Penélope Toledo: Profissão: ser alvo de machismo

Desmerecer o gênero feminino foi o recurso ao qual o técnico Guto Ferreira, do Inter-RS, recorreu para responder a uma repórter que lhe perguntou sobre pressão nos jogadores. “Você é mulher e talvez não tenha jogado futebol”, disse.

Germana Garilli

Afora a arrogância de pressupor que tem que jogar futebol para entender do tema e da supervalorização da prática em detrimento do conhecimento científico, a resposta arrepia pela alta dose machismo. Ignora que mulher também joga futebol e dá a senha – “você é mulher” – para nos colocar em nosso devido lugar – que claramente não é o futebol, no pensamento machista.

Mulheres no jornalismo esportivo

Em sua resposta, repórter Kelly Costa se apresenta e conta que é a única repórter mulher no Futebol da Gaúcha. Realidade que não é só a dela, infelizmente. Apesar de ser maioria nas redações (64%, segundo a Federação Nacional dos Jornalistas), apenas 7% das moças assinam matérias sobre esportes.

Na TV fechada tem mais, 13%, entretanto, muitas se limitam à figura decorativa que lê os e-mails, são tratadas como musas e meras “cafés com leite” nas discussões. As que debatem são vistas com desconfiança pelos próprios colegas e quase sempre são as únicas mulheres na mesa. Sem falar que faltam vozes femininas nas narrações dos jogos.

A primeira colaboradora do jornalismo esportivo que se tem notícias foi Germana Garilli, a Gegê, na tribuna Ituana, em 1962. Oito anos depois a primeira mulher foi contratada para atuar na área de esportes, na rádio gaúcha de Porto Alegre.

De lá para cá, a dura realidade destas repórteres é a mesma: a todo momento precisam driblar a desconfiança sobre sua capacidade e sobre como conseguem as informações, passar pelo menosprezo dos demais setoristas e dos entrevistados, fintar as ofensas gratuitas e raivosas.

Quando se aventurou na inédita locução esportiva da Globo, Glenda Kozlowski foi chamada de “louca histérica” por internautas e perdeu espaço. E como o machismo não tem fronteiras, a alemã Cláudia Neumann, primeira narradora de partida da Eurocopa masculina, também não foi perdoada por ser mulher no futebol: foi acusada de ter “voz irritante” e, pasmem, até ameaçada de estupro.

A cultura do estupro

Além de serem ameaçadas de estupro, as moças que ousam “ocupar” o futebol, um espaço que muitos homens julgam exclusivos, convivem com o assédio, desde suas manifestações mais sutis, até as assustadoramente grosserias. “Ah, eu vou gozar, vem aqui que eu vou te passar o peru”, gritavam torcedores para a repórter Kelly Costa.

Homem nenhum tem o direito de falar assim com uma mulher que não lhe deu permissão. Mas vivemos em uma sociedade que legitima o assédio, que naturaliza o cara “dar em cima”, que justifica alegando “natureza” masculina, que camufla os excessos sob a falsa categorização de “elogio”, que enaltece a figura do “garanhão”, que acha engraçado abordar com palavras desrespeitosas, que ignora se a moça tem ou não vontade, que atenua as denúncias e se volta contra aquelas que não aceitam.

Já apontei este dado aqui em outras vezes, mas há de se reforçar que no Brasil, a média é de um estupro a cada 11 minutos (fonte ‘Mapa da Violência – Homicídio de Mulheres’).

Faço minhas as palavras da menina de 15 anos assediada em rede nacional por um homem maior de idade e sob as gargalhadas de Sílvio Santos: “até quando as mulheres vão viver precisando aceitar tudo? Não, é não!”. E ponto final.