"Não quero que meu trabalho alimente o retrocesso" 

Detido por atentado ao pudor pela PM, artista vai voltar a Brasília para repetir performance

Por Helô D'Angelo

Maikon Kempinski performance

No sábado (15), o artista curitibano Maikon Kempinski teve sua performance, DNA de DAN, interrompida pela Polícia Militar em Brasília. Ele foi detido e levado para a delegacia no porta-malas da viatura. O motivo: a nudez do artista, vista pelos policiais como “atentado ao pudor”. “Eles chegaram gritando que aquilo não era arte, destruíram meu material e não esperaram explicações do Sesc, que havia me convidado”, afirma, à CULT, por telefone.

Durante a performance, Maikon entra nu em uma bolha transparente. Uma assistente espalha uma substância pegajosa sobre seu corpo, e ele permanece parado, em pé, por cerca de três horas enquanto o líquido seca. Depois, inicia uma dança, fazendo a segunda “pele” descascar, como uma espécie de renascimento. “Não há nada de obsceno ali. Este olhar está na cabeça das pessoas que se impõem essa moralidade, e é papel do artista colocá-la em xeque”, critica.

O artista pretende voltar a Brasília para se apresentar novamente, precisamente em frente ao Museu Nacional, na região central, onde foi detido. Ele diz que essa é a única forma de deixar claro que “não se pode calar a arte, e que uma violência como a que sofreu não deve se repetir em um governo democrático”. “Não quero que meu trabalho alimente o retrocesso, ou que se torne um precedente para impedir novos artistas cuja obra tem nudez de se inscreverem em um edital, por exemplo”, afirma.

Para o performer, o país vive um “retrocesso conservador” na política, que é alimentado pelo “medo que as pessoas desenvolvem dos tempos caóticos”. A esfera cultural brasileira, segundo ele, acaba sendo uma das mais afetadas neste contexto: “A arte passa por maus momentos, em que artistas se tornam cada vez mais vulneráveis a ações arbitrárias e violentas”.

“Nunca tivemos problemas”

DNA de DAN, que já existe desde 2013, estava sendo apresentada como parte do festival Palco Giratório do Sesc, o maior voltado a artes cênicas no país. Ao longo dos quatro anos de existência, a performance já foi montada em dez cidades, entre Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo.

A apresentação fez parte da exposição Terra Comunal, do Sesc Pompeia, que trouxe Marina Abramović – o maior nome da performance mundial – ao Brasil. Durante três meses, Maikon performou semanalmente no local, e lembra que havia, inclusive, crianças o tempo todo interagindo com a obra: “Ninguém nunca reclamou.”

Ele conta que, em algumas cidades, a polícia chegou a questionar a estrutura, mas, como o artista sempre tinha autorização de algum museu ou órgão ligado à cultura, nunca houve problemas. O último sábado foi a primeira vez que Maikon enfrentou a acusação de “atentado ao pudor”.

O artista já recebeu pedidos de desculpas do governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, e do secretário de Cultura do DF, Guilherme Reis, por telefone. “O governo de Brasília destaca a importância da cultura. Rollemberg e Reis lembram que a cultura é sempre bem-vinda à capital da república e lamentam o desconforto causado ao artista, pois o governo acredita, apoia e incentiva a livre manifestação artística”, afirmou o governador em nota.

Maikon também foi convidado a se apresentar novamente na cidade, e obteve ajuda do próprio Sesc, que se prontificou a pagar custos de advogados e dos materiais – como a estrutura da bolha, que foi rasgada por um dos policiais. O artista espera se reapresentar sem mudar nada em sua performance: “Acho que DNA de DAN já dizia muito antes do que aconteceu, mas agora diz ainda mais. Não vou mudar nada ali”.