“Nossa América está de pé na luta”, declara o Foro de São Paulo

O 23º Encontro do Foro de São Paulo aconteceu na última semana em Manágua, na Nicarágua. No dia 19 foi aprovada a Declaração Final do evento, onde os dirigentes políticos de todo o continente destacam a resistência dos povos latino-americanos e caribenhos à contraofensiva imperialista.

Foro de São Paulo 2017 - Divulgação

Leia a declaração na íntegra:

Nossa América está de pé na luta

No rumo da Unidade de Nossa América para sua segunda e definitiva independência
Depois de mais de cinco séculos de dominação estrangeira e luta indígena e popular pela emancipação, pela primeira vez na história da América Latina e do Caribe seus povos alcançaram uma substancial acumulação social e política, incluindo a ocupação dos espaços institucionais que nos coloca diante de uma formidável oportunidade e um enorme desafio de desenvolver processos de transformação revolucionária ou reforma social progressiva.

Na primeira década de eleições e sucessivas reeleições dos governos de esquerda e progressistas (1999-2009), a necessidade de transformar a sociedade e os espaços institucionais recém-ocupados, fez com que houvesse a negligência do desafio de construir a hegemonia popular, única fonte de poder capaz de fornecer a força necessária para derrotar as tentativas previsíveis do imperialismo e das oligarquias para reconquistar seu antigo domínio monopólico do Estado, e a vacina para imunização contra as insuficiências, desvios e erros que provocam o esvaziamento social e político.

Na época da segunda década do atual estágio da luta (2009 até o presente) esse é o desafio que dificulta o reconhecimento da oportunidade de transformar ou reformar as nossas sociedades. Onde as forças de esquerda e progressistas perderam o controle do poder executivo (Honduras, Paraguai, Argentina e Brasil) os povos fortalecem a luta contra a nova onda neoliberal, e reorganizam-se para reconquistar os espaços perdidos. E onde resistem à ofensiva obstinada para fechar espaços democráticos e reverter as transformações sociais, na Venezuela, Bolívia, Equador, Uruguai, Nicarágua e El Salvador, as nossas forças continuam trabalhando em função da transformação social para alcançar sua emancipação total e definitiva, criar um verdadeiro sistema de integração regional e contribuir para a construção de um mundo multipolar no qual prevaleça uma correlação de forças favorável aos povos.

Hoje enfrentamos uma nova fase de ataques ferozes do imperialismo, da direita e das forças oligárquicas ao seu serviço, o que exige uma plataforma política da esquerda, que sirva como um instrumento para reagrupar nossas forças no espaço do governo, dos partidos e movimentos sociais e intelectuais, com o objetivo de relançar o processo de integração da América Latina e do Caribe, que tem como o seu mais precioso espaço a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), e cujo desenvolvimento e consolidação devem estar em nossos objetivos estratégicos de primeira ordem.

No 50º aniversário do assassinato de Che Guevara e no Centenário da vitória da Grande Revolução Socialista de Outubro, não poderia haver melhor homenagem do que, juntamente com as análises autocríticas, alcançar a criação de uma frente comum continental anti-imperialista que nos leve à segunda e definitiva independência, através da luta popular e do aprofundamento dos processos de mudança progressista e revolucionária no nosso continente.

Após 27 anos, o Foro de São Paulo continua a trabalhar para se fortalecer como um espaço de discussão, diálogo e convergência da esquerda da América Latina e Caribe. O documento Consenso da Nossa América, em permanente elaboração, é uma contribuição para este objetivo político para a unidade necessária e indispensável dos nossos povos na luta que devemos liderar.

Nossa América em sua hora decisiva

A América Latina e o Caribe continuam sendo um cenário de luta entre as oligarquias locais aliadas do imperialismo e os povos organizados em suas lutas patrióticas e anti-imperialistas, rumo ao socialismo.

Hoje, nosso continente vive momentos cruciais de sua história, em que cada vez são mais visíveis os efeitos da crise econômica e financeira, política e moral do sistema capitalista. Grandes economias estão cada vez mais pressionadas pela crise de superprodução e saturação de seus mercados, o que gera deficit comercial, endividamento, tensão orçamentária e a precarização crescente, agora já não mais provocada apenas pelo exterior, mas também domesticamente.

A globalização neoliberal foi projetada e serviu para favorecer as potências imperiais, que não renunciaram nem renunciariam jamais a proteger suas fronteiras e manter empresas rentáveis em todos os cantos do mundo, especialmente aquelas que extraem matérias-primas para a indústria.

Nem tampouco desistiram de eliminar as fronteiras tarifárias com os demais países, nem de desestabilizar politicamente nossos governos e corroer a soberania de nossos povos. Outra coisa é o neoprotecionismo do império, impulsionado por Donald Trump, com o qual se pretende modificar em favor dos Estados Unidos, mas não suprimir – os termos sob os quais tenham sido estabelecidas relações dos EUA com o resto do mundo, no âmbito da globalização neoliberal que as potências imperialistas têm impulsionado e o seguirão fazendo.

Os principais ataques do imperialismo e seus aliados na América Latina e no Caribe são contra a Venezuela e sua Revolução Bolivariana, por seus valiosos recursos naturais e sua importância geopolítica e estratégica. A opinião imperialista é que a sua derrota provocaria um efeito dominó na esquerda nos governos da América Latina e Caribe, especialmente nos países da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América – Tratado de Comércio dos Povos (ALBA-TCP), além de enfraquecer os paradigmas da coordenação política, cooperação e integração promovidos pelos governos dos países-membros da aliança. Daí a importância de defender a Venezuela e prevenir a consumação deste plano.

A batalha pela Venezuela é a batalha pelo continente e pelo mundo. O triunfo das forças revolucionárias na Venezuela representa o triunfo de todas as forças de esquerda no mundo inteiro e em especial, na América Latina e no Caribe. Sendo a Revolução Bolivariana o alvo de ataque principal do imperialismo e de seus lacaios, o movimento revolucionário e progressista latino-americano e mundial não podem fazer menos do que ter como principal prioridade em seus planos de luta e estratégias a defesa da Revolução Bolivariana até as últimas consequências. É por isso que este 23º Encontro do Foro de São Paulo teve como conteúdo fundamental a batalha pela Venezuela.

São processos desestabilizadores bem conhecidos realizados pelo imperialismo norte-americano através de oligarquias locais, contra as mudanças progressistas e revolucionárias em nosso continente. Os golpes de Estado em Honduras, no Paraguai e no Brasil; as tentativas de golpe na Venezuela e a guerra econômica contra este país; as tentativas de golpe policial no Equador e secessionista na Bolívia; a ameaça de vetar o acesso da Nicarágua a créditos das organizações financeiras internacionais, com a iniciativa legislativa da extrema direita dos EUA conhecida como Lei Nica; a campanha de obstrução e descrédito da gestão do governo da FMLN; a judicialização da política na Argentina, no Brasil e em El Salvador; bem como declarações ofensivas e descontextualizadas do presidente Donald Trump contra Cuba e, mais recentemente, com relação aos Estados Unidos que tomarão medidas econômicas fortes e rápidas, no caso de a Venezuela levar adiante a eleição da Assembleia Nacional Constituinte, marcada para 30 de julho. Estes são apenas alguns exemplos da intervenção imperialista em nossos países.

Depois de um ano do golpe no Brasil, existem medidas tomadas pelos golpistas que têm sérias repercussões internacionais, especialmente em nossa região, como as reformas trabalhistas e de seguridade social, que violam várias convenções da OIT, além de promoverem uma política externa subordinada ao imperialismo e de agressão ao governo venezuelano. O golpe é contínuo no Brasil que acaba de dar mais um passo com a condenação do ex-presidente Lula, de forma a impedir que seja candidato novamente à Presidência da República, em 2018.

Um golpe contra um é um golpe contra todos e estamos todos ao lado de Lula, de seu partido e de seus aliados, em defesa da democracia e contra o retrocesso econômico, social e político, vigente agora no Brasil.

Desde o triunfo da Revolução Bolivariana, em 1998, que inaugurou a fase ascendente para a esquerda latino-americana e caribenha na luta pelo poder, chegando ao governo em dez nações latino-americanas, somente na Argentina, as forças populares perderam. Este é um fato que prova conclusivamente a força dos processos de mudança no nosso continente. Enquanto isso, em Cuba, Nicarágua, Equador, Bolívia, Uruguai e El Salvador os governos de esquerda consolidam-se cada vez mais.

Em Cuba avança a passo firme a atualização do modelo econômico e social e a consolidação do Partido como suporte para a continuidade histórica do processo revolucionário. Na Nicarágua avança a Revolução Sandinista em sua segunda etapa, criando o poder popular e reduzindo a pobreza e a desigualdade social no marco do modelo de consenso e alianças com amplo e sustentado respaldo da população. No Equador tem lugar a renovação criativa do processo de mudanças e transformações da Revolução Cidadã liderada inicialmente pelo companheiro Rafael Correa. Na Bolívia a Revolução Democrática e Cultural tem alcançado grandes conquistas sociais, o que fortalece a liderança do presidente Evo Morales, indicado pelos movimentos sociais para as eleições de 2019 no marco da Constituição e das leis, para assegurar a continuidade do processo revolucionário. No Uruguai se prioriza, nas políticas de governo, os aspectos sociais que têm significado importantes avanços em áreas como a saúde, a educação, os direitos trabalhistas, assim como também em segurança pública e infraestrutura. Em El Salvador a esquerda luta para ampliar e consolidar a transição democrática iniciada a partir dos acordos de Paz de 1992, e as transformações sociais e econômicas iniciadas desde a chegada ao governo em 2009 e 2014 pela FMLN, enfrentando permanentemente os intentos da direita oligárquica de revertê-las e/ou estancá-las. Na Venezuela, apesar de a crise causada por manobras do imperialismo e da guerra econômica contra o povo e o governo, as forças bolivarianas têm conseguido manter a iniciativa com a Convocação da Assembleia Nacional Constituinte para o aprofundamento da Revolução Bolivariana e a defesa da paz e da estabilidade no país, que gradualmente vai logrando sair da crise, em que pese a imagem que em sentido contrário apresentam os meios de desinformação.

Desde o início da ofensiva imperial atual, a esquerda conquistou três vitórias presidenciais: em El Salvador com o professor Salvador Sánchez Ceren em 2014, na Nicarágua com Daniel Ortega em 2016, e no Equador com o camarada Lenin Moreno Garcés em 2017, dando continuidade ao processo da Revolução Cidadã. Esses são fatos que refutam a tese do “fim do ciclo progressista” na América Latina e no Caribe.

Encorajamos a unidade mais ampla e mais forte das forças progressistas e revolucionárias em cada país e em âmbito continental, e a dar um salto de qualidade em nossos mecanismos organizacionais, que nos permita definir uma estratégia e programa conjuntos de todas as forças de esquerda e progressistas do continente, sem lamentar revezes nem vangloriar-se de triunfos e, estando em permanente mudança autocrítica, ao mesmo tempo sermos firmes defensores de nossas conquistas, para aprofundá-las com iniciativa e audácia.

Onde a direita recuperou o governo, os povos estão erguidos para a luta, e as forças de esquerda e progressistas tem muitas possibilidades de voltar a governar em curto prazo. A direita só tem o neoliberalismo como projeto, que tanto mal já causou aos povos. Por isso – e como demonstram os acontecimentos no Brasil e na Argentina – a ferocidade das medidas de reação nos países onde recuperou o governo está sendo o fator que causa uma radicalização das forças populares e a ativação de setores que até agora pareciam distantes, apáticos e manipuláveis, comportamento que se vê favorecido pela situação econômica e social difícil, ainda há milhões de pessoas nos países da América Latina e do Caribe afligidos pela desigualdade, pobreza extrema, fome, desemprego, analfabetismo, falta de acesso à educação e aos mais elementares serviços básicos de saúde, uso de drogas, violência, discriminação e outros males próprios do capitalismo, que são exacerbados pelo modelo social neoliberal. Todos esses males sociais são acentuados com a política das potências imperialistas e oligárquicas que tentam minar as bases sociais da esquerda, através da mais atroz marginalização e banalização. A indústria do entretenimento é usada como uma droga para construir ídolos cada vez mais desumanizados e supérfluos.

Como expresso na Declaração Final da XIV Reunião de Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da ALBA-TCP em Caracas, em 5 de março de 2017:

Os governos e os povos da ALBA-TCP vemos nestes fenômenos uma nova oportunidade para reagrupamento, mobilização e luta. Devemos apoiar as ações emancipatórias, definir horizontes claros e realistas, identificar bem os valores e princípios que nos unem e assumir um programa de integração, solidariedade e ação internacionalista, estabelecendo premissas econômicas, sociais e políticas de mudança libertadora.

Hoje, mais do que nunca, são atuais as palavras de Che na Assembleia Geral das Nações Unidas, citando a Segunda Declaração de Havana:

“Esta onda de trêmulo rancor, de justiça reclamada, de direito pisoteado, que começa a se levantar por entre as terras da América Latina, esta onda já não vai mais parar. Esta onda irá crescer a cada dia que passa. Porque esta onda é formada pela maioria, os que são majoritários em todos os aspectos, os que acumulam com seu trabalho as riquezas, criam os valores, fazem andar as rodas da história e que agora despertam do longo sonho embrutecedor a que os submeteram.
Porque esta grande humanidade disse Basta! e tem se levantado a andar. Em sua marcha de gigantes já não se deterá até conquistar a verdadeira independência…”

A revolução cubana abriu a era de luta continental pela libertação e o socialismo. Vinte anos depois, a Revolução Sandinista reavivou as esperanças na luta revolucionária e inaugurou a era do colapso das ditaduras militares da direita pró-imperialista no continente. Vinte anos depois, a Revolução Bolivariana foi o início de uma ofensiva revolucionária sem precedentes, em que até uma dúzia de países da América Latina tornou-se governada por forças progressistas e de esquerda.

Faltando pouco tempo para se completar o vigésimo aniversário da Revolução Bolivariana, novos processos de luta são desenvolvidos a partir do grande potencial revolucionário dos nossos povos. A única maneira de enfrentar a ofensiva imperialista é fortalecer a unidade das forças de esquerda e aprofundar os processos de mudança social em curso. Só assim se poderá incentivar e tornar crescente a luta dos povos para manter o terreno alcançado e avançar para novos triunfos populares na ampla Grande Pátria Latino-americana e Caribenha.

O aprofundamento das mudanças em andamento está na criação de um novo modelo político e econômico, no qual os cidadãos não só devem eleger representantes e governantes, mas também decidir a política pública de Estado e de Governo, tomar decisões, definir o quadro de ação dos representantes e funcionários eleitos e monitorar seu desempenho no que deveria ser uma nova instituição, a partir da qual os povos possam, portanto, exercer diretamente o poder. Um modelo que, na esfera econômica, consiste na coexistência de empresa privada com um novo setor econômico de caráter popular, em que os trabalhadores possam criar seus próprios meios de produção, e onde o Estado assegure esta democracia econômica e complemente o desenvolvimento das forças produtivas, a prosperidade com a equidade social e a erradicação da pobreza.

O aprofundamento das mudanças está também na estratégia de luta pelo poder, que implica não reduzir esta a uma luta eleitoral por parte do governo, incluindo na mudança as lutas sociais e a disputa por todos os espaços institucionais para a sua transformação, para impedir que a direita faça uso desses espaços para reverter as conquistas sociais alcançadas.

A concretização de um bloco político e social das mudanças para deslocar o bloco dominante deve ter na classe trabalhadora do campo e da cidade (assalariados ou não) o seu principal protagonista, acompanhada de amplos e diversos setores da sociedade, incluindo camadas médias, intelectuais e progressistas, pequenos produtores e empresários. A defesa e o aprofundamento das mudanças sociais e da democracia requer uma base ampla de apoio. A criação de um novo modelo político e econômico é parte indispensável na construção de uma nova forma de exercer o poder.

Esse novo modelo político e social necessita de um instrumento político que impulsione o protagonismo popular e a construção de uma vontade coletiva nacional e popular.

O apoio popular aos governos de esquerda é garantido com um programa que conduza à criação de atores econômicos de uma nova ordem social, que por sua vez são os protagonistas sociais do novo modelo político, baseado no exercício direto do poder pelos cidadãos, como parte de um processo de transformação social impulsionado por um instrumento político organizado através da ação política e ideológica das suas estruturas, em todas as áreas da vida social e a partir de um novo quadro institucional que seja a expressão do exercício direto do poder pelo povo.

Isto implica a necessidade de uma liderança revolucionária, que deve ser forjada fortemente e perdurar durante a implementação das mudanças sociais necessárias, para contribuir ao maior grau de irreversibilidade possível para os processos de transformação.

O Estado deve jogar o papel fundamental de dirigir e regulamentar a atividade econômica e, para tanto, deve garantir a distribuição justa da riqueza e implementar planos de desenvolvimento econômico e social que contem com o respaldo popular e articulem-se ao processo de integração regional latino-americano e caribenho.

O âmbito cultural e comunicacional

Devemos criar uma frente cultural e comunicacional anti-hegemônica que some os esforços dos governos progressistas e das forças políticas dos movimentos de esquerda e sociais. Não é possível uma verdadeira revolução se não for acompanhada por uma profunda revolução cultural e midiática.

Não se pode esquecer a opressão que temos sofrido os povos colonizados e neocolonizados, desde a conquista com o saque e a destruição até os primeiros ataques do nascente Império do Norte contra o México, arrebatando a este país a metade de seu território, e toda a história de exploração de nossos recursos naturais, intervenções armadas, ditaduras militares impostas pelos Estados Unidos e a continuação atual da opressão imperialista mediante a ação depredadora das corporações sobre nossos países, cuja pobreza se origina em toda essa história de latrocínio.

Isto se manifesta em toda a crônica sinistra de intervenções imperiais sucessivas na América Central e no Caribe, apoiando as ditaduras sangrentas, a gestação de golpes militares, o Plano Condor implementado pelas ditaduras militares do Cone Sul, com a sua sequela de torturas e desaparecimentos, o uso continuado do terrorismo, a guerra suja contra a Nicarágua na década de oitenta, o bloqueio criminoso e operações subversivas contra Cuba e outros países progressistas do continente, constituem um legado que não se pode esquecer.

Por causa disso, devemos usar as efemérides associadas a esta história para conduzir campanhas, eventos, fóruns virtuais e outras iniciativas que nos ajudem a disseminar a verdade, livre de distorções e manipulações; e estimular a elaboração da análise crítica sobre “obras” e “figuras” contidas em falsos ídolos e sobre armadilhas do aparato de legitimação do sistema capitalista, desmontando e denunciando suas manipulações.

As forças de esquerda devem fazer o possível para fomentar redes que articulem os núcleos de resistência cultural que estão dispersos; criar uma frente de pensamento anti-hegemônico, sob princípios capazes de aproximar pessoas e grupos de filiações políticas diversas, desde as mais radicais até as de inspiração humanista.

É necessária também a mudança do discurso e da linguagem política, baseando-os em novos códigos, que incluam um enfoque adequado de classe, identidade e gênero, que mantenha a honestidade, a comunicação direta e confiável entre as pessoas, capaz de ouvir e refletir as suas preocupações e interesses e contribuir para o desenvolvimento do pensamento independente, comprometido com a transformação emancipatória. A defesa permanente da verdade é essencial na atuação da esquerda.

É necessário impulsionar a criação de entidades de investigação e fomento que funcionem como aliadas dos movimentos sociais e progressistas de esquerda para influir no campo da cultura. Ali onde já existam estas entidades, há que se potenciá-las ao máximo, apresentado-as aos setores intelectuais sem nenhum tipo de sectarismo. Algumas destas entidades podem ter um papel ativo na produção de conteúdos e na geração de propostas para escoar nossas ideias, tendo em conta os enormes investimentos que tem feito e segue fazendo o Império para disseminar estratégias cada vez mais sutis a serviço de seus interesses.

Deve se dar visibilidade a figuras e obras que representem a cultura da resistência; devem ser identificados eventos e programas culturais, onde essas figuras possam ser apresentadas e promovidas; desmontar os embustes do neoliberalismo e do capitalismo e promover as ideias de emancipação, com o apoio da intelectualidade que a máquina hegemônica exclui. Nosso desafio está em nos somar a essa vanguarda e garantir um uso eficaz das novas tecnologias, em função da participação cidadã e da defesa das causas e ideias verdadeiramente justas.

Os ativistas das redes sociais devem ser conectados àqueles que usam como um meio de expressão de suas demandas as emissoras de rádio e televisão comunitárias, para que a verdade vá encontrando circuitos para que seja divulgada, em meio ao dilúvio de mentiras. Devemos incorporar à nossa agenda os temas culturais e adicionar à nossa luta, sem prejuízos, os esforços daqueles que enfrentam o discurso hegemônico no campo intelectual, especialmente na batalha midiática.

É necessário fazer pleno uso das redes sociais, criar meios alternativos em todos os formatos existentes (rádio, televisão, mídia social, imprensa), que nas mãos dos comunicadores sociais gerem debates sem manipulação, informações a partir de posições firmes de esquerda distante do panfletário, que é estéril, mas com liderança política e conteúdo ideológico.

Devemos garantir também a penetração na mídia comercial e meios de comunicação convencionais, para incluir as vozes progressistas e combater a guerra midiática da direita continental contra os governos progressistas do continente. Devemos vincular esta tarefa com o estudo da história e da teoria revolucionária, de modo a sermos capazes de fortalecer a luta de ideias, que é a mais importantes das lutas revolucionárias.

Todas estas tarefas constituem exigências destes tempos em que, talvez como nunca, é decisivo diversificar as vias para chegar as bases e multiplicar nossa capacidade para – como nos disse Fidel – ‘semear ideias, semear consciência’.

Projeções gerais em curto e médio prazos

É necessária a mobilização das forças progressistas e de esquerda, tanto em nível político-partidário quanto dos movimentos sociais, identificando os temas que podem gerar unidade no mais amplo espectro político possível, com o objetivo de desenvolver uma agenda para a consolidação da unidade das nossas forças e promoção da Celac como o principal espaço de concertação da região.

É preciso avançar na concertação entre as forças políticas e os movimentos de esquerda, para que seja possível a ação coordenada nos foros regionais e internacionais e no enfrentamento da ofensiva imperialista e de direita.

Devem ser ampliados os espaços de consulta e cooperação com todos os atores e organizações internacionais que desafiam a hegemonia dos EUA e defendem um mundo multicêntrico e multipolar.

Todos os aspectos que representam debilidades do imperialismo e das forças das oligarquias devem ser detectados, estudados e aproveitados, ao máximo, assim como suas próprias contradições.

Tendo em conta que a livre circulação do capital, a falta de controle da banca privada e a cobiça dos donos das empresas e corporações que permitiu que na América Latina se evadam U$ 340 milhões de dólares, convertendo-se isto em um enorme escândalo de corrupção do setor privado, invisibilizada pelas corporações midiáticas, apoiamos a proposta do governo equatoriano de criar um organismo internacional tributário nas Nações Unidas e reconhecemos seu esforço executivo e legislativo na luta contra os paraísos fiscais.

O compromisso com a proclamação da América Latina e do Caribe como Zona de Paz, adotado na Segunda Cúpula da Celac, realizada em Cuba em janeiro de 2014, deve orientar a nossa ação internacional e defender os valores universalmente reconhecidos pelo direito internacional e consagrados na Carta das Nações Unidas. Isto deve incluir um profundo compromisso anti-imperialista e, portanto, anticolonialista, que reivindique o direito à independência, à soberania e à autodeterminação dos povos.

Uma ameaça ou agressão do imperialismo contra algum dos nossos países deve ser reconhecida por cada qual como uma ameaça e agressão a todos aqueles que integram a frente continental de forças progressistas e de esquerda, assim como uma afronta e violação à Proclamação da América Latina e o Caribe como Zona de Paz.

Eixos de mobilização popular

Nossa luta é parte da luta global que usa diferentes formas para enfrentar a ofensiva imperial dos Estados Unidos. Neste sentido, apoiamos e assumimos o desafio da recente declaração das bancadas da esquerda da Europa e América Latina.

Condenamos o fortalecimento do militarismo em todo o mundo e exortarmos os Estados Unidos e a Europa a encerrar às incursões militares que desestabilizam os países do Oriente Médio, para apoderarem-se de seus recursos naturais, em clara cumplicidade com grupos terroristas, que tanta desolação e morte têm levado aos povos afetados e é a verdadeira origem da migração em massa para a Europa daqueles que fogem da morte da guerra levada pela mesma Europa aos seus países.

Denunciamos o papel da Organização dos Estados Americanos (OEA) como o Ministério das Colônias dos Estados Unidos, que desde a Secretaria-Geral e de maneira particularmente beligerante nos últimos anos, se tem posto sempre a serviço dos interesses da ingerência externa e faz vista grossa ante os múltiplos atentados contra a democracia e graves violações dos direitos humanos por parte dos governos oligárquicos e pró-imperialista da América Latina e Estados Unidos.

Condenamos a guerra não convencional e de amplo espectro, econômica e midiática contra a Venezuela pela direita oligárquica venezuelana que, estimulada pelo governo dos EUA, está empenhada em desestabilizar e pôr fim, por meio do terrorismo, ao governo democraticamente eleito do presidente Nicolás Maduro, que apesar da situação econômica difícil, continua a alocar 70% do orçamento público para o bem-estar de seu povo.

O foro de São Paulo se declara em estado de alerta e em Sessão Permanente, em apoio à luta do povo venezuelano em defesa da Revolução Bolivariana.

Nos solidarizamos com as forças políticas e sociais que são reprimidas e perseguidas pelo governo do presidente Mauricio Macri.

Estamos solidários com a paz na Colômbia e denunciamos todo o conjunto de ações com que a extrema-direita deste país pretende boicotá-la; as matanças sistemáticas de dezenas de líderes sociais, defensores dos direitos humanos, lutadores pela paz e indultados das FARC e suas famílias por forças paramilitares abrigadas sob o manto protetor do terrorismo de Estado; e exigimos o total cumprimento do Acordo de Paz, especialmente a libertação dos presos políticos que estão em greve de fome há vinte e quatro dias exigindo o cumprimento da lei de anistia. Da mesma forma apoiamos as negociações com o Exército de Libertação Nacional (ELN).

Exigimos a liberdade de Simón Trinidad e Sonia, revolucionários colombianos e combatentes das Farc, que continuam presos nos Estados Unidos, injustamente, uma vez que as falsas acusações contra ambos foram, um após a outra, desmascaradas.

Exigimos a liberdade de Milagro Sala, Deputado do Parlasul, dirigente social argentina e prisioneiro política, por defender os direitos dos setores mais pobres e negligenciadas em seu país.

Regozijamo-nos com a liberdade de Óscar López Rivera, o lutador pela independência de Porto Rico, recentemente libertado da prisão, graças a uma campanha internacional obstinada pela sua liberdade e sua forte resistência e firmeza inabalável.

Apoiamos plenamente a mobilização dos trabalhadores brasileiros contra as políticas neoliberais e antipopulares do governo golpista de direita de Temer, e a Lula em sua luta por justiça e democracia social, que desencadeou a fúria de seus oponentes, que desejam inabilitá-lo politicamente.

Solidarizamo-nos com o povo e o governo da Nicarágua, que atualmente enfrentam a ameaça de um veto dos Estados Unidos contra o acesso ao crédito em instituições financeiras internacionais, como chantagem política pelos setores mais reacionários do Congresso, do Senado e o governo dos EUA, estimulados pela direita nativa, com a ilusão de que, como resultado disso, os ditames imperialistas sejam acatados pelos sandinistas, cujas raízes estão na luta vitoriosa de Augusto C. Sandino contra as tropas intervencionistas dos EUA, e que contam com o apoio popular e uma correlação de forças amplamente favorável, em todas as áreas da vida política nacional.

Estamos solidários com o povo e o governo de El Salvador, que conseguiu deter e começa a reverter a crise econômica resultante de duas décadas de governos neoliberais, reduzir a pobreza em 8% e implementar um plano de segurança bem-sucedido, apesar de ter sido submetido a uma estratégia multifacetada e desestabilizadora, que inclui o bloqueio econômico à gestão do governo, pelo partido da oligarquia (ARENA) na Assembleia Legislativa e por juízes a seu serviço, que controlam a Câmara Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça.

Lutamos pela educação gratuita e o acesso à educação de qualidade; por uma cobertura de saúde universal, gratuita e de qualidade; a eliminação da fome e da desigualdade em toda a região.

Rechaçamos a criminalização dos imigrantes, as políticas anti-imigração e a violação dos direitos humanos e trabalhistas dos latino-americanos e caribenhos nos Estados Unidos. Apoiamos primordialmente a luta por manter os benefícios temporários de trabalho (TPS) que ajudam a centenas de milhares de famílias de El Salvador, Honduras, Nicarágua e Haiti. Repudiamos absolutamente as ameaças do governo dos Estados Unidos, do Partido Republicanos e de congressistas de direita que pretendem chantagear a estes e outros governos para forçar o voto em organismos internacionais como a OEA, em prol do apoio ao intervencionismo dos Estados Unidos, sob a ameaça de eliminar os benefícios migratórios destes povos. Defendemos que o governo do México comece a devolver os fundos de poupança desviados dos chamados “braceros” trabalhadores mexicanos que foram empregados nos Estados Unidos entre 1941 e 1964. Apoiamos um mundo sem fronteiras priorizando a livre a circulação de seres humanos e não apenas a livre circulação de mercadorias. Por isso, rejeitamos os Muros, ao que se pretende erguer na fronteira México – Estados Unidos.

Apelamos pela eliminação total do arsenal atômico que existe no mundo, somos contra a corrida armamentista e a existência de bases militares em território estrangeiro.

Rejeitamos todas as formas de racismo e discriminação. Promovemos o exercício pleno dos direitos econômicos, culturais, sociais e políticos das mulheres e a eliminação da cultura patriarcal.
Exigimos a retirada das forças da MINUSTAH que, seguindo um mandato do Conselho de Segurança da ONU, antidemocrático, ocuparam o Haiti há mais de uma década.

Condenamos o tráfico de drogas, tráfico de seres humanos e o terrorismo, e denunciar a dupla moral de um sistema que diz lutar contra o crime organizado, porém protege seus maiores promotores e principais responsáveis. Defendemos o cultivo legal e o tradicional uso benéfico da folha de coca.

Condenamos as políticas anti-imigração e o terrorismo e promovemos o reconhecimento dos imigrantes como trabalhadores, e o respeito aos seus direitos trabalhistas e humanos.

Solidarizamo-nos com os povos que hoje enfrentam governos de direita na região.

Proclamamos o direito humano à água, lutamos contra a destruição do meio ambiente, a ameaça à biodiversidade e ao ecossistema em geral.

Apoiamos as demandas dos pequenos Estados insulares do Caribe à reparação dos danos causados pela escravidão humana e pelo acesso aos recursos que permitam sua resiliência às mudanças climáticas.

Exigimos o fim incondicional, total e definitivo do bloqueio econômico, comercial e financeiro do governo dos Estados Unidos contra Cuba, e a indenização ao povo cubano pelos danos causados por mais de meio século de agressões de todos os tipos.

Exigimos a devolução ao povo de Cuba do território ocupado pela base naval ilegal estadunidense em Guantánamo.

Apoiamos a reivindicação histórica da Argentina sobre a soberania das Ilhas Malvinas, Geórgias do Sul e Sanduíche do Sul.

Apoiamos a Bolívia em sua demanda por uma saída ao mar, com soberania.

Exigimos a descolonização completa do Caribe e, particularmente, apoiamos a independência de Porto Rico, que lembra, em 25 de julho de 2017, cento e dezenove anos de invasão militar dos EUA contra aquele país caribenho.

Da mesma a forma, exigimos a eliminação de toda forma de colonialismo e neocolonialismo.
Exigimos a retirada de todas as bases militares dos EUA que existem na região (77 no total, que juntamente com a Quarta Frota, cobrem todo o espaço regional), e todas as bases militares estrangeiras em qualquer país, onde quer que se encontrem.

Apoiamos o pedido de indenização ao Caribe pelos horrores da escravidão e do tráfico de escravos, assim como ao restante da América Latina, pelos 500 anos de saques de suas riquezas e de seus povos, que ainda continuam.

Defendemos os direitos e culturas dos povos indígenas e afrodescendentes, e assumimos suas lutas de restituição e pleno exercício dos seus direitos históricos.

Neste momento decisivo para o nosso continente, enfrentamos o desafio de aprofundar os processos de mudança em curso como a única maneira de derrotar a ofensiva da direita e do imperialismo, fiéis à nossa luta pela paz, a democracia e o socialismo, a única garantia para alcançar a nossa segunda, final e verdadeira independência política e econômica, bem como a nossa emancipação cultural e nossa própria identidade continental latino-americana e caribenha; a identidade, a soberania e autodeterminação desta grande pátria justamente batizada pelo apóstolo continental, José Martí, como a Nossa América, que é o sonho de Bolívar, cada vez mais perto de se tornar realidade.

Nossa América está de pé na luta! Até a vitória sempre!

Cidade de Manágua, 19 de julho de 2017.