicto do caso de Rafael Braga foi adiado. Em entrevista para o Portal Vermelho, Douglas Belchior, do blog Negro Belchior, fala de como o julgamento de Rafael desmascara as raízes racistas do sistema judiciário brasileiro

Por Alessandra Monterastelli*

Libertem Rafael Braga - Mídia Ninja

Foi adiada, nesta terça-feira (1), na 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), a conclusão do caso de Rafael Braga. O julgamento do pedido de Habeas Corpus solicitado pela defesa de Rafael resultou no voto de dois desembargadores pela manutenção de sua prisão, incluindo a relatora Katya Monnerat; diante dos juízos, o desembargador Luiz Zveiter pediu vista. Contudo, com dois votos já colocados como desfavoráveis, as chances de a defesa reverter a prisão de Rafael são mínimas.

Em entrevista para o Portal Vermelho, o professor e fundador da Uneafro, Douglas Belchior, afirma que “não há nenhum argumento que justifique a manutenção desse garoto preso”. Para ele, o caso de Rafael diz muito sobre a injustiça, a desigualdade e o racismo presentes no Brasil: “existe um cinismo que tem dado muita força para a reafirmação de posturas absurdas por parte do judiciário; conseguimos compreende-las por uma perspectiva histórica: há uma prática habitual do uso das forças institucionais por parte do Estado Brasileiro voltados especialmente para oprimir, conter e massacrar o povo negro”. Segundo ele, essa situação sempre foi maquiada na sua demonstração, mas agora não há nenhum constrangimento em expor esse disparate para a sociedade: “é a casa grande saindo do armário mais do que nunca”.

Além do cinismo, Belchior relembra a contradição do sistema judiciário brasileiro, e como este ainda possui raízes racistas materializadas na repressão sistemática e seletiva do povo negro. “O mesmo judiciário que mantem livres criminosos reconhecidos por crimes profundamente mais graves justifica o genocídio de jovens negros com a mentira da guerra as drogas. Esse raciocínio todo leva a sintetizar o maior problema político do brasil: o racismo histórico. Não há nada mais grave que isso, determinante de todos os outros problemas, todas as outras desigualdades, explicando também como o estado é gerenciado e como os direitos são distribuídos ou negados”.

O deputado estadual e ex-candidato a prefeitura do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo (PSOL), em depoimento gravado em vídeo para a sua página no Facebook, também denuncia o julgamento do caso. “Lamentavelmente o poder judiciário caminha para manter uma injustiça das mais covardes e históricas, contra um jovem negro e pobre” e completa: “esse é o perfil do brasileiro triturado no sistema penitenciário do Rio e de todo Brasil”.

No pedido de Habeas Corpus, divulgado no site Justificando, os advogados destacaram que Rafael Braga:

i) tem ocupação lícita como funcionário de auxílios gerais no escritório de advocacia João Tancredo;

ii) tem residência fixa comprovada;

iii) sustenta com veemência de que seu caso se trata de flagrante forjado;

iv) apesar de ter sido condenado por associação criminosa, ele foi preso sozinho, evidenciando grande contradição acusatória;

v) foi preso sem portar qualquer tipo de arma;

vi) existe testemunha ocular atestando sua inocência;

vii) quantidade de drogas atribuída a ele é ínfima (0,6g de maconha e 9g de cocaína);

viii) não existe qualquer investigação sobre com quem ele teria supostamente se associado, nem como e nem por quanto tempo.

Para que a soltura de Rafael tenha chance de êxito, é necessário que o desembargador Luiz Zveiter vote pela liberdade, e que um dos dois que já votaram voltem atrás em sua decisão e concedam a ordem.

O advogado de Rafael disse, em entrevista para o Justificando: “sabíamos que seria muito difícil a concessão desse Habeas Corpus nesse momento processual, depois de uma condenação em primeira instância. Mas agora temos muita confiança que o desembargador Zveiter possa dar um voto para aplicação das medidas cautelares diversas da prisão e que esse voto possa convencer algum dos desembargadores que votaram contra a concessão da ordem e consigamos um 2×1 para Rafael. Estamos confiantes”.


Grupo de estudantes foi até o STF para manifestar repúdio à prisão arbitrária e sem provas de Rafael Braga/ Foto: Mídia Ninja

Douglas Belchior lamenta a possibilidade da permanência de Rafael na cadeia, o que seria fruto de uma herança discriminatória: “para manter essa coerência histórica de um poder institucional apoiado no racismo, o judiciário precisa manter o Rafael preso. Mas esse caso é bastante emblemático: é um recado reafirmando a ideia de quem manda e quem tem que obedecer; é uma mensagem para o movimento negro de que temos que ficar no nosso lugar, caso contrário vai sobrar pra gente”.

Marcelo Freixo, ainda em seu depoimento em vídeo no Facebook, faz um apelo para que as pessoas não desistam de protestar contra a prisão de Rafael: “todos que acompanham de perto a situação do Rafael Braga devem se manifestar. Precisamos falar dele nas redes sociais”

O caso de Rafael Braga

Rafael Braga Vieira foi o único manifestante dos protestos de junho de 2013 a ser preso. Ele foi condenado em abril desse ano a 11 anos e três meses de prisão por suposto envolvimento com o tráfico de drogas, unicamente com base na palavra de policiais que afirmam ter encontrado em sua posse 0,6g de maconha, 9,3g de cocaína e um rojão.

Adilson Moreira, doutor em Direito por Harvard, disse em entrevista ao Justificando que a atuação dos polícias em situações como essa é seletiva: “Centenas de estudos sobre discriminação institucional nas polícias militares dizem que nós temos razões fortíssimas para questionar esses depoimentos [de policiais]. Muitas vezes policiais ‘plantam’ provas com a objetivo específico de criminalizar pessoas negras”.

O caso de Rafael gerou indignação e protestos por parte de diversos coletivos do movimento negro, que prestaram apoio à liberdade do jovem. Sua prisão gerou discussão e fortes críticas relacionadas a penas aplicadas a réus brasileiros (em sua maioria, jovens e negros) em processos cuja única base é a palavra do policial que efetuou a prisão; tal sistema tem contribuído para aumentar drasticamente o número de pessoas encarceradas, piorando ainda mais a situação de superlotação e insalubridade dos presídios brasileiros.