Cotas na USP, um passo contra o racismo

O racismo e o conservadorismo renitentes reaparecem num editorial deste domingo (9), da Folha de S. Paulo, sob o título Cotas falhas.
 
Por José Carlos Ruy *

cotas

 A Folha de S. Paulo tergiversa e finge ser o que não é – demonstra uma postura democrática que não tem. O editorial relativiza a chamada meritocracia, condena as cotas raciais e defende a adoção de cotas sociais, baseada na renda familiar do aluno e que, formando os negros a imensa maioria dos pobres, contemplaria também – pensa a Folha de S. Paulo – alunos de pele escura. Ao mesmo tempo defende o ensino pago e a “cobrança de mensalidades dos alunos cujas famílias tenham condições de pagá-las”.

Naquele editorial reaparecem argumentos já velhos, e rotos, desde aqueles que defendem a chamada meritocracia, e também o fim do ensino gratuito numa universidade tão importante como a USP.

Os argumentos são os de sempre – o ingresso, na universidade, de alunos beneficiados pelas cotas, filhos das camadas pobres da sociedade, é apresentado falsamente como uma ameaça de rebaixamento do nível dos alunos, pois os oriundos de escolas públicas, dizem de maneira hipócrita seus defensores, receberam formação escolar deficiente que os incapacitaria para acompanhar cursos em uma universidade como a USP.

Argumentos semelhantes foram apresentados no Jornal da USP, no artigo “A USP e as cotas”, de autoria do professor do Instituto de Química Mauro Bertotti, publicado em 9/6/2017. Nele, o autor se refere à missão institucional da USP – “formar recursos humanos altamente capacitados e produzir conhecimentos relevantes” desafios que, diz, “pode ser mais bem cumprido se a

Universidade contar com alunos de sólida formação escolar, que saibam aproveitar a oportunidade de estudar numa universidade de excelência e que tenham consciência da responsabilidade de reverter para a sociedade o conhecimento adquirido”.

Embora reconheça que os “talentos” para responder a este desafio estejam “igualmente distribuídos entre a população”, afirma que “obviamente, a condição socioeconômica é um componente que favorece uns em detrimento de outros, pois o caminho para um desenvolvimento escolar pleno é mais bem pavimentado para pessoas de estratos sociais mais altos, quer seja pelo maior capital cultural, quer pela escolarização básica mais qualificada”.

Esta é uma definição honesta, é preciso reconhecer, de uma ideia falsa – a chamada meritocracia, que favorece os filhos de famílias ricas.

Mesmo que aqueles que entraram na USP favorecidos por programas como o Inclusp, criado em 2006, tenham desempenho que o professor considerou, com base em pesquisas da própria USP, não tão ruins. “Logo apresentavam desempenho acadêmico similar ou muito próximo ao dos demais”. Os dados “demonstraram de maneira inequívoca que os alunos Inclusp tinham desempenho muito bom na graduação. ”

Isto é, a adoção pela USP de um sistema de cotas para estudantes pretos, pardos e indígenas, anunciada no começo de julho, é mais um rombo no muro do privilégio que demarca a universidade como um espaço branco e rico, e deixa de fora os filhos da maior parte da população, que são pobres e não brancos relegados às camadas inferiores da sociedade.

Contra o racismo que exclui negros e mestiços, e contra o preconceito social, que deixa de fora os pobres, a iniciativa da USP é mais um passo no rumo da democracia, e contra a meritocracia que favorece apenas àqueles que tiveram o duvidoso mérito de nascer em berços de ouro.