Guadalupe Carniel: O futebol e o nada

Nada. Sabe quando não se passa nada? “Há metafísica bastante em não pensar em nada. ” Pessoa falou tudo ao falar do nada. O nada é o vazio? Nem sempre. O zero que é a representação do vazio revolucionou o mundo ocidental nos números e quando colocado à esquerda vale nada. Para os budistas, o nada não é o vazio, que é o que se busca meditando, já que é impossível sentir nada.

Estadio vazio

O futebol se esvaziou. E tem horas que eu me pergunto se ele também não se tornou o nada. Eu olho para uma partida e não vejo mais lances brilhantes. O espetáculo foi reduzido a um jogo…de interesses. Ganha quem tem dinheiro. Os tidos pequenos não têm vez. E não me refiro só a uma posição lá em cima da tabela da elite do futebol brasileiro (nunca a palavra elite coube tão bem numa expressão). Eles não têm espaço, seja na mídia ou no calendário.

Por falar em espaço, ainda temos o esvaziamento dos estádios. O preço dos ingressos. Jogos que não valem o quanto cobram, afinal, 60 ou 80 reais num campeonato estadual enfraquecido? No meu caso, torço para o Juventus de São Paulo, a FPF criou uma regra de que deveriam ter duas faixas de ingressos na série A2 e não contava meia entrada nessa divisão. Sendo assim, 30 ou 40 reais para assistir partidas sofríveis? Jogos em horários pífios (ou às dez da noite e daí o torcedor não tem como voltar) ou jogos importantes às três da tarde de uma quarta-feira. Pode apostar que em breve o torcedor será culpado pelo esvaziamento dos estádios e não haverá arquibancadas. Ah e quando lota que se comemora renda? Renda! E não o público, como até poderia ser… Não há mais torcedores. Esses para os clubes são os tais zero à esquerda já que querem levar faixas, cantar e ter voz ativa. Eles não interessam já que não gastam tanto quanto os consumidores, que são como cordeirinhos e engolem jogadas de marketing.

Por falar em números, só se fala de recordes. Tal jogador fez X gols em uma única partida. “Ele é incrível por isso, fiquem de olho”, a imprensa diz. Tal jogador fez 100 partidas por um clube. “Esse ama a camisa que veste”. Eu vejo esses números e em geral eles não representam nada. Complicou-se o esporte para embalar e vendê-lo de forma bonita.

Ah, ainda temos a imprensa. Salvo raros momentos, nossa imprensa esportiva continua amadora. Ampliaram-se as páginas dedicadas ao futebol, mas esvaziaram-se os conteúdos. Já experimentou ver os programas de esportes dos canais fechados? Cadê o futebol? Nada. Os programas de esportes são iguais. Do canal X, do Y e do Z. O formato, a disposição dos apresentadores e comentaristas. O conteúdo. Fala-se de tudo, menos de futebol. Acrescente-se a isso que todos são especialistas em esquemas táticos. Todos sabem a solução para todo e qualquer time ser campeão. Se fosse isso, todos os técnicos deveriam seguir os conselhos dos “especialistas”. Que em geral fazem jornalismo, marketing esportivo e jogam os FIFA e PES da vida. Mas colocar o pé no campo ou num chão de terra batido nada né? É muito fácil falar na salinha, com ar-condicionado e horas de teoria. Já diria o anjo das pernas tortas “Você já combinou isso com o adversário?”.

Reza a lenda que somos o país do futebol. Não acredito nisso. Nunca se falou tanto e nunca se consumiu tanto. Mas não futebol. É um resquício do esporte que ficou lá para trás. Eu falei em jogos sofríveis. Quando foi a última vez que você assistiu uma partida memorável? As partidas estão niveladas por baixo. Não há criatividade. Nada. Nenhuma jogada nova. Nenhum esquema tático novo. É a supremacia do futebol duro, mecânico. Nós, sul-americanos que sempre fomos as matrizes de bons jogadores não temos mais nada de novo. NADA. Se formos olhar friamente, o último criador de um esquema tático foi o Tite. Sim, aquela Titebilidade e groselhada toda que a mídia ovacionou. É a vitória do futebol feio, mas que dá resultado (já que o que vale são números) sobre o futebol-arte.

Ah, mas tem o futebol que nos faz esquecer de tudo, certo? Mas o que restou dele? Nada. Ou quase nada. Estamos vivendo de migalhas.