Celso Amorim: Enquanto perdurar a ilegitimidade, Brasil ficará isolado

Em entrevista à Carta Maior, o embaixador Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores no governo do presidente Lula e da Defesa no governo Dilma, falou sobre a conjuntura política e o retrocesso das políticas sociais desde o golpe de 2016.

Celso Amorim - Antônio Araújo / Câmara dos Deputados

"O mundo vê o Brasil com perplexidade. As pessoas lá fora nem entendem direito o que está se passando aqui, e também é muito difícil explicar toda essa confusão política, jurídica, judicial", resumiu Celso, acrescentando: "O Brasil caiu muito, de um modo geral, para quem espera dele um comportamento como país", afirmou.

Atualmente, Celso Amorim preside o Conselho da Unitaid, organização que atua para garantir o acesso das populações de países pobres aos medicamentos para malária, tuberculose, AIDS, entre outras ações (como quebra de patentes, por exemplo).

''Eu não tenho qualquer dúvida que o objetivo desse processo todo de impeachment da presidente Dilma era atingir um projeto político progressista com duas dimensões principais: a dimensão social e a dimensão internacional", frisou o ex-ministro.

"O Brasil ainda é um dos países mais desiguais do mundo, mas isto estava sendo progressivamente combatido. Na dimensão internacional, não interessa a grande parte da elite brasileira que o Brasil tenha uma projeção maior e o país fale com sua própria voz." E acentuou: "Esses, da elite, são ligados, são os intermediários e os instrumentos da dependência do Brasil."

Questionado se ainda havia espaço para otimismo diante de um cenário tão dramático, Celso Amorim acredita que sim. "O Brasil é um país muito grande, fisicamente. Sua economia está entre as maiores do mundo apesar da recessão, embora esteja caindo e agora chegando à oitava posição. Eu acho que tudo isto vai passar e o país voltará a ter um papel de destaque. Há um problema que não é só do governo Temer, mas agravado por ele, até com a percepção externa da falta de legitimidade: o Brasil sempre ou quase sempre atuou um pouco abaixo da sua real capacidade", destacou.

E segue: "Além do seu passado colonial, do complexo de vira latas, mais antigos, você tinha sempre um déficit democrático que perdurou por anos e anos. O Brasil nem sequer se candidatou ao Conselho de Segurança da ONU para não virar alvo de criticas e também porque não tinha estabilidade econômica – e isto retirava um pouco a sua credibilidade, pelo menos diante de certos setores".

Sobre o isolamento do Brasil em eventos internacional, o ex-ministro das Relações Exteriores disse que a ilegitimidade do governo de Michel Temer mudou o status do Brasil no mundo.

"Enquanto houver este governo (vai durar mais 15 dias? um mês?), enquanto perdurar essa situação de falta de legitimidade, o país não voltará a se agregar; é uma situação que vai se prolongar", afirmou.

Amorim também falou sobre a relação do Brasil com o governo Trump. Segundo ele, o presidente norte-americano não está muito interessado na America do Sul, exceto em Cuba, Venezuela e México. "A sua política do 'american first ' não nos afeta muito. Mas isto não quer dizer que na hora, por exemplo, dele achar que o aço brasileiro está entrando lá, que ele não tomará uma medida de proteção. Isto é óbvio. Mas vamos ser francos: isto também aconteceria com os democratas", disse.