Com PDV, Temer amplia desmonte do Estado e desemprego

O governo anunciou nesta segunda (24) que implementará um Programa de Demissão Voluntária (PDV) para servidores públicos do Executivo Federal. O objetivo é cortar gastos. Mas, segundo o economista Paulo Kliass, no curto prazo, a medida deve ampliar despesas. Para ele, trata-se de mais uma ação de Michel Temer para desmontar o Estado brasileiro, com impacto na prestação de serviços à população. Na sua avaliação, o PDV também pode ser um balão de ensaio para o fim da estabilidade de servidores.

Goldfajn, Temer e Meirelles

“Por todos os enfoques que você quiser enxergar essa medida, ela é um absurdo, só faz o jogo dos que querem contribuir para enfraquecer e desmoralizar o Estado brasileiro”, disse, em entrevista ao Portal Vermelho.

De acordo com ele, do ponto de vista fiscal, o efeito do PDV vai ser o oposto das pretensões alardeadas pelo governo. Isso por que o PDV pressupõe garantias e recompensas financeiras a quem aderir a ele, o que vai na contramão do cumprimento da meta fiscal.

O Ministério do Planejamento antecipou que quem quiser aderir ao PDV terá direito a receber 1,25 salário para cada ano trabalhado. A medida prevê ainda que os servidores possam solicitar a redução da jornada de trabalho de oito para quatro horas diárias, com remuneração proporcional.

Embora diga que o plano ainda está sendo formatado, o ministro da pasta, Dyogo Oliveira, informou que o ingresso no programa pode começar ainda em 2017, mas que o desligamento dos servidores se dará apenas a partir de janeiro de 2018.

"O objetivo dessa medida é de redução de despesas para contribuir com o processo continuado de ajuste fiscal e com o cumprimento do teto de gastos nos próximos anos", afirmou Oliveira.

Paulo Kliass criticou a falta de debate sobre o programa. “É uma medida tirada do bolso do colete sem nenhuma discussão, sem nenhuma avaliação dos efeitos das outras tentativas nesse sentido, que forma feitas na época do Fernando Henrique, para saber o que aconteceu com os gastos públicos a partir da medida”, disse, numa referência ao PDV implantado na gestão do ex-presidente tucano.

Para Kliass, esse é “o retrato do desespero fiscalista” que tomou conta do governo nos últimos tempos, diante da dificuldade de equilibrar as contas públicas, principal bandeira da gestão.

“Existia a esperança de que o ‘time dos sonhos’ do mercado fosse resolver todos os problemas da economia, bastava retirar a Dilma. Passado mais de um ano da confirmação do golpe, temos visto oposto. Mantiveram a política do austericídio, que profundou a recessão e provocou a queda das receitas. E agora nem a meta fiscal com a qual se comprometeram, vão conseguir cumprir”, apontou.

Desmonte

O economista opinou que o aspecto mais sério do estímulo à demissão voluntária dos servidores é que a medida se insere em um contexto mais amplo de desmonte do Estado brasileiro.

“Temos desde a venda de patrimônio público para o setor privado, a privatização sob forma de concessão para o capita privado – como é o caso das rodovias, de portos e aeroportos –, temos o corte drástico nas verbas orçamentárias destinadas a serviços públicos como saúde, educação, saneamento e previdência, e agora você tem mais uma tentativa de reduzir o Estado brasileiro através da demissão de pessoal”, afirmou.

Ele destacou ainda que a iniciativa ocorre após a aprovação da Emenda Constitucional 95, que impõe um teto para os gastos públicos e proíbe a impede a contratação de novos servidores.

“Esse é um enfoque fiscalista, de fazer a conta de padaria para ver quanto consegue economizar, mas sem nenhuma preocupação com futuro, com o estratégico, porque alguma hora essa crise vai passar e o Estado vai continuar precisando presar serviços públicos de qualidade à população. E para isso, precisa de pessoal”, disse.

Estabilidade na berlinda?

Kliass também condenou o PDV, pelo prisma de uma política de recursos humanos. “É um absurdo. Essa medida pode ser encarada como um balão de ensaio do fim da estabilidade”, anteviu.

A estabilidade é um direito dos servidores públicos contratados por concurso no Brasil e está garantido na Constituição de 1988. Isso significa que esses servidores só podem ser demitidos após um processo disciplinar, caso se comprove alguma infração grave. Os objetivos são evitar que os funcionários sejam demitidos a cada troca de governo, protege-los de represálias em casos que afetem interesses e garantir a continuidade no funcionamento da máquina do Estado.

Para Kliass, apesar de, em um primeiro momento, o governo estar propondo uma demissão voluntária, isso pode abrir uma brecha para que se discuta o fim da estabilidade. “Nada garante que essa tentativa não seja a abertura da porteira para que medidas mais radicais sejam apresentadas lá na frente”, disse.

Ampliar o desemprego

O economista sublinhou ainda que, no momento atual de recessão, a preocupação do governo deveria ser adotar medidas para reduzir o flagelo do desemprego. E o PDV deve, ao contrário, retirar mais brasileiros do emprego formal.

“Estamos com 14 milhões de pessoas desempregadas no Brasil. O que eles estão propondo é aumentar o estoque da legião de desempregados. É dizer às pessoas que estão empregadas que é melhor que elas saiam desse emprego, onde têm estabilidade e um salário. Já houve um conjunto de iniciativas nesse sentido nas estatais, em que pessoas saíram com ilusão de que iam trabalhar por conta própria e se arrependeram. Em um quadro de crise, você está dando um pontapé para que as pessoas caiam em quadro de instabilidade absoluta”, colocou.

Segundo Kliass, outra questão é que o PDV deve ser mais atraente para os funcionários mais qualificados, que podem enxergar mais chances fora da administração pública. “Vão sair os que têm melhor formação, que, por alguma razão, estão descontentes nesse momento, mas que acreditam que poderiam se dar melhor num ambiente fora do setor público. Então isso significa também perda de qualidade no serviço da máquina pública”, projetou.

Sinalização para o “mercado”

De acordo com Kliass, o anúncio do PDV, além de sentir a reação da população, teve como objetivo dar uma sinalização ao mercado financeiro de que o governo, mesmo correndo o risco de não cumprir a meta, está fazendo o que está a seu alcance para atender aos interesses de seus apoiadores, em especial dos rentistas.

“Mas eles não conseguem enganar nem mesmo os analistas financeiros do mercado. Porque ninguém é bobo. Mesmo o ultraliberal sabe fazer análise de resultados e vai ver que para 2018, 2019 e até 2010, o impacto vai ser aumento de despesas. Se existe intenção de que pessoas aceitem o programa, o governo vai pagar para a pessoa sair. Isso significa aumento da despesa pública. Todo o discurso de que vai ajudar na coisa fiscal é um absurdo”, destacou.

Kliass criticou também o aumento da alíquota do PIS/Cofins, suspenso nesta terça pela Justiça. “De novo foi algo feito no afogadilho, com medo de debate na sociedade, porque era estelionato contra forças que apoiaram o golpeachemnt, e com medo de lançar o PDV por meio de Medida Provisória ou projeto de Lei, porque o governo está com dificuldades enormes não só na opinião pública, mas na base de apoio”, afirmou.

Maior prejudicado será a população

O economista teceu críticas também à forma como o governo entende o Orçamento público. “O argumento fiscalista, da austeridade obtusa, olha só a despesa e não pensa que a solução pode vir de buscar a receita. Eles olham o orçamento e veem que há duas contas muito altas: Previdência e pessoal. Então querem fazer uma reforma da previdência e cortar pessoal. Mas a questão é mais complexa que isso”, disse, lembrando que cortar gastos com pessoal impede que o Estado preste um bom serviço à população.

Ele deu como exemplo a recente suspensão da emissão de passaportes pela Polícia Federal, por falta de recursos. “E você tem várias reportagens mostrando a penúria das universidades, dos postos de saúde, hospitais, o sucateamento das rodovias, a ausência de infraestrutura sendo construída. Estamos em situação limite. Para qualquer processo de recuperação, isso vai ser comprometedor”, disse.

Para ele, o efeito do corte de pessoal não será imediato. “É um processo de tendência de perda de capacidade da máquina pública, em especial da parte mais capacitada e qualificada da administração pública. O posto do INSS, a sala de aula e o ambulatório já estão sofrendo as consequências dessa política. O PDV só vem aprofundar o quadro de penúria”, declarou. Na sua opinião, a mobilização das entidades representativas dos servidores pode obrigar o governo a recuar do programa.

Por fim, Kliass analisou que, apesar de todas as medidas anunciadas, o governo deverá ter que rever a meta fiscal em meados do segundo semestre.