Thiago Cassis: Três anos depois dos sete gols da Alemanha

Todos que gostam muito de futebol, e principalmente, os que gostam das histórias em torno do futebol, já ouviram muito falar do fatídico dia 16 de julho de 1950. Dia de Maracanã lotado, Brasil vindo de bons resultados e precisando apenas empatar com o Uruguai para levantar a taça pela primeira vez, mas…

Por Thiago Cassis

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Mas o que se viu foi uma grande tragédia. No Maracanã, que foi alvo de tantos debates no período de sua construção, algo bem parecido com o nosso “Não vai ter Copa” X “Vai ter Copa” de 2014, os uruguaios viraram de forma improvável uma partida que perdiam por 1 a 0. Ghiggia, já com a partida se encaminhando para o final, sacramentou a virada vencendo o goleiro Barbosa. Em um Brasil que dentro e fora das quatro linhas, ainda tentava se encontrar e lutar contra o “complexo de vira-latas”, e que mesmo no futebol não tinha ainda levantado nenhuma taça, aquele gol teve o poder devastador de uma bomba. Não como as bombas que devastaram a Europa apenas alguns anos antes, na segunda grande guerra, conflito esse que inclusive fez a Copa do Mundo ficar 12 anos sem ser realizada, mas uma bomba que fez com que esse esporte por aqui perdesse um pouco o rumo nos anos posteriores.

O Brasil perdeu. E foi triste. Talvez a maior tristeza do nosso futebol.

Sofremos em 1954, com atletas instáveis emocionalmente e voltamos a perder, para em 1958 encontrarmos o caminho das conquistas e dai pra frente, 12 anos depois, em 1970 já sermos aclamados como o “país do futebol”, salvo exageros na afirmação, de fato os 11 em campo na final contra a Itália no Mundial do México elevaram o futebol ao status de arte, segundo o historiador Hobsbawm em seu “Era dos Extremos”.

O tempo passou, e o futebol seguiu mudando, a Holanda de 74 mudou a forma de jogar, o Brasil de 82 encantou também, mas nenhuma dessas seleções venceram a Copa. O Brasil voltou a vencer em 1994, jogando de forma pragmática como nunca antes, e depois assistiu outra geração de grandes jogadores, como Rivaldo e Ronaldo, vencer outra Copa, em 2002.

No canto do cisne de um período de governos, que apesar de necessárias auto críticas, mudaram os padrões de consumo dos brasileiros, elevando o acesso aos postos de trabalho, as universidades, entre outros importantes avanços, uma Copa do Mundo aconteceria no país. Um torneio que antecederia uma eleição que se mostrava difícil para as forças progressistas, sobretudo após a derrota nas ruas em 2013. Quando a mídia transformou legítimas manifestações contra a carestia nos transportes públicos em grandes atos contra a política em geral e contra “tudo que está ai”. Milhares de pessoas gritando por mais saúde e educação, e ajudando a fomentar o caminho para um novo intento neoliberal, que tão bem estamos assistindo agora, exatamente 3 anos depois da segunda grande derrota “em casa” do futebol brasileiro.

A receita da tragédia de 8 de julho de 2014 é complexa. Mas passa por uma CBF e federações locais que ainda vivem nos tempos da ditadura. Uma emissora de televisão privada que se apropriou do esporte mais popular do país e decide desde tabelas até horários de jogos, além de abrir de uma vez por todas o abismo entre os clubes com suas cotas “diferenciadas”. Um treinador que, apesar de grandes serviços para a própria seleção em 2002, passagens históricas por Grêmio e Palmeiras, talvez não estivesse em seu melhor momento para ocupar aquele cargo. E uma geração de atletas vestindo a camisa da seleção brasileira, que talvez fosse a pior desde o Mundial de 1930. Nesse último quesito, podemos debater se um outro treinador (Tite?), que conquistou o mundial de clubes com o Corinthians em 2012, teria conseguido tirar água de pedra e levar uma equipe melhor para o campo. Mas essa discussão não nos levaria muito longe…

Entre xingamentos vergonhosos a então presidenta da República, Dilma Rousseff, vindos de um público que estava pagando muito caro em seus ingressos, para sentar em Arenas novinhas em folha (e aqui sempre vou pensar na oportunidade que perdemos de realizar uma Copa de fato para nosso povo, em nossos templos do futebol. Quem não gostaria de ter visto um Argentina e Holanda, por um preço justo no belo Pacaembu? Mais isso é tema pra outro texto…) a seleção estreou sem convencer. Mas venceu a Croácia de virada. Na sequência um empate contra o México, que já deveria ter ligado o alerta do Brasil, e uma vitória contra a fraquíssima e conturbada seleção de Camarões, colocaram a seleção canarinho nas oitavas.

A partir dai, o que se viu foi uma seleção completamente desestabilizada, ainda mais. As lágrimas de alívio por uma vitória contra o Chile nos pênaltis diziam claramente que nem todos nasceram pra ostentar aquela camisa e ainda mais, que talvez exista um buraco na compreensão de toda uma geração, incluindo atletas de futebol, sobre o que representa o futebol para o brasileiro, e mais, sobre o que representa o futebol brasileiro para o mundo.

Na sequência, uma vitória contra a Colômbia e, ao menos para mim, um surpreendente lugar entre os quatro melhores da Copa para aquela limitada seleção brasileira.

Veio a semifinal, em um 8 de julho, assim como hoje, e um, dois, três, quatro, cinco, seis… sete gols da Alemanha. A mesma quantidade que o “furacão” da Copa de 1970, Jairzinho, levou seis difíceis jogos para marcar naquele mundial. Toda aquela receita de alguns parágrafos acima estava exposta. E tivemos que descobrir e encontrar todos esses erros de uma só vez. Aliás, em sete vezes.

Naquela lista, ainda podemos juntar motivos como a formação do jogador brasileiro por exemplo… e após tamanho desastre, que jornalistas, estudiosos, atletas e demais interessados no esporte, ainda no máximo tateiam explicações, é inevitável perguntar: O que mudou de lá pra cá? A resposta é fácil: nada mudou.

A tal emissora de TV ampliou seu domínio, tornando os clubes cada vez mais dependentes, um Campeonato Brasileiro com atletas ou muito novos pra ir embora, ou mais velhos retornando do exterior, com outros com qualidade discutível até para ter escolhido essa profissão, e uma CBF comandada pelos mesmos, os mesmos de sempre. Tudo isso, atualmente, muito bem “escondido” por uma seleção, treinada por Tite, que, pasmem, tem apresentado ao menos um futebol razoável e de bons resultados.

É improvável que outra vergonha aconteça em 2018. Podemos até ganhar a sexta estrela na camisa na Rússia ano que vem. Mas uma oportunidade de rever toda a estrutura do futebol brasileiro foi, e ainda está sendo, desperdiçada.