Teatro operário: manifestação cultural pela Greve de 1917

No inicio do século XX, frentes anarquistas de trabalhadores se mobilizaram para criar locais de formação intelectual da classe operária. O grande destaque foi o teatro libertário, que coscientizou os trabalhadores e trabalhadoras no suburbio paulista; pouco depois, em 1917, explode a Greve Geral

Por Alessandra Monterastelli*

Teatro Colombo

Brasil, início do século: a República Velha era marcada pela indiferença social, repressão e uma economia monocultora voltada para o mercado exterior. A elite agrária possuía um poder institucionalizado, comandando a política do país de acordo com seus interesses. Apesar dos obstáculos criados por essa elite para impedir a industrialização no país- que significaria o surgimento de uma nova classe dominante, a industrial, representando uma ameaça ao poder- ela acontece, principalmente nos principais polos urbanos do país: São Paulo e Rio de Janeiro.

Milhares de imigrantes europeus, fugitivos da guerra e persuadidos a trabalhar na indústria paulistana, chegam ao país. Os italianos vêm em massa e estabelecem-se no bairro do Brás, o que posteriormente se tornaria um bairro operário. Os trabalhadores e trabalhadoras que chegam à São Paulo trazem consigo sua cultura e ideologia. Percebendo as más condições de trabalho nas fábricas brasileiras, a exploração da mão de obra e a ausência de leis que protegessem os operários, a maioria desses imigrantes organizou-se em sindicatos e sociedades de classe para reivindicar melhorias nas condições de trabalho e de sobrevivência.

O Brás cresce. Operários imigrados e brasileiros, comerciantes, artesãos, vendedores: todos viam aquele como um local de sobrevivência. Os italianos se dividem: uma parte submetia-se a exploração do trabalho submisso nas fábricas para a acumulação de capital e posterior subida na escala social, inspirados pela figura do italiano enriquecido Francesco Matarazzo; a outra, de luta contra o sistema capitalista burguês de repressão, via governo e Igreja, era encabeçada pelos anarquistas.

A cultura entra em cena com propósitos bem definidos. Começa a propagação em massa do cinema europeu e americano por parte dos capitalistas, tratando de ostentar um modo de vida burguês; enquanto isso, os anarquistas criam escolas alternativas, organizações de classe, centros de cultura, círculos de palestras, bailes, greves e principalmente a atividade cultural teatral. O teatro libertário, como ficou conhecido, teve grande destaque.

As chamadas Escolas Modernas, além de ensinarem as matérias normais, também tratavam de conscientizar os filhos dos operários da sua posição social dentro do sistema e de que deveriam ir contra qualquer tipo de repressão, sensibilizando-os para a causa anarquista e libertária. Cria-se dois jornais com grande circulação entre os operários: A Plebe, sob orientação anarquista e o Avanti!, sob orientação comunista.

As peças dos teatros libertários retratavam o cotidiano dos operários: greve, delação, relação empregador-empregado e a condenação de um estado de apatia da classe com relação as desigualdades sociais; por fim, tratavam de passar a consciência de classe. A partir de 1914, com a estagnação da produção cultural europeia devido a guerra, passam a ser escritas peças teatrais brasileiras, e deixam de serem encenadas apenas obras traduzidas para o português. Os centros de cultura, sindicados e associações uniram-se para formar atores e atrizes entre os próprios trabalhadores, constituindo os primeiros grupos de teatro amador, já que os profissionais da área na época eram contratados nos grandes teatros centrais, captados pelo ciclo cultural mais abastado.

Toda essa mobilização ajudou para a realização da Greve Geral, em 1917. A cultura tem forte caráter estimulante e sensibilizador para toda causa: "qualquer movimento que tenha expectativa de provocar uma mudança duradoura, deveria reconhecer a importância da comunicação”, concluiu a ativista ícone e filosofa Angela Davis na conferência de terça-feira (25) na Universidade Federal da Bahia, ao ser questionada sobre a relevância das artes nas atuais mobilizações populares.

A Greve teve início no Brasil no dia 5, mas foi deflagrada em São Paulo no dia 12 de julho de 1917, com registros de vários confrontos por toda a cidade. Pararam padeiros, leiteiros e trabalhadores dos serviços de gás e luz: “A cidade amanheceu sem pão, sem leite, sem gás, sem luz e sem transporte. A atividade industrial foi paralisada. O comércio fechou as portas. Teatros, cinemas e casas de diversão adiaram as programações. O tráfego de bondes foi interrompido. (…) Os paulistanos jamais tinham presenciado um movimento de tal envergadura”, conta a pesquisadora Christina Lopreato para a Rede Brasil Atual.

Abaixo, um poema escrito em março de 1920 por Sylvio Figueredo, publicado na “Voz Do Povo” na mesma época:

OS GREVISTAS

São operários, andajosa gente
que a enfermidade inexorável mina
e a miséria acorrenta, impenitente,
aos horrores da vida da oficina.
Na luta desigual que os extermina,
cada um, reconhecendo-se impotente,
une-se ao irmão, na ânsia supina,
em solidariedade comovente.
E unida, estuante, ao fulvo sol da praça
-Direito à vida! – exora a populaça,
Pede mais pão a turba sofredora.
E tem como resposta, nesse abalo,
o argumento da Pata do Cavalo
e as eloquências das metralhadoras.