A cerimonia da humilhação

Em 2004 o Tribunal Internacional de Justiça convocou Israel a parar de construir pontos de controle que cada vez mais isolam os palestinos. Israel não deu ouvidos ao tribunal e continua colocando limites onde bem quer. O Estado ocupante impõe seu domínio em locais de passagem fragmentando o território da Cisjordânia.

Por Abaher El Sakka e Sandra Mehl

palestina

Viver na Palestina é se acostumar a ter seu direito de ir e vir interrompido a qualquer momento. Os bloqueios são um local ideal para observar o espetáculo da ocupação. Mulheres grávidas acabam por perderem seus bebes por esperarem para ser atendidas, doentes morrem por não poderem atravessar o bloqueio.

As organizações humanitárias já identificaram mais de quinhentas barreiras de todos os tipos pontuando as vidas palestinas: permanentes, temporárias, suspensas, móveis, sazonais. O colonizador as constrói como bem quer. Algumas são "internacionais", como a entre a Faixa de Gaza e Israel. Outras cortam a Cisjordânia em uma série de áreas separadas, em teoria, três áreas distintas: a primeira é a prerrogativa da segurança da Autoridade Palestina; a segunda é gerida pela Palestina e por Israel; a terceira é totalmente controlada por Israel. Esta divisão dá a Autoridade Palestina um poder apenas ilusório, porque, na prática, soldados e policiais israelenses podem estabelecer um obstáculo móvel militarizado onde e quando querem, como o ponto de controle de Al-Bireh, que se encontra há algumas centenas de metros de Mouqata’a, a sede da presidência palestina em Ramallah.

Estes “checkpoints” ou postos de controle utilizam ferramentas modernas de adestramento para dominar os corpos palestinos (barreira, catraca, scanners, etc.), vemos se materializar o conceito da biopolítica descrita por Michel Foucault onde há o controle físico da sociedade sobre os indivíduos.

Pessoas ficam por horas nesses pontos de controle (por Sandra Mehl)

Os pontos de controle não servem apenas para regular a circulação de pessoas ou verificar suas identidades como no resto do mundo. Estas barragens são um instrumento de classificação, pela autoridade de Israel, dos palestinos de acordo com seu local de nascimento: detentores de cidadania israelense, moradores de Jerusalém Oriental, Cisjordânia e Gaza ou estrangeiros. Assim, há uma centena de tipos de permissões de circulação; isto permite um refinamento da arbitrariedade, que é expresso principalmente em forma de punição, proibindo residentes de uma determinada região de se movimentar em uma ou outra direção.

Os pontos de controle criam grupos sociais, representantes formais e informais, reservas para portadores de cartão VIP e outros para empresários. Esta classificação colonial faz dos checkpoints um local onde se fabrica a diferenciação entre os palestinos.

A abertura dos portões ocorre de acordo com a boa vontade do soldado em serviço. Além da humilhação sistemática e constante, os palestinos estão em suas próprias terras sujeitos a todos os tipos de interrogatórios. Tudo pode acontecer e tudo está em jogo: os negócios, um encontro, o emprego, a liberdade … e às vezes até mesmo a vida.

Os pontos de controle afetam o comportamento, humor, as relações das pessoas entre si e com o ocupante. Eles reforçam o status entre dependentes e provedores, que descreveu o escritor Albert Memmi para iluminar a colonização como arquétipo de um processo de dominação. No ponto de controle Abou Holy que se encontra no meio da faixa Gaza, vimos em 2005 crianças que acompanham por mais de trezentos metros os veículos para garantir aos soldados israelenses que estes carros não transportam explosivos ou kamikazes, o que reflete a internalização da lógica colonial.

Os checkpoints podem se tornar uma fonte de renda para os vendedores marginais e pequenos. Uma empresa de comunicações palestina ergueu um painel em frente ao ponto de Qalandia que separa Jerusalém de Ramallah para oferecer seus serviços – é uma espécie de normatização das barreiras – que são construídos para o funcionamento da economia. Instituições israelenses agora confiam algumas barragens às empresas de segurança privada. Impotente em derrubar os checkpoints , o Ministério das Obras Públicas palestinas está buscando recursos para melhorar o tráfego que passa por Qalandia através do financiamento de rotas alternativas, para serem utilizadas ao invés das estradas existentes dificultadas pelos israelenses. Organizações internacionais apoiadas pela União Europeia se tornaram parceiras em um desenvolvimento que ajuda os inimigos da colonização