Fundações debatem caminhos para sair da crise e reconstruir o país

Na tarde desta sexta (14), as fundações Maurício Grabois, Perseu Abramo, e Leonel Brizola – Alberto Pasqualini se uniram, em São Paulo, para discutir alternativas para tirar o Brasil da crise e fazê-lo se reencontrar com a democracia, o Estado de Direito, o desenvolvimento e o progresso social. O ex-assessor especial para assuntos internacionais dos governos do PT, Marco Aurélio Garcia; o cientista social Ronaldo Carmona e o economista Mauro Benevides Filho participaram do debate.

Debate Fundação Grabois - Clecio de Almeida - Clecio de Almeida

O evento fez parte de uma oficina organizada pelas fundações, ligadas ao PCdoB, PT e PDT. Pela manhã, foram debatidos o legado e as lições dos ciclos dos governos Lula e Dilma e a realidade do Brasil pós-golpe, com Artur Henriques, Fábio Palácio, Wendel Pinheiros, Ana Luiza Matos, Haroldo Lima e Ronaldo Nado Teixeira. 

Para Marco Aurélio Garcia, a atual reconfiguração do capitalismo brasileiro anula conquistas populares de muitas décadas e impõe “um programa autoritário e excludente”, rejeitado nas urnas. “A herança que deixarão os que hoje detém o poder no Brasil terá consequências extremamente negativas para os que tivermos de reconstruir o país”, avaliou, em texto que serviu de base para sua fala no evento.

Na sua avaliação, as forças de esquerda devem buscar profundas mudanças nas esferas econômica e social; a vigência plena da democracia, pelo exercício efetivo da soberania popular e a garantia da inserção soberana e solidária do Brasil no mundo.

De acordo com ele, para superar a atual crise, é necessário, além de uma nova política econômica, realizar previamente uma reforma político-institucional que possa abrir novas perspectivas para a democracia e o desenvolvimento.

“A democracia política, econômica e social não pode ver-se avassalada por uma coalizão empresarial, hegemonizada pelo capital financeiro, que busca impor ao país, contra a maioria da sociedade, legislações trabalhistas e previdenciárias regressivas, ao mesmo tempo em que fragiliza – quando não destrói – os componentes mais dinâmicos de seu sistema produtivo”, analisou.

Garcia defendeu que precisam ser criadas as bases para que o país experimente um prolongado período de crescimento sustentável do ponto de vista social, capaz de produzir a redução constante da pobreza e da desigualdade e ao mesmo tempo conseguir equilíbrio do ponto de vista macroeconômico. Para isso, ele apontou que é necessário que o Estado tenha forte presença em setores estratégicos da economia.

O ex-assessor dos governos do PT ressaltou a importância de fortalecer a indústria nacional. Segundo ele, a retomada do desenvolvimento e um projeto de reconstrução nacional sção indispensáveis para atender às demandas sociais. Numa espécie de autocrítica, ele avaliou que foi pela ausência desses elementos que as políticas de Lula e Dilma estão sendo desmontadas rapidamente.

“O grave retrocesso que o Brasil está vivendo, desconstrói sua economia, desagrega sua sociedade e provoca profunda erosão em seu sistema político. Estamos diante de uma enorme tarefa de reconstrução. Passados os primeiros momentos de desalento e de perplexidade, a sociedade começa a dar sinais de inconformismo com o status quo e mostra disposição em reverter o difícil quadro que estamos vivendo”, afirmou, no texto.

Na opinião de Garcia, contudo, a esquerda, sozinha, é insuficiente para dar conta dessa reconstrução. Nesse sentido, ele pregou a necessidade de se formar uma grande coalizão social e política.

“Essa coalizão tem de ser mais ampla que o espaço das esquerdas. Aos setores progressistas, representados por partidos de esquerda e movimentos sociais hoje agrupados em Frentes de intervenção política, compete conduzir um movimento, que se faz cada vez maior e mais combativo. Compete fundamentalmente atrair amplos setores democráticos em todas as esferas da sociedade brasileira, inclusive aqueles que, equivocados, participaram da aventura golpista”, escreveu.

Projeto nacional autônomo

O cientista social e mestre em Geografia Humana, Ronaldo Carmona, iniciou sua fala com um elogio à iniciativa das fundações. “É o início de uma jornada para a recomposição da unidade da esquerda e de uma nova maioria política e social da nação, em trono da reconstrução de nosso projeto de país”, disse ele, que fez um regate histórico da busca por um projeto nacional com maior autonomia ao longo da trajetória brasileira.

De acordo com ele, o sentido de projeto nacional vem com o próprio surgimento da Nação independente. Carmona percorreu então, momentos relevantes para um projeto nacional, citando, por exemplo, projeto de Nação de José Bonifácio de Andrada e Silva e ciclo nacional-desenvolvimentista. “Em momentos de crise, é preciso partir dessas ideias exitosas que animaram o povo brasileiro e uniram a maioria da nação em torno de seu futuro”, disse.

De acordo com ele, os governos Lula e Dilma também buscaram uma inserção virtuosa no sistema internacional, na qual o país tentou estabelecer condições mais propícias para o próprio desenvolvimento nacional.

Carmona defendeu que, ao se debruçar sobre os exemplos do passado, é possível contatar que momentos de autonomia nacional são sempre antagonizados fortemente e bloqueados por setores da burguesia pouco afeitos à ideia de nação e mais vinculados, ideológica e materialmente, a interesses externos.

“O golpe que acontece contra Dilma está umbilicalmente ligado à ideia de reversão da autonomia do projeto nacional. Ainda está por se demonstrar todas as injunções externas desse golpe, mas, certamente, com o tempo, essas digitais aparecerão. Elas se apresentam já na reversão do papel do Brasil no mundo, simbolizada pelo movimento do governo Michel Temer de trocar a prioridade de uma aliança com os Brics por essa atabalhoada adesão à OCDE”, disse.

Segundo Carmona, a luta pela retomada de um projeto nacional no Brasil se dará em um quadro de profundas alterações no cenário internacional e em meio a transformações na própria configuração do capitalismo contemporâneo.

“O mal-estar da globalização começa a produzir resultados políticos relevantes nos países desenvolvidos, como é a eleição de Trump e o Brexit inglês. Podemos afirmar, como tendência dominante de nossa época, que ocorre fortalecimento de opções nacionais e endógenas de desenvolvimento, sejam elas conduzidas por forças conservadoras ou progressistas”, declarou.

Segundo ele, a questão nacional ganha centralidade entre os grandes desafios do Brasil. “A retomada do projeto nacional brasileiro depende de uma ideia-força que motive e mobilize uma nova maioria nacional, superando o quadro atual de desilusão e ceticismo generalizado”, defendeu.

Crítica ao rentismo

O economista Mauro Benevides Filho, secretário da Fazenda do Ceará, fez um retrospecto da situação econômica do Brasil nos últimos anos. “Nem mesmo na crise de 1929, tivemos a economia brasileira decrescendo dois anos seguidos e nessa magnitude de 7,4%. Isso não existe. O Brasil experimenta agora, portanto depois de 12 anos de gestão nossa, algo que obviamente é acelerado por esse golpe”, disse.

De acordo com ele, todos os países do mundo estão em crescimento, exceto o Brasil e Grécia, afundada em dívidas. “Disseram que o Brasil cresceu 1,7% no primeiro trimestre, mas, se compararmos com o primeiro trimestre do ano passado, na verdade, o PIB caiu. E, se o PIB caiu, era inevitável que o desemprego se ampliasse”, disse, desconstruindo o discurso do governo.

Benevides Filho falou ainda sobre a evolução do crescimento da dívida pública brasileira. Na sua avaliação, o problema não deve ser olhado apenas pelo lado do aumento das despesas, mas pelo pagamento de juros, cujo volume, disse, saiu do controle. “A dívida cresce muito mais pelos juros que estamos pagando que pelos déficits primários que passaram a acontecer a partir de 2014”, afirmou.

Ele fez ainda uma crítica a decisões econômicas dos governos petistas, a exemplo do grande volume de reservas internacionais, os contratos de swaps cambiais, a concessão de subsídios ao BNDES e a manutenção de juros altos.

“A taxa do crescimento do PIB já vinha caindo e o Brasil resolveu, ainda em 2013 para 2014, ir aumentando a taxa de juros a níveis estratosféricos. Isso foi a patada fatal. O Brasil tem a maior taxa de juros real do mundo”, condenou. De acordo como ele, o país precisa acabar com privilégios do rentismo.

O economista falou ainda sobre a Previdência brasileira. De acordo com ele, no Regime Geral da Previdência Social – que acolhe a maioria dos brasileiros e é o grande alvo da reforma proposta por Michel Temer –, o déficit é inferior àquele verificado no regime do setor público. “Vamos ter coragem de mexer com os juízes, os procuradores, os advogados-gerais?”, provocou.

Ele listou também uma série de sugestões para a economia do país, entre elas, reduzir carregamento de reservas internacionais; coordenar a redução da taxa de juros com a melhoria da situação fiscal; ajustar impostos sobre heranças, doações e propriedade; e acabar com a isenção de Imposto de Renda sobre Lucros e Dividendos.

Superação da crise depende de aglutinar forças

Durante o debate, o ex-presidente do PCdoB e presdeinte da Fundação Maurício Grabois, Renato Rabelo, afirmou que, em um país como o Brasil, “ganha prioridade para seu desenvolvimento nacional, a salvaguarda da soberania e da autonomia na condução da política econômica”. Ele avaliou que, nos governos do PT, passos foram dados nessa direção.

Rabelo pregou a necessidade de construção de uma frente ampla, em defesa de um novo projeto nacional de desenvolvimento para o país. Para ele, a bandeira nacional não é a bandeira da burguesia, e cabe à esquerda, às forças progressistas defendê-la.

Segundo ele, o problema da desigualdade social só será resolvido com desenvolvimento nacional, soberano e autônomo. Na sua opinião, as condições para a superação da crise pós-golpe dependem da capacidade da esquerda de reunir amplas forças políticas e sociais. “Não vejo como sair disso, sem uma frente ampla que leve em conta questões como a restauração da democracia, a salvação nacional, a reconquista dos direitos sociais e uma saída para a crise”, disse.

Rebelo destacou que há um caldo de cultura que favorece a esquerda. “O povo vai tomando consciência cada vez mais sobre o que esse golpe trouxe. E hoje abomina-se Temer. Isso é essencial para nossa resistência abrir caminho. O centro da convergência é ‘Fora, Temer’. E aí entra a exigência da soberania popular, que é fundamental, o voto é a única saída para começar a resolver as coisas. Portanto, estamos com instrumentos importantes nas mãos”, discursou.