Usuários são pessoas: a forma de tratar a Cracolândia

Matéria publicada no jornal Folha de São Paulo, na terça-feira (11), aborda o problema do crack em Curitiba. Segundo a reportagem, após operações de limpeza, revitalização e segurança no centro, usuários da droga teriam se espalhado para os bairros. É informado, inclusive, que ao lado do terreno onde os usuários estão, “crianças carregam mochilas e seguem para casa”.

Por Alessandra Monterastelli 

Cracolandia - Nelson Antoine/Fotoarena

Pela leitura da matéria, é possível perceber que o problema não difere muito do que aconteceu em São Paulo, após a ação policial a mando do prefeito João Dória (PSDB), na Cracolândia. O atual prefeito de Curitiba, Rafael Greca (PMN), promoveu uma operação recentemente para combater possíveis formações de “cracolândias” no centro da cidade. Batizada de Operação Saturno, a ação criou “anéis de proteção” na área central. Após o ato, os usuários, organizados em pequenos grupos, migraram para outro ponto de consumo.

O problema do crack na área urbana foi tratado em Curitiba da mesma forma que na capital paulistana: com tom higienista, e como caso de segurança pública. Ambas as cidades fizeram o uso da força policial para dispersar os grupos de usuários, pouco se importando com uma resolução concreta para um caso que deveria ser tratado como de saúde pública.

Ambos os prefeitos parecem muito mais preocupados com a imagem, em fazer marketing de suas gestões. Em depoimento assustador sobre o caso, Rafael Greca afirmou: “não vamos deixar que essa região vire uma “cracolândia”. Nosso centro histórico é magnifico e vamos devolve-lo aos curitibanos”. O jeito de impedir que uma área vire ponto de consumo de crack não é dispersando os dependentes, esses apenas irão para outros lugares. A afirmação do prefeito revela outro aspecto preocupante: o caráter de exclusão dos pobres e moradores de rua da categoria de “curitibanos”, como se estes fossem invasores da própria cidade por serem dependentes, e portando, não bem-vindos ao centro.

E de fato não são. Uma cidade que realmente se preocupa com seus habitantes procuraria dar-lhes acolhimento, tratamento e condições de vida melhores, para que, ao saírem da clínica de reabilitação, a realidade de miséria não seja a mesma.

Bem disse o médico Dráuzio Varella ao ser questionado pela Folha sobre a ação violenta de João Dória em São Paulo: “todo mundo tem que se convencer de que não é possível acabar com a Cracolândia. Ela não é causa de nada, é consequência de uma ordem social que deixa à margem da sociedade uma massa de meninos e meninas nas periferias”. Daí temos também outro ponto: o perfil daqueles que frequentam a Cracolândia. Em sua maioria são negros, pobres, sem ensino médio completo e com poucas perspectivas de melhora de vida. Muito diferente da propaganda veiculada pelo governo de Dória, que adverte como o crack acaba com vidas mostrando um homem branco, com ensino superior completo e filhos.

O depoimento do prefeito de Curitiba remete ainda a raízes do eugenismo do século XIX, quando o governo do Rio de Janeiro queimou cortiços e queimou barracos na tentativa de “embelezar” a cidade, buscando semelhanças com a Belle Epoque europeia. Agora, as prefeituras tentam esconder os graves problemas sociais e econômicos existentes nas capitais, expulsando moradores de rua das áreas centrais.

Como disse Cristina Corso Ruaro, promotora e coordenadora de enfrentamento às drogas no Ministério Público do Paraná, na mesma reportagem: “a questão não é falta de policiamento, é falta de políticas públicas amplas”. A recuperação implica não só no tratamento por vias médicas, mas na mudança de hábitos, lugares e amizades, além de ter acesso a melhores oportunidades. Não parece ser a opinião de Algacir Mikalovski, Secretário Municipal de Defesa Social de Curitiba. Para ele, “tem que ser preventivo”, referindo-se não às propostas da promotora, mas à repressão.

O primeiro passo para encontrar uma solução para o problema do Crack nas cidades brasileiras é enxergar os usuários da droga como cidadãos, dignos de ocuparem a sua cidade como todos os outros, e não como intrusos. Enfim, vê-los com humanidade.

Associada a isso, como bem dizem os especialistas, está a necessidade de se enxergar o caso como um problema de saúde pública, além de tentar melhorar as condições de vida dessas pessoas para que, após o tratamento e as políticas de reinserção na sociedade, ao voltarem para a sua realidade, ela não seja mais de miséria, pobreza e isolamento, evitando a volta para a droga.